Encontro de Lula com líderes evangélicos impulsiona debate para tornar abuso religioso crime eleitoral
Por: Ana Cláudia Leocádio
20 de outubro de 2025
BRASÍLIA (DF) – A foto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com lideranças religiosas, entre elas, o bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus de Madureira, e o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), na semana passada, em Brasília (DF), levantou discussões sobre o poder de influência dessas pessoas sobre os fiéis e também sobre uma forma de contrapor a visão de que os evangélicos apoiam apenas um lado do campo político no País. A avaliação é do advogado e mestre Alexander Ladislau, que atua na área de Direito Eleitoral, e apresentou recentemente trabalho acadêmico que sugere a criação de um marco legal para tipificar o abuso de poder religioso nas eleições como crime eleitoral.
Ladislau apresentou uma dissertação de mestrado, no dia 8 de setembro de 2025, no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília (DF). Com o título “O abuso do poder religioso nas eleições presidenciais de 2022: o impacto do protagonismo evangélico na liberdade do voto”, o advogado apresenta uma discussão sobre o abuso de poder religioso nas eleições brasileiras, especialmente no contexto da influência evangélica no Congresso Nacional.
Conforme Ladislau, a falta de regras claras permite que grupos religiosos façam uso exacerbado do direito de participação política, o que abre brechas para abusos que acabam desequilibrando a disputa eleitoral. Ladislau lembra que a relevância evangélica no Brasil se intensificou a partir da segunda metade do século 20, com a explosão pentecostal e neopentecostal.

O trabalho acadêmico ressalta a estimativa 2025 do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostrou a redução no ritmo de crescimento da população evangélica no Brasil. Neste ano, já são cerca de 47,4 milhões de evangélicos, o que representa aproximadamente 26,9% da população brasileira. A expectativa de ultrapassar a população católica, que antes era para 2032 e, agora, ficou para 2049.
O crescimento no Censo também se reflete no Parlamento. Com 142 parlamentares, sendo 132 deputados federais e 10 senadores, eleitos nas eleições de 2022, a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) é considerada a maior bancada temática do Congresso Nacional. Em 20 anos, esse segmento cresceu quase 200%, quando saiu das urnas de 2002 com 50 deputados e nenhum senador.
De acordo com o mestre, a significante relevância religiosa, principalmente dos evangélicos, “refletiu-se intensamente nas eleições presidenciais de 2018 e 2022, quando líderes religiosos, sobretudo evangélicos ligados ao ramo neopentecostal, assumiram papel central nas campanhas e no direcionamento de votos, adotando a fé religiosa de pessoas que compactuam com seus ideais como ferramenta eleitoral para obter votos”.
“Nesse sentido, o crescimento do movimento evangélico no País acompanhou a criação de redes de mídia, partidos confessionais e bancadas parlamentares que passaram a pautar temas morais, educacionais e familiares, indicando a adoção de princípios religiosos, e praticamente constrangendo o público evangélico a abraçar os ideais políticos propostos”, afirma o advogado.

No trabalho de mestrado, Alexander Ladislau fez um estudo de caso no município de São Pedro dos Crentes, no Maranhão, com cerca de quatro mil habitantes, que desde a primeira eleição ali realizada, em 1996, só elegeu prefeitos apoiados pelos líderes religiosos da cidade. Das 81 pessoas entrevistadas, apenas seis declararam ter votado contra a indicação dos pastores, em 2022, com voto em Lula. Duas delas esconderam o voto, duas declararam e passaram a ser discriminadas na comunidade e os outros dois, disseram não se importar com que os líderes pensam. Os demais seguiram as ordens dos líderes.
Caminhos para a regulamentação
A Lei Complementar 64/1990 prevê sanções para como abusos de poder econômico e político nas eleições, impondo limites ao uso dos recursos materiais e financeiros pelos candidatos, assim como restringe ações de uso da máquina pública em benefício eleitoral. Ladislau acredita que é possível avançar e incluir o abuso religioso. O autor sustenta que, como o abuso do poder religioso não é tipificado especificamente na legislação, a ausência de parâmetros claros dificulta a fiscalização e a punição.
Em sua dissertação, ele apresenta três caminhos para que essa regulamentação ocorra na legislação brasileira. A principal seria pela via tradicional legislativa, com projeto de lei ou emenda constitucional, caminho considerado mais difícil, dada a influência da Bancada Evangélica no Congresso.
A segunda, seria o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) usar seu poder normativo editando uma resolução, por exemplo. Uma quarta saída, seria reanalisar precedentes já existentes. Em 2020, o Tribunal rejeitou a tese do ministro Edson Fachin, ao julgar o recurso de uma vereadora de Luziânia (GO), que teve o mandato cassado pela Justiça Eleitoral de Goiás por abuso de poder religioso nas eleições de 2016. Por maioria de votos, os ministros rejeitaram a tese de Fachin e acataram o recurso da vereadora, que teve o mandato restituído.
A terceira forma de regulamentação seria por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) no Supremo Tribunal Federal (STF). Esse instrumento legal poderia ser utilizado para contornar a omissão do Congresso Nacional em regulamentar o abuso religioso, principalmente se for considerado que não passaria através do processo legislativo.
O questionamento, segundo o especialista, ocorreria na mesma esteira da decisão do STF que equiparou homofobia ao crime de racismo. “Da mesma forma, se um partido político ingressar no Supremo Tribunal Federal com uma ADO, dizendo que existe um fato social não regulamentado e que pode ser aplicado a lei de abuso de autoridade ou de abuso de poder econômico no abuso religioso, aí também isso poderia ser feito já para as próximas eleições”, ressalta.
Nascido em família protestante da Igreja Presbiteriana, o advogado disse que essa regulamentação seria uma forma de inibir o uso dos fiéis, por líderes religiosos, como massa de manobra eleitoral a cada eleição. “Conversei com vários pastores que não concordam com essa forma que está sendo feita por alguns”, disse. Segundo o mestre, há uma ala no evangelismo que credita a diminuição de ritmo de crescimento da população evangélica a esse tipo de ação, principalmente de 2018 para 2022, quando apoiaram em massa o bolsonarismo.
Ao final da dissertação, Ladislau apresenta uma minuta de projeto de Lei Complementar que considera como “abuso de poder religioso o uso indevido de estruturas, cargos, autoridade ou influência de natureza religiosa, por líderes, instituições ou organizações religiosas, de forma direta ou indireta, para beneficiar candidatos ou partidos políticos, influenciar o voto do eleitor ou interferir na normalidade do processo eleitoral”.