Eneva avança em territórios sensíveis da Amazônia em meio a denúncias de violações
Por: Fred Santana
03 de outubro de 2025
MANAUS (AM) – Um relatório internacional, elaborado por organizações ambientais do Brasil, Alemanha, México, Argentina e Peru, e divulgado nessa quarta-feira, 1°, aponta a empresa Eneva SA. lidera a expansão sobre territórios “sensíveis da Amazônia”, amparada por volumosos financiamentos de instituições financeiras brasileiras e do exterior. O empreendimento enfrenta resistência de povos tradicionais da região, que denunciam a violação de direitos por atentar contra a vida de lideranças indígenas no “Campo do Azulão”, entre as cidades de Itapiranga e Silves, distantes 226 e 181 quilômetros de Manaus.
Outra empresa citada no estudo que denuncia a atuação de empreendimentos e bancos que sustentam a expansão da fronteira de petróleo e gás na Amazônia é a estatal Petrobras, que a pesquisa classifica, junto com a Eneva SA. como “bandeirantes do petróleo”. Segundo o documento, o avanço das empresas ameaça ecossistemas inteiros e milhões de pessoas que dependem da floresta.
Intitulado “The Money Trail Behind Fossil Fuel Expansion in Latin America and the Caribbean”, o estudo foi elaborado pelo Instituto Internacional ARAYARA (Brasil) e pela Urgewald (Alemanha), em parceria com Conexiones Climáticas (México), FARN (Argentina) e Amazon Watch (Peru).

Enquanto a Petrobras atua como gigante estatal, a Eneva desponta como a maior operadora privada da expansão fóssil amazônica. A empresa é responsável por 72% da área de exploração fóssil no bioma, consolidando-se como principal operadora de campos de gás na região. Entre 2022 e 2024, captou US$ 2,72 bilhões em financiamentos, sendo 75% provenientes de bancos nacionais, com destaque para Itaú (US$ 0,90 bi), Bradesco (US$ 0,53 bi), BTG Pactual (US$ 0,51 bi), Santander (US$ 0,19 bi) e Citigroup (US$ 0,14 bi).
Um dos principais projetos da Eneva no Amazonas é o Complexo Termelétrico Azulão, localizado no município de Silves, a cerca de 230 quilômetros de Manaus. A usina utiliza gás extraído de campos da Bacia do Amazonas e vem sendo citada em decisões administrativas e judiciais ligadas ao processo de licenciamento. Além do Azulão, a companhia também detém participação em blocos exploratórios como o Campo do Japiim, em áreas próximas a Unidades de Conservação (UCs) e territórios de uso sustentável, ampliando a presença em regiões de alta sensibilidade ambiental.
Segundo o estudo, a Eneva projeta expandir a produção em 66,4 milhões de barris de óleo equivalente nos próximos anos, todos provenientes de blocos amazônicos. “A Eneva é a nova bandeirante: avança sobre territórios sensíveis da Amazônia. Faz isso com apoio direto dos maiores bancos privados do País. É um projeto de destruição e alto impacto climático financiado pelo próprio sistema financeiro brasileiro”, alerta Nicole Oliveira, diretora executiva da ARAYARA.

Histórico de violações e denúncias
A atuação da Eneva marcada por denúncias de graves irregularidades. Em 2021, a CENARIUM noticiou que exploração de gás natural pela empresa no município de Silves, a cerca de 180 quilômetros de Manaus, passou a ser alvo de questionamentos de comunidades indígenas e ribeirinhas da região.
De acordo com lideranças, o Complexo Azulão foi implantado sem a realização da consulta prévia, livre e informada às populações tradicionais, direito garantido pela Convenção 169 da OIT. Lideranças locais, entre elas famílias das etnias Mura, Sateré-Mawé e Munduruku da aldeia Gavião Real I, afirmaram que não foram ouvidas nos processos de licenciamento e apontaram riscos à sobrevivência de suas comunidades, citando a contaminação de igarapés, a escassez de pesca e a redução da caça.

Relatórios da Comissão Pastoral da Terra e manifestações do Ministério Público Federal (MPF) reforçaram as denúncias, destacando que as licenças ambientais concedidas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) ignoraram a presença indígena. O MPF, por sua vez, entrou com ação na Justiça Federal pedindo a anulação das autorizações e exigindo que processos de licenciamento passassem a ser conduzidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Nos anos seguintes, os conflitos se intensificaram. Comunidades denunciaram ameaças a lideranças locais e questionaram o uso de dados desatualizados sobre a presença indígenas nos estudos ambientais. Ao longo de 2024, cresceram os relatos de que igarapés da região, como o da Maricota, vinham sendo afetados pela exploração, comprometendo o acesso à água potável e à pesca, base da subsistência das famílias.
A crise atingiu um dos pontos de maior tensão em junho de 2025, quando cerca de 200 famílias indígenas e ribeirinhas ligadas à Associação dos Povos Indígenas do Rio Anebá (Apira) realizaram um protesto e bloquearam a estrada de acesso ao Complexo Azulão.
O ato, liderado pelo cacique Jonas Mura, denunciou a destruição da floresta, a invasão de igarapés e o impacto direto sobre a vida das comunidades. Durante a mobilização, os manifestantes chegaram a liberar a passagem de uma ambulância em situação de emergência, mas mantiveram a ocupação como forma de resistência à exploração.
Antes da manifestação, em maio de 2025, a Justiça Federal havia determinado a suspensão das atividades da Eneva no Azulão, reconhecendo a sobreposição do empreendimento com territórios indígenas. O laudo do MPF foi decisivo ao comprovar que a área de exploração coincidia com terras ocupadas pela aldeia Gavião Real.
A CENARIUM entrou em contato com a Eneva para pedir posicionamento sobre o estudo apresentado nesta semana, e aguarda retorno.
Petrobras: campeã continental da expansão fóssil
A Petrobras aparece como a maior empresa da região em termos de captação de recursos para petróleo e gás, respondendo por 29% de toda a expansão exploratória da América Latina e do Caribe. Entre 2022 e 2024, a estatal recebeu US$ 8,02 bilhões em financiamentos bancários e US$ 40,83 bilhões em investimentos de acionistas. Entre os principais financiadores estão Bank of China (US$ 0,93 bi), Bank of America (US$ 0,69 bi), HSBC (US$ 0,69 bi), Morgan Stanley (US$ 0,69 bi) e Santander (US$ 0,68 bi).

“A Petrobras tem investido pesado em publicidade se autodenominando líder em transição energética justa, mas menos de 2% dos seus investimentos vão para renováveis. Enquanto isso, pressiona órgãos sérios como o IBAMA a liberar a exploração da Costa Amazônica, em confronto direto com a ciência e até com seu próprio corpo técnico. O que está em jogo não é transição: é a perpetuação do petróleo – petróleo para mais petróleo – sem justiça, às custas do futuro climático do Brasil e do planeta”, afirma Nicole Oliveira.
Grande parte desses investimentos se concentra em águas ultraprofundas na Amazônia, com perfurações acima de 1,5 mil metros. O estudo alerta que nessas condições a probabilidade de acidentes é significativamente maior, elevando o risco de vazamentos de grande escala, semelhantes ou até superiores ao desastre da BP no Golfo do México em 2010.

Fracking e águas profundas: riscos extremos
O relatório também detalha os riscos das técnicas em uso. Estima-se que 22% dos novos recursos fósseis na América Latina virão do fracking, método que injeta água, areia e produtos químicos no subsolo, associado à contaminação de aquíferos, emissão de metano e até abalos sísmicos. Além disso, 55% dos novos projetos estão em águas ultraprofundas, ambiente onde acidentes têm potencial devastador para ecossistemas e populações ribeirinhas.
“Essas tecnologias não convencionais são verdadeiras bombas-relógio ambientais. Não há justificativa técnica ou de demanda energética para insistir em fracking e expandir a exploração em águas ultraprofundas em plena emergência climática”, destaca Nicole Oliveira.
Bancos brasileiros no centro do financiamento
O sistema financeiro nacional também desempenha papel crucial nessa expansão. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aparece como maior investidor institucional, destinando US$ 5,05 bilhões à Petrobras. Outros grandes aportes partiram de Itaú Unibanco (US$ 2,72 bi), BTG Pactual (US$ 1,78 bi), Banco do Brasil (US$ 1,44 bi) e Bradesco (US$ 1,16 bi). Na lista das empresas brasileiras mais financiadas, a Petrobras lidera com US$ 8,02 bilhões, seguida por Cosan (US$ 5,12 bi), Eneva (US$ 2,72 bi), Brava Energia (US$ 1,49 bi) e Enauta (US$ 0,98 bi).
Impactos sociais e ambientais
O estudo alerta que a expansão de petróleo e gás ameaça 78% da biodiversidade amazônica e impacta diretamente 2,7 milhões de indígenas. Além dos riscos ambientais, relatórios públicos e decisões de órgãos de controle já identificaram efeitos sociais e econômicos em municípios onde a Eneva atua, como Silves, incluindo transformações rápidas na economia local, aumento da demanda por serviços públicos e desafios de segurança.
Os autores chamam esse modelo de “colonialismo energético”, em que os lucros são destinados a acionistas e investidores, enquanto comunidades amazônicas arcam com os custos da devastação ambiental e social.