Entenda por que indígenas ocuparam Secretaria de Educação do Pará


Por: Fabyo Cruz

14 de janeiro de 2025
Indígenas nas dependências da Seduc-PA (Fabyo Cruz/CENARIUM)
Indígenas nas dependências da Seduc-PA (Fabyo Cruz/CENARIUM)

BELÉM (PA) – Indígenas ocuparam a sede da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc-PA), localizada no Distrito de Icoaraci, em Belém, nesta terça-feira, 14, em protesto contra as alterações promovidas pelo governo estadual na carreira do magistério. O ato público ganhou visibilidade nas redes sociais, porém a complexidade do tema ainda é pouco compreendida pela maioria da população.

O protesto foi motivado pelo Projeto de Lei (PL) 729/2024 da Nova Carreira do Magistério, elaborado pela Seduc-PA, aprovado pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e sancionado pelo governador Helder Barbalho (MDB) – dando origem à Lei 10.820/2024, em dezembro do ano passado, que alterou a estrutura do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some), criado na década de 1980 para levar educação a comunidades remotas, como ribeirinhas, quilombolas e indígenas.

Um dos pontos mais polêmicos da lei é a revogação da legislação que regulava o Some e sua modalidade voltada para comunidades indígenas (Somei), que transferiu a gestão do sistema para a Seduc, submetendo o sistema a condições de trabalho a portarias. Entre as alterações mais contestadas está a criação de níveis de complexidade que definem os valores das gratificações recebidas pelos professores.

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“Antes, os educadores do Some recebiam um valor fixo de R$ 8 mil como gratificação, mas agora os valores variam de acordo com a classificação da localidade: nível 1 recebe R$ 1mil, nível 2 (R$ 3 mil); nível 3 (R$ 5 mil); e nível 4 (R$ 7 mil). É anunciado como se todos os professores fossem receber 7 mil”, disse um o educador do Some entrevistado pela reportagem, mas que não quis se identificar.

O professor afirma que os critérios para a classificação das localidades não foram divulgados e geraram incertezas, assim como descontentamento entre os educadores. Além disso, os profissionais temporários, que antes recebiam 80% da gratificação, agora recebem apenas 40%.

A nova política não apenas reduziu as gratificações, mas também deixou os educadores expostos a desafios financeiros ainda maiores. O entrevistado relatou que, dos R$ 8.325 que recebia anteriormente, quase R$ 5 mil eram destinados ao Imposto de Renda, enquanto os custos com transporte para regiões isoladas podem ultrapassar R$ 600 por semana.

“Temos altos gastos com mobilidade. Eu uso carro, pago gasolina, manutenção, e quando a localidade é muito remota, ainda preciso deixar o carro estacionado, pagar por embarcações e dividir custos com colegas. Já cheguei a gastar R$ 600 por semana só com transporte”, afirmou.

Educação indígena em risco

A precarização também afeta diretamente a educação indígena. Em Santarém, no oeste do Pará, por exemplo, apenas dois dos 46 professores que atuam no Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei) são concursados. Os demais, contratados de forma temporária, enfrentam ainda mais dificuldades com a redução das gratificações. Desde sua criação, o Some tem desempenhado um papel fundamental na garantia do acesso à educação em localidades onde escolas convencionais não chegam. Em municípios como Abaetetuba, ele ainda atende o Ensino Fundamental, embora esteja majoritariamente focado no Ensino Médio.

Ao longo do dia, os manifestantes exigiram diálogo e maior transparência nas decisões do governo estadual. Para os educadores, a sobrevivência do Some e do Somei depende de políticas públicas que valorizem a profissão e garantam investimentos adequados para manter a qualidade da educação em comunidades indígenas e ribeirinhas.

“Apesar do governo divulgar que professores do Some podem receber até R$ 27 mil, essa realidade está restrita a casos isolados de profissionais com décadas de experiência. Para a maioria, especialmente aqueles no início da carreira, os valores são significativamente menores, contribuindo para a sensação de desvalorização”, disse o educador entrevistado. “Somos responsáveis por levar educação a lugares onde ninguém mais chega, mas somos tratados como um problema. Isso é desolador”, desabafou.

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Editado por Adrisa De Góes

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