Entidades apontam ameaça ao futuro e pedem veto de Lula ao ‘PL da Devastação’
Por: Ana Cláudia Leocádio
17 de julho de 2025
BRASÍLIA (DF) – A aprovação do Projeto de Lei (PL) do Licenciamento Ambiental, também apelidado de “PL da Devastação”, desencadeou reações contra um marco legal que pode comprometer o futuro do País, segundo o Observatório do Clima. Nas redes sociais, aumenta a pressão para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete a proposta. O texto, aprovado pelo Senado em maio, aguardava a análise da Câmara sobre as 32 modificações feitas pelos senadores. Agora, cresce nas redes sociais a pressão para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete o PL. O texto foi aprovado por 267 votos favoráveis e 116 contrários, por volta das 2h desta quinta-feira, 17.
Logo após o final da votação do PL do Licenciamento, durante a madrugada, o Observatório do Clima (OC) divulgou uma nota, na qual afirma que Congresso Nacional “desmonta o principal instrumento de controle dos impactos ambientais de empreendimentos no País”. A organização o classifica a legislação como inconstitucional, que será contestado na Justiça, pois vai resultar em conflitos e insegurança jurídica para empreendedores e investidores.
“A aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021 é o maior retrocesso ambiental legislativo desde a ditadura militar (1964-1985) e ocorre a menos de quatro meses da COP30, a conferência do Clima da ONU, que será realizada em Belém”, diz a entidade.
Para o Observatório, os presidentes das duas Casas, Davi Alcolumbre e Hugo Motta, ignoraram todos os alertas de especialistas, da sociedade e da ciência sobre os riscos trazidos pelo PL do Licenciamento. “O licenciamento ambiental pode ser aperfeiçoado, mas isso deve ser feito com participação da sociedade e critérios técnicos e científicos. O PL 2.159 é a antítese da solução para o licenciamento”, reitera a nota.
O documento lembra, ainda, que “foi o licenciamento ambiental que mudou a realidade de regiões como o município de Cubatão (SP), o ‘Vale da Morte’ nas décadas de 1970 e 1980. Ao rifar a proteção do meio ambiente e da saúde para atender a interesses de setores empresariais e do agronegócio por menos controle, o Congresso ameaça o País”, afirma.
Para a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, em vez de aperfeiçoar as regras do licenciamento e a avaliação de impactos ambientais, o Congresso optou por consolidar a lei da não-licença e o autolicenciamento.

“Um apertar de botão, sem apresentação prévia de qualquer estudo ambiental, será o procedimento padrão que gerará a maior parte das licenças no país, na modalidade por Adesão e Compromisso. Já a chamada Licença Ambiental Especial, criada para facilitar grandes empreendimentos, é oficialmente guiada por interesses políticos”, afirma Araújo.
O secretário executivo do OC, Marcio Astrini, declara que o texto aprovado expõe a capacidade de destruição do Congresso e coloca o governo federal sob escrutínio. “Tal como foi aprovado, o projeto de lei estimula o desmatamento e agrava a crise climática. O presidente Lula diz que o Brasil vai liderar a agenda ambiental pelo exemplo. O veto do PL 2.159, às vésperas da COP 30, é a oportunidade perfeita para transformar o discurso em prática. Esperamos que ele cumpra seus compromissos de campanha e rejeite esse texto absurdo aprovado pelo Congresso brasileiro”, conclui.
Marina fala em ‘adeus à proteção’
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, divulgou, em suas redes sociais, depois da aprovação da matéria, trechos de uma entrevista em que considera a proposta um “adeus à proteção ambiental”.
“É momento de muita preocupação. Tudo aquilo que foi construído ao longo de décadas, para proteger o meio ambiente, o licenciamento é uma das principais ferramentas dessa proteção. À medida que você estabelece que, a partir de agora, você não tem uma regra geral, que cada prefeito, cada governador, o presidente da República, que vão determinar o que tem impacto e o que não tem impacto, adeus proteção ambiental”, afirmou a ministra.
A preocupação se dá também com o que ela chama de competição no caminho de baixo entre os entes que mais diminuírem a proteção para atraírem investimentos. Para Marina, “a simplificação para projetos de segurança energética é um grande risco porque, um projeto que é estratégico para atender a energia, não muda as leis da natureza”.
“Nós tínhamos uma grande expectativa de que essa lei não fosse aprovada no açodamento, nas portas do recesso, sem assimilar o impacto que a sociedade tem em relação àqueles que, de forma distante, estão produzindo prejuízos, que são bem perto e bem próximos das nossas vidas, da vida do nosso filho e do nosso neto”, ressaltou.
‘Tragédia anunciada’
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao MMA, considera a aprovação como “tragédia anunciada”, uma vez que vai fragilizar a proteção de unidades de conservação federais.
“O projeto aprovado representa um grande risco para a integridade das áreas protegidas federais, dado o conhecimento técnico específico que o ICMBio detém sobre cada uma delas. O projeto compromete gravemente a capacidade do órgão gestor de assegurar a compatibilidade entre atividades econômicas e proteção da biodiversidade brasileira em unidades de conservação”, diz nota.
Para o Instituto, a situação é ainda mais grave para as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que perderão totalmente a participação do ICMBio no processo de licenciamento. “Considerando que muitas dessas unidades são extensas e abrangem diversos estados e municípios, a ausência de acompanhamento preventivo pode gerar conflitos com atividades incompatíveis com os planos de manejo aprovados. Nestes casos, o projeto prevê que o ICMBio atue apenas de forma reativa, por meio de vistoria e fiscalização, quando os danos já estiverem em curso. É uma lógica perversa: lidar com o problema depois que ele acontece, ao invés de trabalhar para evitá-lo”, afirma.
A Fundação SOS Mata Atlântica também classificou como “o maior retrocesso da história do licenciamento ambiental brasileiro” e destaca a aprovação da Emenda 28, que altera a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) e enfraquece a proteção de suas áreas mais preservadas, contrariando alertas de ambientalistas, empresários, cientistas e contra grande mobilização da sociedade.
Na avaliação da diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, as manifestações nas redes sociais, os posicionamentos de diversos setores da sociedade, de artistas, líderes religiosos e a repercussão na imprensa mostraram que a sociedade está atenta e atuante. “No entanto, dentro do Parlamento “a maioria ficou surda, totalmente alheia à sociedade”, definiu.
A fundação reclama de que teve todos seus apelos pela rejeição da emenda ignorados, tanto pelo relator do PL, deputado Zé Vitor (PL-MG), quanto pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
SBPC convoca para protesto
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) já havia se posicionado contra o PL da Devastação antes da votação. Na manhã desta quinta-feira, a organização anunciou uma convocação “para todos que defendem o meio ambiente, a ciência, os direitos constitucionais e o futuro das próximas gerações” para uma manifestação contra a proposta, durante a 77ª Reunião Anual da SBPC, em frente ao prédio da Reitoria da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), das 15h30 às 16h.
Na avaliação da SBPC, o novo marco legal desmonta o sistema de licenciamento ambiental brasileiro e “representa o maior retrocesso das últimas décadas na política ambiental brasileira”.
Na nota divulgada antes da aprovação do PL, a SBPC afirma que os dispositivos fragilizam “o controle sobre grandes obras com potencial destrutivo; dispensa o licenciamento para atividades do agronegócio com base em autodeclarações; e ignora compromissos internacionais do Brasil no combate às mudanças climáticas”.
“Claramente, o PL é uma ameaça à Constituição Federal e aos direitos dos brasileiros. Mas, também, é uma afronta à ciência produzida pelos cientistas do Brasil e do mundo, incluindo aqueles reunidos no âmbito da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da SBPC, do Painel Científico da Amazônia e do IPCC”, afirma.
A entidade acrescenta que o projeto também “coloca em risco biomas inteiros, como a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica; ameaça diretamente os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais; viola princípios constitucionais, desmonta o papel do Estado na proteção ambiental e sabota o futuro da educação, da ciência e do desenvolvimento sustentável“.
“A SBPC não aceitará que conquistas históricas da sociedade brasileira sejam desmontadas por interesses imediatistas”, afirma a entidade.
Repúdio
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) repudiou a aprovação do PL porque ele “desmonta os pilares do licenciamento ambiental e enfraquece a capacidade do Estado de prevenir danos ao meio ambiente”.
“No momento em que o Brasil se prepara para um dos eventos mais importantes para o futuro da humanidade, a COP30 em Belém, nosso Congresso nos brinda com uma agenda que vai na contramão de nossa liderança global: um PL que usa o correto pretexto de simplificar, para tornar o processo de licenciamento ambiental no Brasil menos transparente e mais arriscado para o meio ambiente”, disse diretor executivo do Ipam, André Guimarães.
Para a organização, mais do que um retrocesso, “trata-se de uma decisão que pode gerar efeitos duradouros: aumento do desmatamento, ataque aos direitos de comunidades indígenas e tradicionais, maior exposição a tragédias ambientais e o enfraquecimento da credibilidade internacional do Brasil em temas climáticos”.
Apesar dos protestos das organizações de defesas do meio ambiente e de cientistas, o PL do Licenciamento recebeu apoio de 98 entidades do setor produtivo, que dizem acreditar que o novo regramento vai destravar o desenvolvimento do País.