Entrelaçamento e bem viver na perspectiva das mulheres da Amazônia


Por: Iraildes Caldas

18 de novembro de 2025

Mulheres e homens são seres emocionais que usam a razão para justificar todas as coisas. Todos têm uma conexão com o universo, as mulheres experimentam esta conexão de forma única, por meio de uma intuição uterina. O útero não é só um órgão do corpo da mulher, é, com efeito, uma mística, uma casa de acolhimento da vida, um mistério inefável, difícil de explicar. Diz-se que Deus fez as mães porque não podia estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

Na lógica do florescimento matrístico percebemos a existência da intuição, da espiritualidade. A intuição é a capacidade de perceber as coisas antes que elas aconteçam, antes que cheguem a razão, é o espírito aguçado capaz de adivinhar algo que ainda vai acontecer, um pressentimento. É a capacidade de entender e pressupor coisas que não dependem de um conhecimento empírico, nem de conceitos nos domínios da razão.

As mulheres não só têm uma intuição aguçada, em virtude da dimensão uterina que possuem, mas também porque possuem uma conexão profunda com a terra, a floresta e as águas, que também são procriadoras e geram vida. São a alma da natureza, o útero do planeta, um princípio feminino responsável pelo equilíbrio ecológico.

Há uma poética, um canto, uma conexão de pertencimento e de afetividade das mulheres com a natureza. Uma ética de reciprocidade que altera a percepção e constrói aliança com o planeta. As mulheres florescem, se reinventam e se fortalecem nesse entrelace com a natureza. Elas se veem nos arquétipos femininos, reconhecem-se como tributárias de suas ancestralidades.

O entrelaçamento que eu aponto nos meus estudos é o reconhecimento das matrísticas ancestrais, significa se render à sabedoria das velhas, das mestras da vida, das bruxas, daquelas que ensinam na ritualística da experiência. É um entrelace místico, de amorosidade e de afetividade com o outro e com os elementais do universo.

É um entrelaçamento quântico que religa as coisas e que permite que dois ou mais objetos estejam tão ligados que nenhum deles possa ser descrito, sem a associação dos outros objetos. A quântica trabalha com probabilidade, estuda os fenômenos microscópicos das escalas dos átomos e das partículas subatômicas. Trabalha com energia que acredita na convergência entre o conhecimento científico e a espiritualidade. Trata problemas de ordem física e emocional, pois tudo começa na mente e se conexa com o corpo. Desafia-nos a considerar todas as possibilidades para conduzir nossas escolhas, criando o nosso próprio destino e influenciando a vida das pessoas ao seu redor.

As mulheres estão entrelaçadas com a energia quântica, elas estão no campo das relações entre mente e corpo de forma mais aguçada, estabelecendo uma relação de espiritualidade com a natureza, com as plantas e os animais. Elas fazem as coisas com potência, com alegria, com amorosidade. É a potência dos entrelaços, do reconhecimento do outro, do diferente. Amorosidade e ternura para enfrentar o tempo duro da razão.

As mulheres sabem fazer o entrelace entre o mundo da vida, dos fenômenos cotidianos, com a espiritualidade. Precisa, outrossim, que o conhecimento científico se aproxime mais da espiritualidade. Depois da quântica não há mais lugar para o divórcio entre a ciência e a espiritualidade.

Precisamos fazer o resgate das conexões, buscar construir uma ética da relação e do cuidado. Estamos em busca da esperança em Gaia, a Mãe-Terra. A sabedoria ancestral está entrelaçada com Gaia, na prática das mulheres, parteiras, benzedeiras, oleiras, erveiras e xamãs. Elas possuem uma mística da floresta entrelaçada aos seus modos de vida, um modo ecológico de viver a vida.

O Bem Viver é um conceito trabalhado por Alberto Acosta e se refere à vida em pequena escala, sustentável e equilibrada, como meio necessário para garantir uma vida digna para todos/todas e para a própria sobrevivência da espécie humana e do planeta. É uma filosofia em construção que parte da cosmologia e do modo de vida ameríndio, mas que está presente nas mais diversas culturas.

É uma alternativa de desenvolvimento, uma dimensão do direito à natureza, a matriz de uma nova economia solidária e plural de vocação pós-extrativista e pós-capitalista. Remete para a construção do Estado plurinacional, que é construído com a participação popular dos povos e das nacionalidades, por meio de diferentes formas de democracia. O conceito de Sumak Kawsay utilizado por Acosta traz a ideia de vida limpa e harmônica e nos ensina a viver em paz, conviver bem, ter uma vida doce, suave.

Em tempos de distopia o bem viver propõe uma ruptura civilizatória, uma quebra de paradigma para superar o fatalismo do desenvolvimento e reatar a comunhão entre a humanidade e a natureza. Torna-se necessário construir a educação intercultural para se estabelecer o bem viver. Esta é uma questão política que implica cidadanizar o Estado, criando espaços comunitários como formas ativas de organização social.

(*)Professora titular da Universidade Federal do Amazonas e doutora em Antropologia Social.

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