Escalada da extrema direita assusta e preocupa instituições, políticos e organizações civis no Brasil

Reunidos em pequenos grupos, radicais de extrema direita pregam a violência política, sob um perigoso silêncio das instituições brasileiras (Reprodução/Metrópole)

Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Deixou de ser uma discussão sobre o uso ou não da cloroquina ou se a terra é plana ou redonda. Nas últimas semanas, o Brasil vem acompanhando a grave – e preocupante – ascensão do radicalismo de direita.

Neste sábado, 30, em Brasília, mais um capítulo dessa história foi escrito pelo grupo ‘300 Pelo Brasil’, quando, aproximadamente trinta figuras mascaradas, marcharam com tochas, em frente à sede do Supremo Tribunal Federal (STF).

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Liderados por Sarah Winter – a pseudo guerrilheira de direita, que prometeu, em vídeo recente agredir o ministro Alexandre de Moraes, do STF – , o grupo mimetizou a estética do racista e reacionário Ku Klux Kan, norte americano. “Viemos cobrar! O STF não vai nos calar!”, bradava o pequeno, mas, feroz grupo.

Para a doutora em antropologia social pela Uncamp, Fabiane Vinente, a situação é preocupante, pois revela um traço a ser levado em consideração. “Esse discurso e prática radical, é algo assustador e preocupa, porque me parece que 30% da população apoia isso e de fato, 30% é um número expressivo, um contingente muito significativo”, traçou.

A antropóloga avaliou que, mesmo aparentemente sendo pequenos, esses grupos radicais, formam uma teia, que se expande pelas redes sociais. “É preciso entender que são grupos com bandeiras fascistas e o fascismo não se faz sozinho”, ponderou.

Vinente apontou a internet, como a maior aliada dos extremistas. “Esses grupos possuem uma estrutura que não surgiu por acaso, muitos são financiados e usam a internet, inclusive, para arrecadar recursos”, informou.

Ela cobrou uma ação mais incisiva do poder público, sobre as articulações no mundo virtual. “E é preciso saber até onde vai a responsabilidade, de quem opera portais como o ‘vakinha virtual’, que muitas vezes é usado para fazer arrecadações para esses grupos”, questionou.

Incentivo

Além de pregar uma narrativa agressiva aos adversários, o discurso radical distorce fatos, para se adequar. Foi o que fez o Ministro da Educação Abrahan Weintraub, ao comparar a operação da Polícia Federal (PF), que confiscou celulares, computadores e tablets, de supostos disseminadores de fake news. Em sua fala Weintraub, disse “será lembrado como a ‘Noite dos Cristais brasileira’”, distorceu.

A fala, enfureceu entidades judaicas, que lançaram nota, criticando a comparação. A Confederação Israelita do Brasil (CONIB), afirmou que “não há comparação possível entre a ‘Noite dos Cristais’ e as ações decorrentes de decisão judicial no inquérito do STF, que investiga fake news no Brasil”, criticou o texto.

O grupo Judeus pela Democracia escreveu que “a ação a mando do STF visa buscar quem financia fake news e evitar novos linchamentos virtuais. A ‘Noite dos Cristais’ não foi virtual, mas, foi o linchamento real de judeus. O objetivo de hoje foi tentar evitar que novas ‘Noites dos Cristais’ aconteçam com outros povos e pessoas”, alinhou a entidade.

Bandeira do ‘Pravii Sector’ (Setor Direito), oganização neo-nazista ucraniana, que voltou a ser estendida em ato pró-Bolsonaro, hoje na Av. Paulista, em São Paulo (Reprodução/Sputnik Brasil)

Bandeira e camisa do Brasil

Segundo Fabiane Vinente, se apropriar, confundir e misturar símbolos e narrativas, faz parte do modus operandi, de grupos e pessoas com posturas extremistas.

“Essas pessoas se apropriam de uma imagem que eles consideram ética e tentam encaixar de alguma forma em sua visão de mundo, mesmo que não caiba, como é o caso da bandeira de Israel, nas manifestações”, exemplifica. “Israel é um Estado Judeu, mas, para o radicalismo brasileiro, passou a ser símbolo da ‘pureza cristã’”, apontou.

“Outro exemplo, é a bandeira do Brasil e a camisa da seleção brasileira de futebol, que hoje passou a ser um símbolo apropriado por essa parcela de pessoas, que para a nossa infelicidade, fazem seu uso distorcido”, lamentou.

Ainda sobre a fala do ministro Weintraub, a antropóloga fez outra consideração. “Apesar de parecer confuso e desproposital, não se engane, essas atitudes possuem uma estratégia, que é alimentar essas pessoas com incentivos”, clareou.

Ainda segundo ela, no Brasil, há uma prática intencional. “Os radicais da extrema direita, contam com o estímulo discursivo do Estado, isso é fato”, acusou Fabiane.

O parlamento fala

O Deputado Estadual Serafim Corrêa (PSB) se posicionou em relação ao tema. O experiente político, fez questão de puxar pela história. “O radicalismo de direita é um equívoco, o fascismo é um equívoco, o nazismo fracassou há 70 anos, não tem porque querer reviver esse fracasso”, acentuou.

Para ele, a via democrática, é a melhor resposta. “Não podemos responder usando as armas deles [radicais], temos que convencer a maioria da população, que está no meio desse fogo cruzado, sem entender”, atestou.

Para Serafim, o Brasil vive uma realidade muito dura. “Estamos em meio a três crises: a crise política, a crise sanitária e a crise econômica e para piorar, a crise política é alimentada pelo Bolsonaro todo dia”, lamentou.

O deputado acredita que a operação da Polícia Federal, de combate à fake News, vai ajudar a clarear. “Acredito que chegaremos aos responsáveis por alimentar esses grupos radicais com falsas informações e até recursos”, declarou confiante.

Frente no congresso

Em entrevista exclusiva à REVISTA CENARIUM, o Deputado Federal Marcelo Ramos (PL), adiantou que durante a semana, estará articulando junto aos deputados Marcelo Freixo (PSOL) Tábata Amaral (PDT), Alessandro Molon (PSB), entre outros, para formar uma ampla frente parlamentar no Congresso Nacional.

“Vamos convocar deputados de direita, de esquerda, enfim, uma ampla formação parlamentar em defesa da democracia”, declarou Marcelo.

Para ele, os grupos extremistas não devem ser tratados como tema de agenda positiva. Advogado por formação, ele falou. “A atuação desses grupos, não é matéria de política, isso é caso de polícia!”, disparou.

Para ele, a população precisa responder com urgência. “Temos que reforçar que os 70% da população que não concordam com esses grupos, não aceitam que eles falem em nome da maioria do povo brasileiro”, sentenciou.

O parlamentar federal, adiantou que um ato será realizado na outra semana, em frente ao Congresso. “Vamos organizar um ato democrático, seguindo claro, as regras de distanciamento social e vamos iniciar uma ofensiva em defesa da democracia”, acrescentou.

O deputado federal Marcelo Ramos está articulando uma ampla frente de parlamentares em prol da democracia. Para ele, grupos como os ‘300 Pelo Brasil’, são caso de polícia. (Reprodução/ Folha-Uol).

Matar o Mostro

Como solução para pôr fim ou minimizar o crescimento das células radicais a antropóloga Fabiane Vinente aponta três caminhos.

“Um: é preciso uma criminalização em massa de quem financia esses grupos”. “Dois: é preciso quebrar a internet dessas organizações”. “Três: cortar a liberdade de expressão para quem prega a morte de outros”, aprofundou.

Para ela, a “minha opinião”, tornou-se uma ferramenta nociva na boca dos extremistas. “Hoje isso virou um jargão, onde a pessoa racista, por exemplo, acha que pode ser racista porque é uma ‘questão de opinião’, isso está errado”, alertou.

“Por mais paradoxal que possa ser, revisito a leitura de Karl Popper (filósofo): ‘você não dá liberdade de expressão para quem prega a sua morte’”, sentenciou.

Questionada sobre os dias que virão, a doutora em antropologia, não soube precisar. “Não sei o que virá, só sei que alguma coisa muito seria está acontecendo”, finalizou.  

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