Especial – À Sombra da 3ª onda?: imunização de indígenas e quilombolas

(Paulo Desana/Amazônia Real)

Caroline Viegas – Da Revista Cenarium

MANAUS – Levantamento feito pela REVISTA CENARIUM no dia 26 de abril aponta que 50% da população indígena da Amazônia Legal recebeu imunização com as duas doses da vacina contra a Covid-19. Dentre os 409.883 indígenas contemplados, de acordo com o Vacinômetro Indígena do Localiza SUS, 233.891 vivem na Amazônia Legal, representando 57% do total. Os dados da região disponibilizados na plataforma informam que 162.080 desses indígenas receberam a primeira dose da vacina, 57% do total, e apenas 118.081 chegaram a receber a segunda, o equivalente a 50%.

Conforme o Localiza SUS, o total de contemplados a receber o imunizante refere-se aos indígenas de 18 anos ou mais cadastrados no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), incluindo-se as especificidades da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 709), em que os povos indígenas cobram no Supremo Tribunal Federal (STF) um plano coordenado pelo Governo Federal para enfrentamento adequado da pandemia entre as populações tradicionais. As comunidades indígenas foram incluídas na primeira fase prioritária do Plano Nacional de Imunização (PNI) contra a Covid-19, sendo asseguradas na Lei 14.021, que garante o direito a medidas de proteção aos povos tradicionais durante a pandemia.

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Fake news e difícil acesso

Entre os desafios da vacinação nos Estados da Amazônia Legal, está uma outra epidemia: a das fake news, que dissemina informações falsas sobre a pandemia. Um incidente em uma comunidade indígena, no início de fevereiro, repercutiu na mídia quando agentes de saúde relataram resistência por causa de conteúdo falso espalhado principalmente por meio do aplicativo WhatsApp.

Um helicóptero da Força Aérea Brasileira carregado de agentes de saúde e doses de vacina contra o novo coronavírus levantou voo em Lábrea, no sul do Amazonas, rumo à terra indígena dos Jamamadi. Mas, ao pousar, às margens do rio Purus, o helicóptero foi recebido por homens e mulheres com arcos e flechas pedindo a retirada da equipe. Os indígenas diziam temer pela própria vida se tomassem a vacina, devido às notícias que receberam via WhatsApp. A aeronave teve de levantar voo com o carregamento de vacinas intacto.

Outra dificuldade é o acesso às localidades. Chegar às comunidades mais extremas em uma época em que deslocamentos estão sendo evitados não é o único desafio. É necessária toda uma logística, como o cuidado para manter as vacinas armazenadas na temperatura correta em uma região de clima quente e úmido. Por isso, as “missões” têm tempo certo para serem cumpridas, considerando o gelo que mantém o imunizante conservado.

Vigilância

Preocupado que o governo estadual e as prefeituras municipais não cumpram a prioridade das comunidades tradicionais extrativistas e ribeirinhas na aplicação da vacina contra a Covid-19, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) tem encaminhado ofícios pedindo ao Ministério Público Federal (MPF) que faça o monitoramento junto aos gestores públicos estaduais e municipais para que cumpram com a obrigação pública de vacinar as pessoas das comunidades extrativistas, dispersas em territórios do Estado do Amazonas. A entidade pede também que o MPF recomende às prefeituras que informem, a cada 15 dias, a quantidade de pessoas das comunidades já vacinadas, com base na agenda municipal de aplicação da vacina da Covid-19.

Em nota conjunta, o MPF e a Defensoria Pública da União (DPU) reforçaram a importância de que toda e qualquer informação ou notícia, no sentido de desacreditar ou contestar a garantia e a segurança das vacinas, compartilhada principalmente por meio de aplicativos de mensagens (WhatsApp, Telegram etc.) e mídias sociais (Facebook, Instagram, Twitter etc.), seja verificada junto aos profissionais da saúde e autoridades responsáveis pela vacinação de indígenas, quilombolas e ribeirinhos, de modo a evitar a propagação de notícias falsas, que têm em muito prejudicado as ações dos serviços de saúde para o enfrentamento do novo coronavírus.

Rondônia à frente

No ranking da imunização, Rondônia é o único Estado da Amazônia Legal que alcança o índice de 70% da população indígena vacinada com as duas doses do imunizante contra a Covid-19. Enquanto isso, o Acre, mesmo com uma das menores populações indígenas, só tem 32% dela vacinada com as duas doses.

Roraima, por sua vez, tem uma discrepância entre o número de vacinados com a primeira (74%) e a segunda dose da vacina (41%). Há uma diferença de 36% entre os números, o que representa uma estagnação na vacinação. O Amazonas, com a maior população indígena convocada a receber a imunização, está na quarta posição no ranking.

Quilombolas e a invisibilidade

A luta da população quilombola frente ao direito pela imunização vem desde dezembro de 2019, quando a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) protocolou, no STF, um pedido para que as comunidades quilombolas fossem incluídas na lista de grupos prioritários que serão vacinados contra a Covid-19.

Após serem incluídas (as comunidades quilombolas) na fase prioritária, já em janeiro, o MPF pediu explicações do então ministro da saúde, Eduardo Pazuello, sobre a efetiva prioridade dispensada pela pasta à população quilombola na imunização contra a Covid-19. O motivo seria que a estimativa de distribuição das doses reservadas para as primeiras etapas da campanha não identificava explicitamente a população quilombola. Desde então, o Conaq vem movendo ações para que, de fato, as comunidades quilombolas tenham acesso ao imunizante, mas outro desafio é a falta de conhecimento sobre o quantitativo populacional.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirma que “embora não haja uma estimativa dessa população, calcula-se que o país possua 5.972 localidades quilombolas”. Os dados são estimativas do Censo 2021, que foram antecipadas para subsidiar o desenvolvimento de políticas, planos e logísticas para enfrentar a Covid-19 junto aos povos tradicionais. Já a Fundação Cultural Palmares, responsável pela certificação quilombola, informa que há 3.467 comunidades quilombolas, destas, 1.294 estão nos Estados da Amazônia Legal.

Vacina

Apesar do registro de comunidades quilombolas existentes no País, a falta de registros mais precisos sobre o quantitativo populacional dificulta a transparência no processo de distribuição e administração das vacinas. O Localiza SUS disponibiliza os dados de doses aplicadas em quilombolas em cada Estado do Brasil, mas não há registros precisos de população contemplada, o que impede o monitoramento.

O que chama atenção nos dados é que somente três Estados da Amazônia Legal têm quilombolas vacinados com a segunda dose da vacina contra a Covid-19. Os outros sete Estados aparecem zerados. Em Roraima, onde a Fundação Palmares alega ter oito comunidades quilombolas, não há registros de vacinados no banco de dados.

De acordo com o banco de dados da Fundação Cultural Palmares, não constam comunidades quilombolas no Estado do Acre, que também não apresenta dados de vacinação de quilombolas no Localiza SUS, por isso, não foi incluído na reportagem.

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