ESPECIAL | Custo Devastação – Povos da Floresta sentem impactos

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – “A floresta está se acabando através dessa grilagem de terra e da invasão dos madeireiros”. O relato da professora Maria*, residente do município de Manicoré, no sul do Amazonas, é suscinto ao explicar o efeito “borboleta” do desmatamento ilegal, que ultrapassa as fronteiras da economia e atinge diretamente a qualidade de vida das comunidades tradicionais. No município amazonense que faz limite com Apuí, Novo Aripuanã e Humaitá, os que mais desmatam no Estado, explorações ilegais de recursos naturais estão transformando a realidade dos manicoreenses.

Na divisa com o Estado de Rondônia, Manicoré tem cerca de 56 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A maioria vive em 102 comunidades rurais que dependem da agricultura, extrativismo e da pesca. De acordo com Maria, os moradores do município sofrem, em especial, com os impactos ambientais e econômicos causados pelas atividades agropecuária e madeireira do vilarejo de Santo Antônio do Matupi.

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“A gente quer que as autoridades tomem uma atitude. Quem é que está fazendo a abertura dessas estradas? Quem está extraindo a madeira de Manicoré?”, Maria, professora, moradora de Manicoré.

“Primeiro é a madeira retirada ilegalmente. Eles apresentam planos de manejo que não são autorizados pelos órgãos competentes. Futuramente, não vai ter mais madeira. Outra coisa é a questão da caça predatória, muitos caçadores vão para as áreas das sete cachoeiras. Tem caçador que pega 80 pacas para vender”, contou Maria.

“Terra sem homens”

Nas décadas de 1960 e 1970, rodovias criadas no sul do Amazonas a partir das políticas de integração da Ditadura Militar levaram colonos à localidade. O suposto “vazio demográfico” da região Amazônica foi usado como argumento para a ocupação das terras.

Matupi nasceu de um projeto de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Com o tempo, a localidade, no quilômetro 180 da BR 230 (Transamazônica), se estabeleceu e é hoje apontada pelos moradores do município como a principal responsável pela onda crescente dos números da exploração de madeira e caça na região. As principais atividades econômicas do distrito são a produção de derivados do leite, gado de corte, extração de madeira manejada e comércio.

Maria ainda contou mais detalhes sobre a exploração de recursos, como a pesca. O estrago de grandes quantidades de peixes é prática comum na região e os ribeirinhos, que dependem do recurso para sobreviver, sentem a perda. “Quando chega na fartura do peixe, os peixeiros pegam os peixes, tiram os peixes grandes e os menores eles estragam. Jogam dentro d’água na frente da cidade de Manicoré. Depois, quando precisar desse peixe para alimentar a população e para vender, não vai ter”, lembrou a moradora de Manicoré.

Estradas

Em linha reta, a distância entre o município de Manicoré e Matupi é de 268,56 quilômetros, porém nesse espaço há terras indígenas e reservas extrativistas, o que impossibilitaria, legalmente falando, a abertura de estradas entre a sede do município e o distrito. No entanto, os moradores relatam a invasão de áreas protegidas para a abertura de passagem. “Esses tempos agora a gente vê muita estrada abrindo no Rio Manicoré, sem licenciamento do governo, sem licenciamento ambiental”, pontuou Maria.

Ameaças

Diante do cenário em que os comunitários de Manicoré veem as riquezas naturais se esvaindo, foi criado um movimento para a criação de uma Unidade de Conservação (UC) em Manicoré. A suspeita é que haja uma articulação entre os grileiros e os donos de fazenda com o poder público. Maria, que faz parte da mobilização, já recebeu ameaças de morte, mas disse que continuará reivindicando os direitos em prol da conservação ambiental. Ela também cobrou as autoridades competentes.

“A gente quer que as autoridades tomem uma atitude. Quem é que está fazendo a abertura dessas estradas? Quem está extraindo a madeira de Manicoré? Durante a semana, saem duas a três balsas do Rio Manicoré e não tem fiscalização. O povo está ficando sem essas matérias-primas”, pediu ainda.

*Nome fictício criado para proteger a identidade da personagem, por questões de segurança.*

O vilarejo de Santo Antônio do Matupi fica em Manicoré, que faz limite com Apuí, Novo Aripuanã e Humaitá, municípios que mais desmatam no Amazonas (Reprodução/Facebook)
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