ESPECIAL | Eles fizeram a Amazônia de cobaia – ‘Estamos sendo feitos de cobaias’

A reportagem da REVISTA CENARIUM esteve em uma UPA 24h como paciente e ouviu de uma médica que poderia receber o “Kit Covid”, após exame (Iury Lima/Cenarium)

Iury Lima – Da Revista Cenarium

PORTO VELHO – A capital de Rondônia, Porto Velho, é mais uma das grandes cidades da Amazônia que aderiu ao tratamento precoce para a Covid-19. Em maio deste ano, a publicitária Magali Guimarães, de 36 anos, teve sintomas semelhantes aos causados pelo novo coronavírus e procurou uma unidade de saúde da cidade onde mora. Antes mesmo do resultado de um exame, recebeu receita e comprimidos de ivermectina, azitromicina e paracetamol, alguns dos medicamentos do “Kit Covid”.

Magali foi atendida na Unidade de Saúde da Família (USF) Pedacinho de Chão, no bairro Embratel. A instituição é um dos 39 pontos de Atenção Básica de Saúde funcionando paralelamente a outros 12 postos considerados como locais de apoio na capital rondoniense. A publicitária conta que não fez uso de nenhuma das substâncias prescritas, preferindo apostar na ingestão de vitaminas diárias e na adoção de demais cuidados contra a gripe – o que realmente tinha naquele momento. O resultado do teste de Covid-19 deu negativo.

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Magali afirma que ficou surpresa ao receber a prescrição para o tratamento precoce da doença mesmo antes de haver certeza se estava ou não contaminada. “Relatei à médica sobre meus sintomas gripais e ela já me encaminhou para pegar os remédios e fazer o exame. Recebi os medicamentos sem ter a certeza se estava ou não positivada”, disse.

A publicitária Magali Guimarães, recebeu azitromicina e ivermectina na rede pública de saúde de Porto Velho, mesmo sem confirmação por exame de Covid-19 (Acervo Pessoal)

A publicitária ressalta a preocupação de que a população esteja sendo usada como experimento, sem dar consentimento para tal. “Eu acho que estamos sendo feitos de cobaias e que esses remédios são mais para aliviar a mente do que a Covid-19, porque a pessoa toma achando que vai melhorar, mas nenhum desses medicamentos que eu relatei tem comprovação científica e isso acaba agredindo e sobrecarregando o nosso organismo, que metaboliza uma medicação sem ter a necessidade do uso”, analisou.

Magali destaca que é preciso lembrar que ainda existem outras doenças. “Gripe ainda existe. O resfriado ainda existe. Viroses ainda existem. Mas, se for para tratar tudo precocemente com remédios ineficazes, além de maltratar o organismo, é um desperdício de dinheiro público, e quem ganha mais e mais é a indústria farmacêutica”, destacou ela.

“Houve, sim, aquisição de tais medicamentos, deixando a cargo de cada profissional prescrever ou não”, Marilene Penati, secretária adjunta de Saúde de Porto Velho.

Desorganização

Percorrendo Unidades Básicas de Saúde (UBSs) de Porto Velho, entre os dias 22 e 23 de julho, na condição de paciente com suspeita de Covid-19, a fim de verificar a entrega de “Kits Covid”, a reportagem da CENARIUM enfrentou um longo jogo de resistência e paciência.

Apesar de a Secretaria Municipal de Saúde (Semusa) alegar que todas as unidades atendem a cidadãos que podem estar carregando o vírus, basta chegar a uma delas para ser encaminhado para outra e mais outra, além de lidar com a falta de comunicação interna e informações inconsistentes.

(Acervo Pessoal)

Passando por unidades tidas como referência no atendimento à Covid-19 e até esbarrando na limitação para fazer teste rápido, a reportagem só conseguiu dar entrada na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) 24 Horas da Zona Sul, onde, com sorte, poderia se conseguir o teste, mesmo ao chegar de “surpresa”, devido à prioridade para o agendamento prévio por telefone.

Finalizada a triagem, foram mais três horas até a avaliação médica e solicitação de exame. Ainda durante o atendimento, a médica que estava no local decidiu por prescrever uma injeção de penicilina G. Benzatina (benzetacil), medicamento recomendado para tratar os sintomas relatados, como febre, dor de cabeça e fadiga – outra prescrição de utilidade duvidosa.

Questionada sobre a possibilidade de disponibilizar outros medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina, a médica demonstrou desconfiança e rebateu, reforçando indagações sobre dados pessoais e o motivo da visita a Porto Velho. Por fim, após um cochicho com uma colega de trabalho, informou que poderia receitar o “Kit Covid” a depender do resultado do exame. O teste para Covid-19 deu negativo e a profissional foi procurada em seu consultório novamente, mas este estava vazio. No setor de Farmácia, ao lado, uma servidora informou não saber se a médica ainda se encontrava na unidade de saúde.

89A atitude da médica condiz com a justificativa da secretária adjunta de Saúde do município, Marilene Penati, que admitiu a compra de medicamentos do “Kit Covid”, mas jogou a responsabilidade para quem atende na linha de frente. “Houve, sim, aquisição de tais medicamentos, deixando a cargo de cada profissional prescrever ou não. Portanto, seguimos as recomendações científicas. Mas, cada profissional responde pelo seu registro e pode sim prescrever. Porém, não há determinação nem protocolo para tal”, explicou. A capital Porto Velho é a cidade do Estado de Rondônia que mais concentra casos da Covid-19, estando prestes a ultrapassar o acumulado de 90 mil diagnósticos.

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