ESPECIAL | Eles fizeram a Amazônia de cobaia – Milhões em comprimidos

Unidades de saúde de Porto Velho seguem receitando medicamentos do “Kit Covid” (Prefeitura de Porto Velho)

Iury Lima – Da Revista Cenarium

PORTO VELHO – A prefeitura de Porto Velho realizou, apenas em 2020, pelo menos duas compras milionárias de azitromicina e ivermectina, medicamentos que fazem parte do “Kit Covid”, com o objetivo de “abastecer a Secretaria Municipal de Saúde (Semusa) no enfrentamento da pandemia”. A compra de um total de 726 mil comprimidos custou R$ 4.832.200,00, valor que foi gasto entre julho e outubro, de acordo com os dados, editais de pregões eletrônicos e outros anexos do Portal da Transparência.

Este, porém, não foi o único caminho para facilitar a distribuição de remédios sem comprovação científica contra a Covid-19 para a população da cidade, uma vez que o governo de Rondônia, também no primeiro ano da pandemia, ostentou com orgulho o feito de ter realizado a entrega das mesmas drogas para os 52 municípios, recomendando a utilização dos medicamentos em todas as unidades de saúde, incluindo hospitais de referência, internação e tratamento para infectados pelo vírus.

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Discurso contraditório

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, o prefeito de Porto Velho, Hildon Chaves (PSDB), negou que o município tenha admitido a prescrição dos medicamentos do “Kit Covid”, “justamente por não ter comprovação científica”, mas culpou médicos pelo feito, assim como fez a Semusa. “Sabemos que houve, em todo o Brasil, incentivo sobre o uso desses medicamentos. Mas, em Porto Velho, não houve qualquer determinação para que a medicação fosse adotada, ficando a prescrição sob decisão de cada profissional de saúde”, afirmou.

Sobre a aquisição dos medicamentos, o prefeito alegou que os estoques são mantidos apenas para tratar daqueles pacientes cujo tratamento de outras enfermidades já exigiam tal aplicação, mesmo antes da pandemia e que a prefeitura segue obedecendo à recomendação do Ministério da Saúde (MS) de restringir a compra emergencial dos remédios do “Kit Covid” para o combate à doença.

Mesmo admitindo que houve distribuição dos kits, Chaves apresentou um discurso totalmente oposto à vista grossa que ocorre quanto à liberdade de prescrever o tratamento precoce concedida a profissionais de saúde lotados em UBSs.

“Uma situação de emergência sanitária, como essa trazida pela pandemia do novo coronavírus, deve ser tratada em conformidade com as descobertas científicas, não pode ser baseada em crenças individuais. Negar o perigo da doença, ou querer acreditar em tratamento cuja eficácia não tenha comprovação, confunde a população e atrapalha o processo de imunização”, declarou.

“O Brasil sempre foi referência mundial em vacinação e hoje, infelizmente, uma parte da população passou a ter medo de tomar a vacina contra a Covid-19, mesmo sabendo que a doença já matou mais de meio milhão de brasileiros”, continuou o prefeito.

“Em Porto Velho, não houve qualquer determinação para que a medicação fosse adotada, ficando a prescrição sob decisão de cada profissional de saúde”, Hildon Chaves, prefeito de Porto Velho.

No mesmo tom de Hildon Chaves, a Semusa também reforçou que não determinou que os profissionais prescrevessem o “Kit Covid”, “nem a testados positivo e nem a assintomáticos”. “Desde o início da pandemia, houve um apelo muito grande referente ao tratamento precoce para os casos de Covid-19, mas é um tratamento off label, não tem comprovação”, respondeu a secretaria à reportagem. “Durante a pandemia, houve autorização para aquisição de um quantitativo maior, tanto de azitromicina quanto de ivermectina, esta última ainda custeada pelo Ministério da Saúde”, complementou.

Irresponsáveis incentivos

Em maio de 2020, o governo de Rondônia criou o fluxo de distribuição de cloroquina por meio das Regionais de Saúde, em municípios estratégicos para viabilizar a distribuição massiva às demais cidades. Um movimento que a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) passou a intensificar a partir do mês seguinte, disponibilizando também a azitromicina para o tratamento de pacientes graves da Covid-19 hospitalizados.

A secretaria também entregou kits para o tratamento precoce, de casos leves ou moderados, até mesmo em ações de testagem em massa, no sistema drive-thru. Os coquetéis saíam das mãos do governador Marcos Rocha (sem partido) e do secretário estadual de Saúde, Fernando Máximo, nessas ações, direto para o acesso da população.

Fernando Máximo, por exemplo, chegou a ser diagnosticado com hepatite medicamentosa, em agosto de 2020, o que o governo considerou como “complicações da Covid-19” e não como um problema causado pelo “tratamento” contra a doença, depois que o secretário ficou em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Em Vilhena, no interior do Estado, o prefeito Eduardo Tsuru (PV), conhecido por todos como Eduardo Japonês, anunciou, por meio das redes sociais, em 30 de junho do ano passado, a criação do protocolo municipal de entrega de remédios para tratar as pessoas com suspeita ou confirmadas para o novo coronavírus. A decisão não foi por acaso. Japonês estava deslumbrado após ter se recuperado da Covid-19, utilizando o conjunto de remédios sem eficácia comprovada.

Até hoje, basta chegar a uma Unidade Básica de Saúde de Vilhena para conseguir, no mínimo, um dos itens do “Kit Covid”, mesmo sem resultado de exame. É preciso apenas apresentar sintomas causados pelo novo coronavírus, como revelou uma fonte que passou pelo sistema público de saúde e recebeu ivermectina para combater febre, falta de ar, cefaleia e diarreia. A fonte preferiu não se identificar.

Procurados pela REVISTA CENARIUM, o governo de Rondônia e a prefeitura de Vilhena não se manifestaram sobre a distribuição do “Kit Covid” no município.

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