ESPECIAL | Eles fizeram a Amazônia de cobaia – Politização da pandemia

A CPI da Covid-19 no Senado tem sido palco de intensos embates políticos (Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Cassandra Castro – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA – O Brasil enfrenta duas pandemias, uma é a do novo coronavírus e a outra é a da politização do enfrentamento à crise sanitária. A primeira tem levado a colapsos no sistema de saúde e a centenas de milhares de mortes. A segunda passa pela disputa política, eleitoral e ideológica entre governantes que, em vez de atuarem em prol do bem-estar coletivo, se dedicam-se a buscar mais poder para si mesmos. Para analistas ouvidos pela CENARIUM, o cenário político no País resulta em desorganização e retarda medidas que podem proteger a população.

Para o cientista político e jornalista, Tiago Monteiro Tavares, as divergências surgidas entre prefeitos, governadores e o Executivo federal só pioraram a situação e retardaram as providências de combate à Covid-19. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que governos e prefeituras têm autonomia para agir, estava declarada uma disputa política e ideológica com o governo federal. “O presidente Jair Bolsonaro tomou isso (a decisão do STF) como desculpa para jogar no colo de prefeitos e governadores a responsabilidade e alegou que não podia fazer mais nada”, disse.

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“Esta é uma polarização burra que apequena o País”, Thiago Monteiro Tavares, cientista político e jornalista.

Sociólogo e cientista político, Antônio Flávio Testa (Acervo Pessoal)

Na visão do especialista, este cenário esquenta a disputa eleitoral porque todos os prefeitos e governadores estão aptos a se candidatarem em 2022. Para ele, durante a pandemia foi dado um foco maior às gestões municipais e estaduais devido à movimentação em busca de equipamentos, montagem de hospitais de campanha e estrutura para vacinação. As pessoas passaram a observar mais a postura dos chefes do Executivo local, estadual e federal. “Isso também gerou um despertar, uma consciência política um pouco maior das consequências do voto”, afirmou.

Tiago Tavares também chama a atenção para outro detalhe: um quadro político atual tumultuado agrava, ainda mais, a situação de enfrentamento à pandemia porque acaba tirando o foco do que realmente é de interesse da coletividade: geração de emprego e imunização da população. Em meio à aprovação do Fundo Eleitoral de quase R$ 6 bilhões e à negociação de cargos entre membros do bloco de partidos conhecido como Centrão, ele acredita que o presidente Bolsonaro resolveu “entregar o resto do governo inteiro ao Centrão para tentar sobreviver. O Centrão vai tentar se aproveitar ao máximo do caixa público e dos cargos que pode ocupar. Toda essa movimentação vai deixar as pessoas ainda mais horrorizadas com este gasto imenso na política e diminuição de recursos com a pandemia”, enfatiza.

O cientista político afirma que todo este contexto pode trazer uma oportunidade de transição referente ao modo de votar do brasileiro. “Temos um enraizamento cultural do chamado voto de cabresto, o voto vendido, mas as pessoas estão, aos poucos, questionando ideias e exercendo o chamado voto de opinião, volátil. Es tipo de voto vai ter um peso ainda maior, o do chamado eleitor decisivo”, explica.

Mas, Tiago Tavares faz um alerta preocupante sobre o que acredita ser um efeito nefasto gerado pela polarização política da pandemia. “A polarização política é muito ruim, a briga entre petistas e bolsonaristas pode ter consequências terríveis, pode ser a eleição mais sangrenta da história”. O cientista político acredita que antes só havia a polarização de ideias, de valores, mas, agora, o nível da “briga” desceu muito. Outro ponto é que a imagem do Brasil no exterior ficará, ainda mais, arranhada. “Esta é uma polarização burra que apequena o País”, enfatiza.

Jogo de interesses

O sociólogo e cientista político Antonio Flávio Testa vê no atual cenário da pandemia no Brasil muitos interesses em jogo que não são necessariamente os ligados à saúde e ao bem-estar da população. “O Brasil investiu muito dinheiro na construção de hospitais de campanha, compra de equipamentos, vacinas, mas também houve muito desvio de recursos”, afirma. Na opinião dele, a CPI da pandemia foi criada mais para fazer uma perseguição ao presidente e impediu que houvesse a investigação do Consórcio Nordeste que inclui denúncias muito grandes envolvendo nove governadores, por exemplo.

“Há, de fato, uma politização exagerada em torno da CPI e a questão da pandemia”, Antonio Flávio Testa, sociólogo e cientista político.

Antonio Flávio Testa, sociólogo e cientista político (Acervo Pessoal)

“Há, de fato, uma politização exagerada em torno da CPI e a questão da pandemia. Não só da discussão inicial do tratamento precoce, uso da cloroquina, por trás disso, numa análise bem fria, é uma disputa de mercado, compra dos respiradores, empresas que não entregaram as compras e receberam adiantado”, reflete.

O especialista também vê a CPI como um grande palanque em ano pré-eleitoral. “Já se sabe que tem, pelo menos, sete senadores que são candidatos à reeleição e aos governos estaduais”. Ele também acha que a Comissão Parlamentar de Inquérito tem que investigar e não “brigar e humilhar as pessoas”, afirma.

Enquanto na esfera política as preocupações com a pandemia giram em torno da visibilidade e dos dividendos eleitorais, o lado social está, cada dia mais, dramático. “São quase 30 milhões de pessoas desempregadas, desocupadas e 19 milhões passando fome, com base no mapa da fome publicado no final de abril. A inflação cada vez maior e a ajuda do governo menor”, revela o sociólogo.

Ele prevê um cenário muito difícil que deve começar no final deste ano. “Acredito que o governo federal deveria começar a se preocupar com as sequelas da pandemia, os traumas psicológicos, que têm impacto negativo na economia. A vacinação começou a avançar no País, mas foi uma disputa política, de interesses, entre os grandes laboratórios”, afirma.

Antonio Testa avalia, ainda, que muitas pessoas proeminentes usaram a pandemia para se promover. “O governador de São Paulo, João Dória, tentou se ‘cacifar’ como o “pai da vacina” e, ao invés de orientar a população, gerou ainda mais pânico, o chamado efeito perverso”, analisa.

De acordo com o especialista, mais pandemias virão e os governos vão ter que se preparar para enfrentar novas variantes. “O Brasil tem que se manter em estado de alerta e o governo tem que botar dinheiro para poder fabricar mais vacinas, construir hospitais mais modernos, equipamentos”, diz. Antonio Testa relembrou a época em que o Brasil conseguiu virar referência mundial no tratamento da Aids, uma prova de que o País é capaz de realizar avanços para conseguir garantir mais proteção a todos.

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