Especial Mamirauá – ‘Nós temos medo é de vir uma grande seca, como os antigos falam’, diz pescador

Os ribeirinhos detalham sobre o fenômeno da estiagem após a cheia histórica no Amazonas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

SÍTIO FORTALEZA (UARINI-AM) – Sobre as águas barrentas do rio Solimões, numa lancha com motor de popa, estava João Macário Xavier, o “Jó”, de 28 anos, numa prosa animada com o tema “Os impactos da cheia e o que isso representa para os ribeirinhos da zona rural do região de Uarini”, município amazonense distante 733 quilômetros da capital Manaus. Agricultor e pescador, Jó teme exatamente o inverso que está ocorrendo em todo o Estado: a seca.

“Os mais antigos falam, que, quando tem uma cheia desse tanto, é porque pode vir uma grande seca também. Não sei se pode ser assim de novo ou não, mas é o que dizem por aí”, declara o pescador. O uarinense. carrega no rosto as expressões fortes marcadas pelos anos de pescaria. Tem o físico forte e o corpo bronzeado pelo mormaço do sol, resultado da pesca diária das mais variadas espécies de peixes tradicionais do Solimões.

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Jó lembra, em 2020, que a alagação foi “pequena, mas a seca foi grande”. À época, a Prefeitura de Tefé (a 522 quilômetros de Manaus) chegou a decretar “situação de emergência” por conta do fenômeno da estiagem, que provocou o isolamento social de 97 comunidades da zona rural da cidade.

Mudança

Nos ombros, o pescador Jó carrega consigo a tarrafa que usa para trabalhar e sobreviver. Junto com a mulher Mirciele Martinele, de 24 anos, e as filhas de 2 anos e 6 anos, ele precisou sair da própria casa de três cômodos por conta da cheia. A residência dele fica às margens do rio e a subida da água inundou o terreno dele, fazendo com que o pescador precisasse se mudar no mês de maio deste ano.

Desde então, Jó, Mirciele e a filha vivem num flutuante também de três cômodos localizado cerca de 100 metros da casa deles, dividindo espaço com outra família. O local de madeira pertence a uma associação de moradores do sítio Fortaleza e tem a energia movida a motor, que não é usado todas as horas do dia para economizar. Com o preço do diesel saindo a R$ 5 em Uarini, acaba ficando caro abastecer o gerador de luz, por isso, o motor só é ligado ao entardecer.

Na casa de Jó, a água toma conta do lugar (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Na última quinta-feira, 1º, o pescador contou à CENARIUM que nesta época do ano a fartura do peixe é grande, mas que ele e a família estão preferindo comer os da espécie Pacu. “Pesco Curimatã, Sardinha, mas no momento estamos preferindo o Pacu. Assamos, cozinhamos, fritamos e comemos”, revelou.

A subida da água mudou os hábitos dos moradores. Segundo Marcicleudo Martins, vizinho de Jó, que mora no sítio Fortaleza junto com a família e os filhos, a enchente deste ano não é a maior ainda. “A maior foi lá por 2015 e 2012”, destacou.

Marcicleudo é professor de matemática para alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, mas também vive da pesca. Ele tem uma vaca que fica num terreno mais em cima, na casa da família. Já no sítio Fortaleza, o educador e pescador cuida de patos e galinhas, que convivem e fazem a alegria das crianças.

Marcicleudo e a família vivem no sítio Fortaleza, região de Uarini (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Segundo Marcileudo, já ocorreu de um dos animais sumirem, possivelmente, por conta do surgimento de cobras. Por isso, os bichos vivem num lugar protegido por arame que, durante a noite, é embrulhado por um manto de plástico.

Quando crescidos e fortes o suficiente, os animais servem de comida para a família. Enquanto isso, o principal alimento continua sendo o peixe, que são tratados pelos próprios filhos que desde pequenos já aprendem a preparar a refeição.

Crença

Alcione Meireles Rodrigues, de 45 anos, é líder comunitário da comunidade Nossa Senhora de Fátima. Ele trabalha como agricultor e produtor de farinha de mandioca na região. O trabalhador conta que, em época de cheia, é tempo dos peixes grandes, fartos e gordos.

Segundo ele, acredita-se que a subida da água surge para os peixes como oportunidade para comer bastante, dessa forma eles podem “aguentar” e sobreviver a temida seca.

“Conta-se por aí que, quando o rio sobe muito, os peixes comem bastante para ficarem fortes, pois quando chega a época da vazante, eles conseguem sobreviver o tempo de seca”, salientou Alcimar.

O líder comunitário também fala, com um olhar misterioso, que é esperado um período de seca para a região, mas que deve ser tão impactante quanto a cheia.

Sítio Fortaleza

O Sítio Fortaleza fica localizado dentro da Unidade de Conservação Sustentável Mamirauá, às margens do rio Solimões. O local foi fundado pela família Martins.

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