Especial – Tragédia Yanomami

É um genocídio que mata pela bala, pela fome, pelo mercúrio, pela perda das matas e rios, pela morte da tradição (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Alessandra Leite – Da Revista Cenarium

MANAUS – Um dos maiores povos indígenas, os Yanomami, habitantes das florestas e montanhas do norte do Brasil e sul da Venezuela, vivem a repetição de tragédias humanitárias do passado. Foram colocados em situação de abandono pela omissão do governo federal, que permite a invasão do garimpo ilegal de ouro e nega direitos básicos, como saneamento e acesso a água potável e a saúde. É um genocídio que mata pela bala, pela fome, pelo mercúrio, pela perda das matas e rios, pela morte da tradição.

A histórica exclusão social a que são submetidos esses povos causa uma espécie de favelização das mais de 360 aldeias espalhadas pela Terra Indígena Yanomami, em que, diante da negligência do governo federal, muitos indígenas acabam sendo cooptados por garimpeiros, em troca de alimento, energia elétrica, combustível, dinheiro em forma de ouro, entre outras promessas de supostos benefícios.

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Como ocorre nas favelas do Rio de Janeiro, onde o tráfico de drogas coopta pela promessa de “riqueza fácil” e cria um estado paralelo, com regras próprias, indígenas acabam seduzidos pelo garimpo, do mesmo modo que jovens e adolescentes das periferias passam para o lado do crime. Cria-se, assim, não só uma invasão de território, mas também inimigos dentro das próprias comunidades. Os conflitos são internos e externos.

A esse cenário de invasão soma-se, ainda, segundo o médico especialista em Saúde Indígena da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Cesar Basta, uma devastação gigantesca das espécies nativas da fauna e da flora, e um consequente escasseamento das fontes alimentares orgânicas. “Muitos homens, jovens principalmente, são cooptados pelos garimpos. São retirados de suas próprias comunidades, deixam de cuidar do sustento da casa, o que acentua o problema da desnutrição, divide a comunidade e incita a escalada da violência entre eles”, adverte o pesquisador.

“Muitos homens, jovens principalmente, são cooptados pelos garimpos. Isso divide a comunidade e incita a escalada de violência entre eles”, Paulo Basta, médico especialista em Saúde Indígena da Fiocruz.

Paulo Basta, médico especialista em Saúde Indígena da Fiocruz (Acervo Pessoal)

Com a abertura das clareiras em busca do ouro e a utilização de maquinário pesado para a abertura de passagens, ocorre, ainda, o desmatamento, o que faz com que as caças fiquem raras. Para o especialista da Fiocruz, a situação só se agrava. “Peixes morrem, não tem mais cogumelo, porque o trator passou por cima. Ocorre um escasseamento das fontes de alimentos”, complementa. Abre-se espaço para o consumo de produtos industrializados levados pelo contato com a sociedade não-indígena.

Crime organizado

Com a presença do crime organizado desponta todo o tipo de violência. Onde o Estado se omite, o crime domina.

“Nós temos um quadro de abandono por parte do Estado, ao longo dos anos. E, muito disso, deve-se a toda uma conjuntura criada após a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde, por muitos anos, houve conflitos com arrozeiros na região. Todas essas situações contribuíram para o agravamento do atual cenário nessas terras”, afirma a professora de Direito da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e líder do Grupo de Pesquisa Diterra – Direito, Território & Amazônia, Neiva Araújo, ao analisar o caso específico de Roraima.

“Nós temos um quadro de abandono por parte do Estado, ao longo dos anos”, Neiva Araújo, professora de Direito da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e líder do Grupo de Pesquisa Diterra – Direito, Território & Amazônia

Neiva Araújo, professora de Direito da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e líder do Grupo de Pesquisa Diterra – Direito, Território & Amazônia (Acervo Pessoal)

Neiva Araújo destaca o processo de enfraquecimento das instituições ambientais como uma das causas que, segundo ela, deixam os invasores “muito à vontade para questionar o papel do Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e da Polícia Federal no Pará”, para citar um exemplo trazido pela especialista. “Isso demonstra a importância de nós termos instituições fortes. Soma-se a essa crise de enfraquecimento institucional, a não presença do Estado com a oferta de serviços básicos essenciais. Nós temos um espaço totalmente favorável para a presença do crime organizado”, advertiu.

É esse complexo emaranhado de causas e efeitos que a REVISTA CENARIUM traz para esta reportagem, partindo dos recentes ataques de garimpeiros à comunidade Yanomami Palimiú, em Roraima, para as raízes de um processo profundo que relega aos indígenas condição vulnerável e culmina em devastação.

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