ESPECIAL | Zona Franca de Manaus é responsável por repassar R$ 15 bi à União

O modelo Zona Franca de Manaus atrai gigantes dos eletroeletrônicos, como a Samsung (Ricardo Oliveira)

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O Amazonas, onde está localizada a Zona Franca de Manaus (ZFM), foi responsável por 48,71% da arrecadação federal da 2ª Região Fiscal da Receita Federal do Brasil, em 2021 — formada, ainda, pelos Estados do Acre, Amapá, Pará, Roraima e Rondônia. A porcentagem equivale a mais de R$ 15 bilhões. Apesar do valor bilionário, o governo federal se refere ao modelo econômico como “paraíso fiscal”.  Soma-se ao valor econômico, a contribuição ambiental, pois, segundo informações da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), o modelo é responsável pela preservação de 98% da floresta Amazônica no Estado.

Desde fevereiro deste ano, as indústrias do Polo Industrial de Manaus (PIM) e da ZFM foram “bombardeadas” com decretos que ameaçam reduzir a competitividade do modelo. O Decreto n.º 11.052/2022 zerou a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para processos de bebidas não alcoólicas, enquanto o Decreto n.° 11.055/2022 ampliou a redução da alíquota de IPI para 35% em todo o País para produtos como eletroeletrônicos, causando desvantagem competitiva para o que é produzido no Amazonas.

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Em resposta, o Governo do Amazonas e a bancada federal do Estado ingressaram com uma série de medidas judiciais para tentar reverter os efeitos dos decretos nocivos para a ZFM. O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar favorável à suspensão dos decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), mas a União tentou recorrer. Em um dos recursos, a Advocacia-Geral da União (AGU) se referiu ao modelo econômico como “paraíso fiscal”. 

“Afinal, a Zona Franca de Manaus não é um ‘paraíso fiscal’ soberano, imune ao contexto econômico-fiscal do restante do Brasil, mas um regime jurídico de desoneração integrado a uma Federação, que, sob a Constituição de 1988, possui diversos projetos de justiça e de desenvolvimento”, diz um trecho do recurso. 

O termo “paraíso fiscal” é comumente utilizado para se referir a países que possuem condições favoráveis para a instalação de empresas. A Receita Federal os classifica como países ou dependências com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados, assim como de “pouca transparência sobre informações de empresas lá domiciliadas”. 

Não é o caso da ZFM, de acordo com o economista e membro do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon/AM) Inaldo Seixas, que afirma não haver fundamento na classificação do modelo como um “paraíso fiscal”, já que se trata de uma área criada visando ao desenvolvimento econômico do Norte e da Amazônia. 

“A Zona Franca é uma área decidida como de integração econômica e política, de uma região que está distante do centro consumidor e de decisões políticas, e você, dificilmente, iria desenvolver essa zona, se não tivesse uma política pública incentivando que tenha uma maior atividade econômica na região para gerar emprego, renda, arrecadação e, com isso, gerar desenvolvimento econômico”, ressalta ele. 

Arrecadação X recursos transferidos     

Os dados referentes à arrecadação são da Receita Federal do Brasil e do Tesouro Nacional Transparente, compilados pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam). O total arrecadado pelo governo federal, na região, foi de R$ 31,4 bilhões.

Em contraponto, o Estado recebeu em repasses obrigatórios do governo federal “apenas” R$ 4,7 bilhões. Na diferença entre a arrecadação da União com a ZFM de R$ 15 bilhões e o repasse ao Amazonas, de R$ 4,7 bilhões, o valor “limpo”, foi de R$ 10,5 bilhões, no ano passado. No Estado, setores como educação, turismo e até mesmo ensino superior dependem do faturamento do modelo econômico, que sofre com a insegurança jurídica.

“Um aspecto positivo é que nós arrecadamos bastante para o governo federal e recebemos poucos investimentos. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), Fundo Perpétuo de Educação (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Sistema Único de Saúde (SUS), infraestrutura etc. são obrigatórios e estão estimados em R$ 4,7 bilhões, mas aí a arrecadação dos impostos federais gera uma arrecadação de R$ 15 bilhões”, explica Seixas.

Renúncia Fiscal 

Os dados mostram ainda quanto a Receita Federal estima que o País deixa de arrecadar com os incentivos fiscais da ZFM: são R$ 26 bilhões, proporcional a 8%. No entanto, outras regiões do País, como a Região Sudeste, deixam de repassar ao governo federal o montante de R$ 166,74 bilhões, ou seja, 51,20% de renúncia fiscal.

Périco enfatiza o absurdo de discursos que acusam a ZFM de renúncia fiscal e afirma que o conceito “não cabe” à região. “O conceito de renúncia fiscal não cabe para o modelo porque isso é quando você tem um imposto sendo praticado em uma região, em uma atividade e o governo resolve reduzir a cobrança desse imposto ou eliminá-lo. A ZFM, quando foi colocada na Constituição, já previa que não teria cobrança de imposto. Ou seja, o governo federal nunca teve arrecadação dessa atividade nessa região”, explica.

“Isso aí representa 8% da renúncia fiscal do País, 11% vêm da Região Norte e em torno de 50% da Região Sudeste. Então, onde é que deveriam estar olhando se querem reduzir a renúncia fiscal?”, questiona ele. 

Existência condicionada

O economista Inaldo Seixas reforça que a existência da Zona Franca só é possível pela isenção e redução dos impostos, considerando a distância do polo em relação às outras regiões do País fica mais atrativo para as indústrias terem alguns benefícios permanecendo na ZFM.

“Ela só existe porque tem a expectativa de fazer a isenção. Dizem que é injusto com o resto do Brasil, gasta muito. Aí ele pode tirar [os gastos tributários], mas as empresas vão embora, então não existiria nem essa arrecadação que ele [o governo federal] diz que está perdendo. Tudo bem que é um gasto, mas é para atrair investimentos que não existiriam de outra forma”, completa. 

O economista explica ainda que, em 2021, ocorreram gastos tributários, com outros setores, maiores do que com a ZFM, como é o caso do Simples Nacional, que “levou” mais de R$ 71 bilhões dos gastos tributários. “Não é para se ‘rasgar as mangas’, nós não estamos só recebendo favores do governo federal, nós estamos arrecadando também”, lembrou ele. 

“Aqui, na Zona Franca, você mantém a alíquota, as empresas têm a isenção, ou seja, esse imposto não vai no custo do produto para o consumidor e gera emprego no Brasil. Se o governo fala em fomentar a atividade industrial no Brasil, com a redução de imposto, e quando ele reduz também do importado, esse produto compete também com o produto nacional. E a gente está falando de multinacionais instaladas no Brasil. As empresas vão fazer contas, se vale a pena continuar produzindo aqui ou se tem a possibilidade de atender o mercado brasileiro exportando para cá”, conclui o presidente do Cieam, Wilson Périco*.    

Desigualdades regionais

A Zona Franca de Manaus foi criada por meio de um decreto do governo federal, em 1967, para fortalecer uma base econômica na região amazônica e reduzir as desigualdades regionais. É uma área “estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância que se encontram os centros consumidores de seus produtos”, diz o texto do decreto que criou a ZFM. A região é responsável por 500 mil empregos diretos e indiretos, de acordo com o  Cieam.

As indústrias instaladas no Polo Industrial são isentas de pagar IPI e recebem redução no Imposto de Importação (II) e até mesmo Imposto de Renda (IR), mas precisam repassar uma porcentagem do faturamento para incentivos fiscais ao Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Estado do Amazonas (FTI), Fundo de Fomento à Micro e Pequena Empresa (FMPE) e à Universidade do Estado do Amazonas (UEA). 

“No ano passado, essas três taxas deram R$ 2,5 bilhões. Todos eles dependem que as empresas tenham segurança jurídica na Zona Franca. Reduzindo a atividade da indústria, além dos empregos, o Estado do Amazonas perde em arrecadação, assim como o governo federal também perde arrecadação”, explica Wilson Périco. 

Levantamento feito no Portal da Transparência do Estado pela REVISTA CENARIUM mostrou que a “Contribuição para o Desenvolvimento do Ensino Superior”, por parte das indústrias da ZFM ao governo estadual em 2021, foi de R$ 694.230.689,65. A Universidade do Estado do Amazonas (UEA) é mantida, por meio de lei estadual, com repasse de 1% do total de tributos gerados pelas indústrias amazonenses sobre o faturamento anual. Os valores do FTI e FMPE totalizaram R$ 1.573.926.322,61 e R$ 150.181.227,70, respectivamente.

Arrecadação tributária

O Polo Industrial de Manaus (PIM) fechou o primeiro trimestre de 2022 arrecadando R$ 39,5 bilhões, segundo números divulgados em 3 de junho pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). O montante representa um aumento de 9,62% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foi registrado um faturamento de  R$ 36,04 bilhões.

Em 2021, as empresas do PIM tiveram arrecadação recorde de R$ 158,6 bilhões de janeiro a dezembro e injetaram R$ 38 bilhões, ao longo do ano, no Produto Interno Bruto (PIB) do Amazonas. De acordo com dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti), somente no quarto trimestre de 2021, a indústria totalizou o volume de R$ 9,88 bilhões no PIB amazonense.

Além de impulsionar a economia do Estado, o PIM ajuda a manter a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), destinando 1% (R$ 400 milhões) do faturamento do PIM ao ensino e desenvolvimento de pesquisa na instituição.

O PIM também é essencial para a conservação ambiental e preservação da floresta amazônica, segundo a Suframa, que se baseia em estudos sobre o modelo econômico. Mesmo com a implantação da ZFM há cinco décadas, a autarquia informa em seu site institucional que o Amazonas mantém 98% de cobertura vegetal sem ser impactada pelo desmatamento.

Esta reportagem foi publicada, simultaneamente, na REVISTA CENARIUM digital/impressa, edição de julho de 2022. Para acessá-la na íntegra, clique aqui.

Capa da Revista Cenarium de Julho/2022

*Quando da apuração desta reportagem, Wilson Périco estava à frente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam). Hoje, a instituição é representada por Luiz Augusto Rocha.

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