Especialistas afirmam que pandemia de Covid-19 acentuou desigualdade racial no Brasil

Prejuízos financeiros e de saúde pesam muito mais sobre mulheres, negros e pobres: 39% dos trabalhadores e trabalhadoras pretas e pardas estão em regime de informalidade, diz IBGE.(Reprodução/Internet)

Da Revista Cenarium*

MANAUS – Especialistas debateram os efeitos da pandemia nas relações de trabalho, a defesa de direitos e a importância das vozes das mulheres negras durante o encontro virtual “Racismo e Economia: crise econômica, trabalho, emprego e renda”, quarta live da série “Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 em tempos de crise e da pandemia COVID-19”.

A série de lives foi desenvolvida pela ONU Mulheres e o Comitê Mulheres Negras, em parceria com o Canal Preto, para visibilizar as mulheres negras, oportunizando espaços para que as suas vozes circulem e mobilizem ações e políticas públicas, empresariais e sociais para eliminar o racismo e o sexismo na pandemia.

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A pandemia da COVID-19 avança no Brasil e registrou, em 24 de agosto, mais de 3 milhões de diagnósticos de contágios e 114 mil óbitos, segundo monitoramento do Ministério da Saúde. De acordo com o IBGE, há um abismo racial no alcance da doença. No Brasil, os prejuízos financeiros e de saúde causados pela COVID-19 pesam muito mais sobre mulheres, negros e pobres: 39% dos trabalhadores e trabalhadoras pretas e pardas estão em regime de informalidade, ante 29,9% de brancos e brancas. Autônomos, autônomas e informais foram as pessoas que mais perderam renda na crise.

No debate virtual “Racismo e Economia: crise econômica, trabalho, emprego e renda”, uma das quatro lives da série “Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 em tempos de crise e da pandemia COVID-19”, promovidas pelo Canal Preto e pela ONU Mulheres, o tema foi abordado pela pesquisadora Márcia Lima, a procuradora do Ministério Público do Trabalho Valdirene Assis e Mônica Oliveira, integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, com mediação da defensora dos Direitos das Mulheres Negras da ONU Mulheres Brasil Taís Araújo.

Efeitos nas relações de trabalho

“O vírus não é racista, mas a sociedade é. O que a COVID-19 encontra no Brasil? Uma enorme desigualdade racial no acesso à saúde, que produz uma enorme desigualdade no acesso ao tratamento e leva à desigualdade nos óbitos”, considerou a pesquisadora Márcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e coordenadora do Afro-Núcleo de Pesquisa sobre Raça, Gênero e Justiça Racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Afro-CEBRAP). Ela coordena estudo sobre a pandemia COVID-19 com foco nas desigualdades raciais e de gênero.

Para a pesquisadora, “as mulheres negras estão enfrentando uma dupla vulnerabilidade: São vulneráveis tradicionais e fazem parte dos setores que ficaram mais vulneráveis durante a pandemia. Por exemplo, as mulheres negras no trabalho doméstico perderam as suas ocupações ou estão trabalhando em situação de vulnerabilidade”. Outro aspecto abordado sobre trabalho, emprego e renda na pandemia COVID-19 por Márcia Lima e outros pesquisadores é sobre o perfil de quem faz teletrabalho no país.

“Uma outra ponte disso é quem conseguiu migrar para o home office. A população branca que migrou é o dobro da população negra: 6,6 para negros; 14% dos negros. 40% são pessoas com nível superior. Nas clivagens de raça e gênero, vemos que quem conseguiu manter 100% do salário ou montar uma estrutura de trabalho em casa em desigualdade racial e de gênero. Quem está se beneficiando de home office são as pessoas mais escolarizadas”, disse Márcia Lima na live.

Assista ao debate completo:

Defesa de direitos na pandemia

Representando o Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, Mônica Oliveira destacou o controle social exercido pela sociedade civil em relação às políticas públicas e programas sociais. Frisou que a pandemia da COVID-19 trouxe à tona problemas crônicos decorrentes das desigualdades raciais e de gênero.

“A incidência nas políticas públicas é fundamental. Ela se materializou pela demanda da renda básica emergencial. Estamos numa luta para que permaneça o programa de renda básica emergencial. A renda básica é uma agenda de muitos anos. Fazemos incidência nos serviços de saúde sobre os critérios de quem tem acesso a respirador, UTI. Uma exigência que fazemos como movimento de mulheres negras é fila única para UTI, porque, quando começam a fazer as escolhas, somos nós, quem perdemos sempre. Fazemos também uma incidência de proteção à população de rua. Na demanda por ficar em casa, a população de rua fica onde? Em que casa? Não tem casa”.

Para a ativista, a retomada da gestão da vida pelas mulheres negras é atravessada por fatores que as medidas adotadas pelo poder público estão distantes da realidade enfrentada pelas mulheres negras. “Quando a gente fala de recomeço, o que está sendo visto é que as estratégias de retomada e de reabertura das atividades não estão seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde. As ocupações mais vulneráveis têm maioria de mulheres negras”.

Direitos trabalhistas

A procuradora do Trabalho Valdirene Assis, da Coordenadoria de Promoção à Igualdade do Ministério Público do Trabalho e coordenadora do Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negras e Negros do MPT, destacou sobre a prevalência do racismo nas exclusões enfrentadas pela população negra no mundo do trabalho.

“Quando a gente pensa na demografia brasileira, maioria negra, e mulheres negras, este é um elemento fundamental para considerar para o Estado e pessoas preocupadas com direitos humanos e fundamentais no Brasil. Neste momento, assegurar que mulheres grávidas e lactantes tenham direito ao afastamento do trabalho. Trabalhadoras domésticas tenham condição digna e justiça. Hoje, no MPT, há grupo sobre a valorização do trabalho doméstico. Esta parcela é de 80% representada por mulheres e 60% delas, por mulheres negras. Uma categoria profissional muito exposta a riscos, porque transita pela cidade e não pode se proteger do isolamento, faz uso do transporte coletivo”.

A procuradora acrescentou que as ações afirmativas são decisivas para enfrentar o quadro de exclusão e de vulnerabilidade enfrentado pela população negra historicamente e acentuado pela pandemia da COVID-19. “Pensando em proteção dos direitos das mulheres negras tem uma abordagem que precisa ser considerada na perspectiva das ações afirmativas. Não dá para enfrentar esse processo crônico e agudo de discriminação e exclusão sem políticas concretas e efetivas e tendentes a beneficiar esse público de forma direta”.

Vozes das mulheres negras 

As lives “Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030” em tempos de crise e da pandemia da COVID-19” fazem parte da estratégia de comunicação e advocacy da ONU Mulheres e do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, composto por entidades organizadoras da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, que completa 5 anos, em novembro de 2020.

As lives foram desenvolvidas por meio da parceria com o Canal Preto, uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho, Organização Internacional do Trabalho, ONU Mulheres e Cáritas Brasileira.

No diálogo com a ONU Mulheres, o movimento de mulheres negras tem colaborado para fazer avançar a mobilização em torno da incorporação de gênero e raça em agendas internacionais dos Estados-membro da ONU. Entre elas, estão a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, composta por 17 objetivos globais e o princípio de não deixar ninguém para trás do desenvolvimento. Outra agenda importante é a Década Internacional de Afrodescendentes, criada pelos Estados-membros da ONU e com prazo de execução até 2024.

(*) Com informações da Onu Brasil

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