Especialistas avaliam os impactos do uso de mercúrio na mineração ilegal de ouro e na vida indígena na Amazônia

Área de mineração perto do rio Jamanxin, ao norte da cidade de Novo Progresso (PA). - (Araquém Alcântara)

Carolina Givoni – Da Revista Cenarium

MANAUS – Geólogos debatem sobre os efeitos do uso do mercúrio na atividade mineradora ao longo da extensão da Amazônia Legal. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a mineração já eliminou 20% da cobertura vegetal original da floresta amazônica, além de ser responsável pelo assoreamento e contaminação de rios e da grilagem de terras, consequentes da invasão de áreas protegidas, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação (UCs).

Segundo o geólogo e especialista em Ciências Ambientais, Jorge Luis Garcez, não é possível prever com precisão os danos causados no meio hídrico ou no solo, caso fossem liberados na natureza os 610 kg de mercúrio, apreendidos pela Polícia Federal (PF) de uma mineradora na bacia do rio Tapajós entre os anos de 2015 a 2018.

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“Seria necessário analisar a forma de uso desse metal da natureza, ainda que seja pela atividade de mineração. Pois já existem técnicas de recuperação de 99,99% do mercúrio pela atividade garimpeira, por meio de técnicas herméticas. Em verdade, o mercúrio é utilizado como um aglutinador do metal ouro, separando o mesmo do restante da sujeira do processo de garimpagem”, explicou inicialmente.

Sobre os impactos da mineração no solo, o geólogo Jorge Garcez diz que ainda é possível replantar árvores nessas regiões afetadas. – (Foto Picture Aliance)

Garcez diz que a descontaminação do mercúrio no meio hídrico não é tão simples, mas que pesquisadores da Universidade Técnica de Chalmers, na Suécia, desenvolveram um método que pode purificar a água contaminada por mercúrio. “Essa técnica extrai íons de metal pesado por estímulo eletroquímico, formando uma ‘nova liga’ com outro metal. Isto é, uma placa de metal platina, que atua como um eletrodo e atrai para si, o mercúrio tóxico contido na água, para formar com ele uma nova liga”.

Ainda sobre a técnica, não há risco de o mercúrio retornar para o meio hídrico. No entanto, não é uma tecnologia aplicável para grandes volumes de água, como os que drenam por meio dos rios da Amazônia.

Sobre os impactos da mineração no solo, o especialista diz que ainda é possível replantar árvores nessas regiões afetadas. “Mas temos um porém, no que se refere à pobreza nutricional de nossos solos; e não por culpa da atividade mineral em si; que não ajudam tal recuperação pelos meios naturais, exigindo que para tanto o solo seja retrabalhado e nutrido de forma suficiente e necessária para a recomposição da flora local”, detalhou Jorge.

Indígenas contaminados por mercúrio

Ano passado, uma pesquisa liderada pela professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Ana Cláudia Vasconcellos, revelou que 26 mil indígenas ianomâmis têm sido altamente impactados pela atividade garimpeira ilegal ao longo das extensão das florestas que cercam aldeias de Maturacá e Ariabu, localizadas na Região de Maturacá, no Amazonas.

De acordo Vasconcellos, o levantamento analisou amostras de cabelo de quase 300 indivíduos, e 56% dos indígenas apresentaram concentrações de mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 2 microgramas por grama (ou ppm).

Em 4% da população analisada havia concentrações acima de 6 microgramas por grama, considerado o limite para o surgimento de efeitos adversos à saúde. “Aplicamos um questionário e obtivemos informações sobre o histórico de doenças da família, sobre a alimentação das crianças, das mães, de todos em uma maneira geral. Nessas visitas também coletamos as amostras de cabelo, que após serem armazenadas e identificadas, foram encaminhadas para o laboratório de Toxicologia, do Instituto Evandro Chagas”, conta.

Criança e mãe indígena em aldeia localizada na Região de Maturacá, no estado do Amazonas – (Julia Neves – EPSJV/Fiocruz)

Ela explica que o mercúrio usado no garimpo está em seu estado elementar, como o mercúrio líquido prateado presente nos termômetros, por exemplo. Na região, segundo ela, o ouro geralmente está em partículas finas e, para facilitar a retirada do leito do rio, os garimpeiros jogam o mercúrio.

“Isso porque, por ter afinidade, o mercúrio e o ouro formam uma pedra maior, chamada amálgama, facilitando a extração. (..) Tem histórias de garimpeiros que bebem o mercúrio para mostrar que não acontece nada. Mas, na verdade, grande parte do que ele ingere, é eliminado. A priori não é uma forma tão grave de contaminação”.

No caso do mercúrio elementar, a via de exposição que mais representa risco à saúde humana é a inalação de seus vapores, que atingem o sistema nervoso central e provocam danos importantes.

A especialista explica que em sistemas aquáticos, tanto no mar como nos rios, o mercúrio sofre oxidação e se transforma em espécies iônicas, que se ligam à matéria orgânica e se depositam no sedimento do rio. “Essa substância entra na cadeia alimentar aquática, vai se acumulando em peixes e em quaisquer organismos que estejam ali. Podemos concluir que, para quem não trabalha com o garimpo, a maior via de exposição é alimentação”.

No Brasil, o principal problema do uso do mercúrio é ligado ao garimpo, alerta Ana Cláudia, no sentido de que todo mercúrio utilizado acaba sendo perdido no ambiente, não existe recuperação ou um descarte responsável. “O garimpeiro não possui a menor preocupação ambiental. O mercúrio é lançado no sistema aquático, e a partir daí ele começa a sofrer uma série de alterações químicas e vai contaminando água, solo e organismos aquáticos”.

Contaminação do rio Tapajós

Um estudo entre a Polícia Federal (PF) e a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), apontou que mais de 450 áreas ou pontos de mineração ilegal na Amazônia foram responsáveis pela contaminação por mercúrio nas águas do rio Tapajós.

A exploração ilegal do ouro foi exposta por uma ação conjunta do Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), que autuou a Ourominas, empresa responsável pela mineração ilegal na bacia do Tapajós (PA).

Em 2018, o laudo preliminar do Grupo de Trabalho Permanente da Convenção de Minamata sobre Mércurio (GTP-Minamata), estimou que até 221 toneladas de mercúrio são liberadas no meio ambiente. Segundo os pesquisadores do projeto, o metal pesado quando entra em contato direto com os próprios trabalhadores, causa problemas cognitivos, perda de visão e doenças cardíacas.

Além de afetar a natureza e as populações indígenas e ribeirinhas vivem ao longo da extensão dos afluentes do rio. As estimativas do relatório também alertam que a cada 11 anos, a mineração ilegal de ouro na região amazônica, despeja uma quantidade equivalente aos rejeitos liberados no acidente em Mariana (MG) em 2015.

A exploração ilegal do ouro foi exposta por uma ação conjunta do Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), que autuou a Ourominas, empresa responsável pela mineração ilegal na bacia do Tapajós (PA).

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