Especialistas defendem porte de arma de fogo por agentes da Funai em regiões de risco
28 de abril de 2024
Dom Phillips e Bruno Pereira, assassinados durante uma viagem pelo Vale do Javari (Reprodução/Redes Sociais)
Carol Veras – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – No próximo dia 8 de maio, a Comissão de de Meio Ambiente do Senado Federal deve votar o Projeto de Lei (PL) 2.326/2022, que propõe conceder porte de arma de fogo aos agentes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) durante atividades de fiscalização. Especialistas do meio indígena ouvidos pela REVISTA CENARIUM defendem a proposta.
Em junho de 2022, o indigenista e servidor licenciado da Funai Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram mortos enquanto viajavam de barco pela região do Vale do Javari, no Amazonas. Em 2019, o também servidor da Funai Maxciel Pereira dos Santos foi morto na mesma região.
Para o líder da Organização Geral dos Mayuruna (OGM), antropólogo Jaime Mayuruna, além de regulamentar a proposta, é preciso treinar o servidores que atuam em campo. A liderança era próxima ao indigenista Bruno Pereira, morto em junho de 2022 na Terra Indígena do Vale do Javari
“Precisam existir discussões técnicas à respeito”, defende. De acordo com Jaime, a liberação do porte de armas para agentes da fiscalização é necessária devido ao aumento da violência nos territórios indígenas, principalmente na região da Amazônia Legal.
O sociólogo e professor da Ufam Raimundo Nonato afirma que a proposta é oportuna e nec essária, mas alerta que a lei deverá ser clara e objetiva ao definir em que momento e lugar o servidor deverá estar sob posse da arma.
“Não é oportuno que o servidor esteja sob posse de uma arma na sede da Funai em uma área urbana. Por outro lado, se estiver em um posto afastado de uma comunidade indígena, é pertinente”, destaca o sociólogo.
Raimundo Nonato (Reprodução/Arquivo Pessoal)
O PL é uma medida contra possíveis violências que os agentes podem sofrer em regiões de alto risco. O relator, senador Fabiano Contarato (PT-ES), pretende ampliar essa permissão também para os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Agente da Funai em campo (Reprodução/Funai)
Violência em áreas indígenas
Junto ao projeto foi organizada a Comissão Temporária Externa ‘Ctnorte’, que investigou as causas do aumento da criminalidade na Região Norte em 2022. No relatório final das atividades constam dados sobre o aumento da violência nas terras indígenas.
Conforme evidenciado pelo relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o número de indígenas assassinados no Brasil entre 2019 e 2022 chegou a 795, sendo Roraima o Estado com maior número de ocorrências.
Em relação às violências, englobando não apenas assassinatos, o ano encerrou com um total de 416 casos, representando um aumento de 15,2% em relação a 2021. Dentro dessa classificação, as ameaças de diversos tipos quase dobraram em comparação aos anos anteriores, assim como os casos de racismo e discriminação e violência sexual.
A Ctenorte ainda promoveu duas audiências públicas interativas e uma diligência externa nos municípios de Atalaia do Norte e Tabatinga, no Amazonas. Durante esses eventos, foram coletados depoimentos de indígenas e representantes de órgãos públicos.
O ex-coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava) Jader Marubo e Dra. Beatriz Matos, que além de ser viúva de Bruno Pereira, é professora de Antropologia e Etnologia na Universidade Federal do Pará (UFPA), foram ouvidos pela comissão.
Protesto em Brasília a favor das investigações a respeito do assassinato de Bruno e Dom (Reprodução/Hellen Loures/Cimi)
Os relatos indicam que no Vale do Javari há uma sobreposição de crimes ambientais com crimes violentos, incluindo a atuação de organizações criminosas. Com mais de 8,5 milhões de hectares, abrigando pelo menos 26 povos isolados e fazendo fronteira com áreas produtoras de cocaína, a região é alvo de narcotraficantes, madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais.
Essa situação propicia o surgimento de redes transnacionais, como destacado por estudos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que apontam o interesse crescente de organizações criminosas na Amazônia, disputando o controle das rotas do tráfico. Facções locais e regionais também buscam explorar os recursos naturais para ganho financeiro.
Comércio ilegal de pescado
No documento também consta que, em investigação local, foi descoberto que organizações criminosas transfronteiriças utilizam o comércio ilegal de pirarucu e piracatinga para lavagem de dinheiro do narcotráfico. Essa prática gera uma demanda por esses peixes, os quais eram alvo dos pescadores ilegais suspeitos do assassinato de Dom e Bruno.
Em outras regiões, como no Pará e em Roraima, o ouro extraído ilegalmente em terras indígenas também pode ser utilizado para esse fim, devido à falta de regulamentação e fiscalização adequadas, embora seja possível realizar rastreamento químico para sua identificação.
Apreensão de pescado ilegal feito pela Polícia Militar do Amazonas (Divulgação)
O representante da Univaja Manoel Korubo destacou para a comissão que Dom e Bruno foram assassinados para permitir a continuação da pesca ilegal. Ele criticou a falta de resposta eficaz do Estado, apontando que houve diversas denúncias ao Ministério Público Federal e à Funai.
Jaime Mayuruna relatou ainda que “pessoas armadas e mascaradas intimidam os habitantes locais, expulsando indígenas e ribeirinhos de certos lugares”. Ele também denunciou a impunidade dos pescadores ilegais que levam grandes quantidades de pescado refrigerado para Tabatinga e Peru. Apesar de ameaças serem recorrentes desde os anos 1980, as denúncias feitas ao Ministério Público não resultaram em providências eficazes.
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