Especialistas jurídicos destacam riscos do Marco Temporal em votação no STF
25 de agosto de 2021
Constituição Federal com cocar indígena (Reprodução/Apib)
Marcela Leiros – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A votação do Marco Temporal, nesta quinta-feira, 25, no Supremo Tribunal Federal (STF), mobiliza 6 mil indígenas em Brasília e repercute entre os especialistas em direitos indígenas. Se aprovado o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, só teriam direito à demarcação das terras os indígenas que estivessem a posse do território no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal (CF).
O RE é referente à reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Para a antropóloga da Fundação Oswaldo Cruz – Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia), doutora Fabiane Vinente, o Marco Temporal ameaça os processos de demarcações em andamento e, inclusive, as que já foram aprovadas, já que abre precedentes.
“Hoje, o STF tem nas mãos essa questão, porque se ele decide a favor do Marco Temporal, ele coloca em cheque inclusive as demarcações que já ocorreram, ele cria um problema jurídico muito maior do que essa da Terra Xokleng, que já é um problema grande”, pontua ela.
A antropóloga da Fundação Oswaldo Cruz – Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia), doutora Fabiane Vinente (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Vinente destacou ainda, à CENARIUM, que o entendimento favorável do STF ignora as violações e situações de abuso que os indígenas sofreram, principalmente durante a ditadura, e que só foi a partir da promulgação da Constituição que foram garantidos os direitos.
“O Brasil estava saindo do processo ditatorial, então muitos indígenas não podiam contestar essas terras na Justiça, porque a ditadura impossibilitava isso. Então foi só com a Constituição de 1988, com o reconhecimento das especificidades dos povos indígenas, do respeito à cultura, e o reconhecimento da presença deles nesses territórios. No horizonte jurídico, a possiblidade dos próprios indígenas contestarem a presença dos invasores e buscarem reivindicar seus direitos sobre aquelas terras eram baixas”, disse a doutora.
Histórico de resistência
Os povos indígenas vivem o histórico de violações de direitos desde o processo brasileiro de colonização, que já perdura mais de 500 anos desde o “descobrimento do Brasil”. Mesmo após a criação de instituições voltadas para garantir esses direitos, como o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), no início da década de 1970, a resistência desses povos tradicionais – como a atual mobilização em Brasília – foi e é considerada essencial para as conquistas de demarcação de territórios.
Diante dessa mobilização, a coordenadora do Observatório em Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia (ODSDH), Caroline Nogueira, lembrou o histórico de resistência desses povos.
Seis mil indígenas, de mais de 170 etnias, estão reunidos em Brasília (Reprodução/Apib)
“O processo de levante dos povos indígenas nada mais é do que a resistência que os indígenas vêm traçando nesse processo histórico, desde a chegada do colonizador. E a questão de pensar na resistência é que é um ato essencial para que o agente social e político possa garantir os seus direitos. A concretização, ou o direito sistematizado e escrito em uma constituição, não é garantia de que ele vá se cumprir. Quando os interesses do Estado são outros, os povos indígenas precisam se aliar”, destacou.
Nogueira, que também é doutora em Direito Socioambiental e Sustentabilidade, ainda lembrou a decisão sobre os territórios e seu uso cabe somente aos povos indígenas e tradicionais. “Quando a gente vê os indígenas nesses processos de resistência, que são constantes ao longo da história, só mostra mais um vez a autodeterminação desses povos, o direito que eles têm sobre decidir quem eles são e sobre seus territórios e o desenvolvimento que eles querem em seus territórios”, disse ainda.
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