Especialistas veem ‘higienização social’ em ação da Prefeitura de Manaus no Centro
Por: Marcela Leiros
05 de agosto de 2025
MANAUS (AM) – Especialistas ouvidos pela CENARIUM, nesta terça-feira, 5, apontam que a Prefeitura de Manaus tem promovido, sob gestão do prefeito David Almeida (Avante), “limpeza social” ou “higienização social” no Centro da capital, ao realizar uma série de ações chamadas pela gestão municipal de “revitalização“. A avaliação dos especialistas tem como base a apreensão de equipamentos de trabalhadores informais que atuam na área, forçando-os a se locomoverem de uma área turística para outras localidades na cidade.
Conforme a CENARIUM mostrou, nessa segunda-feira, 4, servidores da Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento, Centro e Comércio Informal (Semacc) tomaram, à força, produtos de uma vendedora de abacaxis que atuava no local no Porto de Manaus. Outros vendedores ambulantes também relatam ação truculenta dos servidores que impede que trabalhadores se estabeleçam no local.
Em texto enviado à imprensa, a prefeitura afirmou que deu início, ontem, ao quinto “Mutirão no Bairro”, ação que reúne 16 secretarias municipais em uma “operação integrada de infraestrutura, limpeza urbana, mobilidade, ordenamento e assistência social“. O mutirão tem duração estimada de 90 dias e contemplará mais de 50 ruas, principalmente na região onde é realizado, anualmente, o Festival Passo a Paço.
O antropólogo e doutor em Sociologia do Desenvolvimento e Transformação Social Lino João de Oliveira Neves avalia que as ações recentes da Prefeitura de Manaus, voltadas ao reordenamento da área com o impedimento de que ambulantes atuem no local, fazem parte de um processo histórico recorrente em grandes cidades conhecido como “higienização social“. A ação busca esconder a desigualdade urbana ao invés de enfrentá-la.
“Eu vejo nessa ação da prefeitura mais uma vez uma medida que, em termos de história de urbanização, tem sido chamado de higienização. Mostrar a higienização da cidade em contraposição à ocupação precária. Isso aconteceu em várias cidades do Brasil“, declarou o especialista.

Para Lino João, apesar da revitalização da área central da capital amazonense ser positiva, o fato de que, provavelmente, será exclusiva e não trará melhorias permanentes no âmbito social da cidade representa uma “maquiagem” da realidade.
“Os vídeos mostraram que mais uma vez o que está sendo feito pra, entre aspas novamente, embelezar a cidade, ou se não quisermos a embelezar, ocultar a feiura da cidade, retirar da visibilidade do turista do Centro da cidade aquelas pessoas que vivem precariamente na cidade, os trabalhadores rurais, os ambulantes“, acrescentou.
Ordenamento urbano
Assim como Lino João, o sociólogo Luiz Antônio também avalia que Manaus tem problemas mais complexos de ordenamento urbano do que a presença de vendedores ambulantes. O especialista ainda lembra que a higienização da cidade pode ser considerada uma tática fascista.
“Essa estratégia da prefeitura tem um conteúdo de natureza higienista, de natureza bastante perigosa, se aproxima muito das táticas fascistas de higienização, de limpeza, entre aspas, da população das cidades, tirando dali os moradores de situação de rua. Isso é preciso muita atenção, o Ministério Público tem que estar atento a isso, os vereadores têm que estar atentos a isso“, acrescentou.

Para o professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (DCiS/Ufam) e mestre em Sociologia Davyd Spencer, a Prefeitura de Manaus prioriza a infraestrutura com ações de caráter emergencial e midiático, com “evidentemente fins políticos“, especialmente em época ou em tempos de realização de grandes eventos, mas não aprofunda as ações em problemas mais complexos, como a assistência a grupos vulneráveis.
“Esta ação por parte do poder público municipal é uma ação estritamente voltada para a repaginada no Centro de Manaus, mas completamente desarticulada e desorientada do ponto de vista da necessidade de identificar grupos vulneráveis, das pessoas, dos trabalhadores, dos moradores de ruas de grupos em estados de vulnerabilidade social“, acrescentou.
A CENARIUM questionou a Prefeitura de Manaus, via e-mail à Secretaria Municipal de Comunicação (Semcom), referente aos alegações dos especialistas ouvidos nesta reportagem, e aguarda resposta.