Estudo aponta conexão direta entre garimpo ilegal e aumento de casos de malária em Roraima
17 de abril de 2023
Doenças atingem indígenas da etnia Yanomami (Luis Oliveira/Ministério da Saúde)
Bianca Diniz – Da Revista Cenarium
BOA VISTA (RR) – De acordo com um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia (Rede Bionorte), em parceria com a Secretaria de Saúde de Roraima (Sesau) e o Ministério da Saúde (MS), a incidência de malária em Roraima tem aumentado significativamente desde o início da década de 2010. Os resultados da pesquisa indicam que o avanço do garimpo ilegal é a principal causa desse aumento alarmante da doença.
Os dados analisados na pesquisa mostram que a doença tem afetado, principalmente, as Terras Indígenas (TIs), especialmente a região Yanomami. O estudo, publicado na revista científica Malaria Journal, utilizou informações sobre malária em Roraima entre os anos de 2010 e 2020.
Malária afeta territórios indígenas em Roraima. (Robin Loznak/ZUMA)
Segundo o Programa Nacional de Controle da Malária (PNCM), em 2010, Roraima conseguiu reduzir significativamente os casos de malária, registrando apenas 19 mil ocorrências de transmissão local da doença, sendo 30% destes casos em áreas indígenas. Em 2013, as notificações caíram para 4.800, com apenas 25% dos casos ocorrendo em territórios indígenas.
Infográfico exibe avanços da doença. (Reprodução/IOC)
Consequência do garimpo ilegal
Segundo um relatório divulgado pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) e pela Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME), em parceria com o projeto Mapbiomas, a área de garimpo na região aumentou em mais de 30 vezes, entre 2016 e 2020.
As associações alertam que o problema se agravou durante o primeiro ano da pandemia, quando Roraima registrou 29 mil casos de malária, sendo que mais de 18 mil notificações ocorreram em áreas indígenas, representando 62% do total de casos.
(Divulgação)
Na contramão
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), Roraima teve um aumento de mais de 40% na transmissão local, enquanto as Américas registraram queda de casos. Para a técnica do Núcleo de Controle da Malária Jacqueline de Aguiar Barros, autora principal do artigo, os dados divulgados contam a história do que tem sido observado e vivenciado nos últimos anos. “Por que a malária cresceu tanto em Roraima? Só em 2020, o garimpo cresceu 30% na Terra Yanomami.” ressaltou.
Povos indígenas
A saúde dos povos indígenas do Estado de Roraima é uma responsabilidade compartilhada por dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), unidades gestoras descentralizadas do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), que têm a tarefa de cuidar da população que vive em terras demarcadas no Estado. Mais de 40% do território de Roraima é composto por terras indígenas, onde mais de 80 mil pessoas de diferentes etnias residem.
Equipes realizam atendimentos ao povo Yanomami afetados pela crise humanitária. (Reprodução/Min. da Saúde)
Localizado na fronteira com a Venezuela, o DSEI Yanomami abriga aproximadamente 28 mil indígenas, em sua maioria pertencentes ao povo Yanomami. A área demarcada desta região abrange cerca de 96 mil km², abrangendo partes dos Estados de Roraima e Amazonas. Apesar da redução nos casos de malária na região em 2012, o problema voltou a crescer nos anos seguintes devido à atividade ilegal de garimpo. Em 2020, mais de 14 mil casos de malária foram registrados nesta região, evidenciando a necessidade urgente de medidas de combate à doença e à atividade ilegal de garimpo.
Já no DSEI Leste de Roraima, que fica na fronteira com a Guiana, vivem 52 mil indígenas de sete etnias, em uma área de 69 mil km² que inclui a Reserva Raposa Serra do Sol e outros territórios. Essa região também experimenta um aumento nos casos de malária nos últimos anos, registrando mais de 4 mil casos em 2020. O garimpo ilegal e a imigração de venezuelanos foram apontados como fatores que contribuíram para esse aumento.
Potencialização
A coordenadora do estudo, Maria de Fátima, aponta diversas maneiras pelas quais o garimpo favorece a transmissão da malária. Segundo ela, os garimpeiros invadem a floresta e escavam a terra, criando poços que se tornam criadouros de mosquitos anofelinos, os principais transmissores da doença.
A malariologista destaca outro problema: o tratamento inadequado da doença pelos garimpeiros, que contribui para a perpetuação do ciclo da malária na região. “Os garimpeiros utilizam medicamentos de origem duvidosa para combater os sintomas da malária, que não garantem eficácia e não fazem o tratamento completo. Isso faz com que o parasita continue vivo no organismo, infectando mosquitos no momento da picada e aumentando a transmissão, além de selecionar populações parasitárias com potencial de tolerância aos antimaláricos”, explica a cientista.
Malária mais grave
O estudo científico também emite um alarme em relação aos casos de malária causados pelo Plasmodium falciparum, conhecido por possuir maior risco de morte. Em 2020, o parasita foi responsável por cerca de 20% dos casos de malária em Roraima. A dificuldade no acesso ao diagnóstico e ao tratamento pode ser uma das causas desse aumento preocupante.
Apesar da malária mais grave ter tratamento, a falta de acesso a serviços de saúde tem prejudicado tanto o diagnóstico quanto o tratamento da doença. Como alertam os especialistas envolvidos na pesquisa, o combate da malária nas regiões afetadas pelo garimpo ilegal não pode ser abordado apenas pela área da saúde. “O combate da doença que atinge a região do garimpo ilegal transcende a área da saúde e exige ações coordenadas de diferentes esferas políticas” ressalta os especialistas.
As autoras da pesquisa também alertam para a possibilidade de aumento da resistência aos medicamentos, o que pode prejudicar as estratégias de controle da malária.
A pesquisa foi financiada por várias instituições, incluindo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, o Programa Nacional de Malária do Ministério da Saúde, a Fiocruz/CGLAB e a UFRR.
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