Apenas 9,3% da área necessária para conservação da onça-pintada no Pantanal é protegida, diz estudo

Com uma das maiores populações de onça-pintada, o Pantanal é considerado crítico para a conservação da espécie no longo prazo (Reprodução/ Internet)

Com informações do Instituto Mamirauá

TEFÉ, AM – Menos de 10% do habitat necessário para conservação da onça-pintada no Pantanal são áreas protegidas, é o que mostra um estudo do Instituto Mamirauá publicado este mês pelo jornal científico internacional Biological Conservation. Apesar do seu valor significativo para sustentação de populações de vida silvestre, apenas uma pequena parte do bioma brasileiro é protegida, enquanto cerca de 95% são propriedades privadas, principalmente de criadores de gado.

O objetivo do estudo foi avaliar os padrões de movimentação da onça-pintada por todo o ecossistema e a eficácia das áreas protegidas na conservação dos seus habitats. O Pantanal é a maior planície alagável por água doce do mundo e estende-se por partes do Paraguai, Brasil e Bolívia, cobrindo uma área de aproximadamente 193.000 km².

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Nas últimas décadas, o bioma experimentou uma rápida expansão da agricultura, que aumentou sob mudanças recentes em políticas associadas ao aumento do desmatamento. Estima-se que cerca de 60% da vegetação nativa de planalto e cerca de 20% da vegetação nativa de várzea já foram perdidas. Os atuais incêndios são os maiores de toda a série histórica (22 anos), tendo dobrado em relação ao ano passado, segundo dados do Inpe. A maior parte deles concentra-se em áreas que o estudo previu como altamente adequadas para conservação da onça-pintada.

“A onça-pintada, assim como outros predadores de topo de cadeia, é particularmente suscetível à perda e fragmentação de habitat, já que ocorre naturalmente em baixas densidades populacionais e tende a exigir áreas extensas para sobrevivência. Manter essas populações viáveis – e a espécie presente na natureza – exige esforços eficazes de conservação e a proteção de grandes áreas adequadas para esse fim. Por isso, é essencial compreender como as onças interagem com seu habitat e investigar sua dependência dos recursos naturais presentes naquela área, e foi isso que buscamos neste estudo”, explica Guilherme Alvarenga, pesquisador do Instituto Mamirauá que liderou o estudo.

Método utilizado

A publicação representa um esforço conjunto de mais de 50 pesquisadores que colaboraram com dados de 56 onças monitoradas entre 2005 e 2016. O método utilizado pelos pesquisadores compara os recursos usados ao longo dos caminhos percorridos pelas onças com os que permanecem disponíveis ao seu redor, ou seja, ele compara aquilo que foi selecionado frente ao que estava disponível.

Os autores destacam que a escolha do habitat e seus recursos pelas onças não depende apenas das características específicas do local, mas também das características da paisagem ao redor, isto é, o contexto ambiental mais amplo influencia as escolhas e comportamentos dos animais. 

Resultados

Diversos estudos já indicavam a proximidade com áreas inundadas e a cobertura florestal como importantes componentes do habitat da onça-pintada. Esta última permite que ela use sua camuflagem para perseguir e emboscar presas mais facilmente. Em escala regional, porém, pouco se sabe sobre o comportamento da onça-pintada e como ela seleciona os recursos presentes no ambiente. O único estudo regional conduzido até hoje foi o Plano Nacional de Ação para Conservação da Onça-pintada do Brasil, que se limitou à poção brasileira do Pantanal, e estimou que as onças ocupavam cerca de 42% do bioma.

O estudo lançado agora concluiu que poucas Unidades de Conservação (UC’s) no Pantanal coincidem com áreas de alta qualidade previstas para a conservação da onça-pintada, o equivalente a apenas 9,3%. Notavelmente, apenas uma pequena proporção das grandes extensões de terra adequadas na porção norte da área estudada é protegida, e quase nenhum território é protegido nas áreas centrais do Pantanal. 

A análise confirmou de forma consistente a hipótese dos pesquisadores de que as onças selecionam recursos naturais em escalas amplas de habitat disponível, não apenas local. As onças são uma espécie altamente móvel, capaz de andar mais de 15 km por dia, e é provável que suas grandes áreas de vida e seus requisitos de presas a conduzam para uma seleção de recursos em ampla escala. 

Os pesquisadores acreditam que a vegetação baixa, a elevada exposição e o alto risco de conflito com humanos podem estar levando as onças a driblar as áreas de campina, campos com vegetação herbácea e rasteira, conforme mostrado pelo estudo. No entanto, o efeito negativo mais forte foi associado às áreas densamente povoadas por humanos, como a região ao redor de Corumbá, no centro-oeste do Pantanal, que tende a apresentar níveis mais elevados de caça ilegal e extração de madeira. 

Os resultados também indicaram áreas potenciais de alta adequação para a espécie não previstas em estudos anteriores, como, por exemplo, a região do interflúvio entre os rios Corixo Grande e Paraguai, uma área onde a presença de onças-pintadas é frequentemente relatada, mas sofre com altas taxas de degradação de habitat por causa da sua conversão em pastagens. 

Importância das áreas protegidas para conservação da espécie

As áreas protegidas são particularmente importantes para as onças porque mantém remanescentes de ecossistemas naturais essenciais a sua sobrevivência em meio a paisagens perturbadas. No entanto, existem poucas Unidades de Conservação no Pantanal, muitas delas mal financiadas, o que compromete sua eficácia para proteger a fauna silvestre.

Nos últimos anos, pesquisadores propuseram a criação de um mosaico de áreas protegidas conectando quatro Unidades de Conservação da região norte. Esta proposta de conexão quase inteiramente sobrepõe-se com áreas previstas como altamente adequadas para onças pelo estudo, o que sugere que a implementação da rede de áreas protegidas proposta seria altamente valiosa para a conservação da onça-pintada. Modelos de movimentação e seleção de recursos para a onça-pintada já têm apoiado decisões de conservação de norte a sul do país. 

Apesar da espécie estar classificada pela Lista Vermelha da IUCN como Quase Ameaçada, estimativas mais recentes sugerem que 25 das 33 populações que ocorrem fora da floresta Amazônica deveriam estar categorizadas como Criticamente em Perigo e oito como Em Perigo. Estudos recentes indicaram uma redução da distribuição geográfica da onça-pintada no século passado para menos de 50%, um resultado da perda e fragmentação do habitat combinadas com a perseguição direta e matança por humanos.

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