Estudo sobre obras da BR-319 está sendo realizado sem consulta aos povos indígenas, diz organização

Medida vai contra o que determina a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT)(Divulgação)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS — O estudo sobre os impactos ambientais do Trecho do Meio da BR-319 está sendo realizado sem consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais diretamente afetadas da região, segundo a organização Observatório BR-319 (OBR-319), ignorando o que determina a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As informações constam no Informativo mensal da OBR-319 sobre a área de influência da rodovia federal que liga o Amazonas ao Estado de Rondônia.

A consulta é uma etapa necessária para a concessão de Licença Prévia para avanço dos trabalhos e tomada de decisões sobre a estrada. Sem ela, a continuação das obras pode ser mais uma vez embargada judicialmente. De acordo com a ONG, o documento ‘Estudo de Impacto Ambiental das obras da BR-319′, realizado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), não incluiu os indígenas nas discussões sobre o tema, impedindo que eles sugerissem mudanças em pontos que podem afetá-los.

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O Observatório denuncia ainda que os resultados parciais da pesquisa já estão sendo apresentados desde a segunda quinzena de fevereiro deste ano às comunidades localizadas no entorno da rodovia, mesmo que eles não tenham sido consultados. A equipe do Dnit visitou os povos Mura, das Terras Indígenas Lago Capanã, e os Apurinã, das Terras Indígenas Igarapé Tauamirim e Igarapé São João. Estava agendado, também, uma reunião com os Parintintin, da TI Nove de Janeiro, no dia 14 do mês passado, mas o encontro foi cancelado após uma servidora do Ministério da Infraestrutura (Minfra) testar positivo para Covid-19, na Aldeia Traíra.

O cancelamento da reunião causou um mal-estar entre a equipe do governo e os indígenas Parintintin. Por meio da Organização do Povo Indígena Parintintin do Amazonas (Opipam), uma nota de repúdio contra a comitiva do ministério foi emitida, pedindo respeito às legislações ambiental e ao que determina a Convenção 169 da OIT.

“A interrupção da reunião de apresentação do ECI da BR-319, que estava se iniciando na aldeia Traíra, na TI Nove de Janeiro, não foi por culpa do povo Parintintin, mas sim por total responsabilidade do governo e dos interessados na obra da BR-319, em especial o Dnit, que não cumpriram com os protocolos de prevenção da Covid-19, em sua integralidade”, diz trecho da nota, assinada por nove lideranças indígenas.

Análise necessária

Para a Opipam, o licenciamento ambiental é um processo extremamente complexo e de difícil compreensão para grande parte das lideranças indígenas. Da mesma forma, a leitura e o entendimento do Estudo dos Impactos Ambientais da BR-319, por ser um documento técnico e volumoso, exige mais tempo e análise para melhor entendimento dos povos tradicionais.

“Estamos tratando de um empreendimento que terá um impacto enorme na região, em especial para o nosso território e para o povo Parintintin, da atual e futuras gerações. O licenciamento ambiental é um processo extremamente complexo e de difícil compreensão para as nossas lideranças”, critica a Opipam.

“O governo ficou mais três anos analisando o ECI da BR-319, entre idas e vindas de Dnit e Funai. Agora que consideraram a última versão apta, correram para realizar a reunião de apresentação em menos de um mês, sem se preocupar em respeitar o nosso tempo, fazendo reunião em cima da hora”, continua a entidade. A previsão é que uma nova reunião aos Parintintin deva ocorrer em abril deste ano.

Para a advogada e pesquisadora do Centro de Direitos Humanos e Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV -CeDHE), Giovana Agutol, o Estudo de Impacto Ambiental da BR-319 não deve ser meramente apresentado às comunidades indígenas, mas submetido à audiência pública e também à consulta prévia, livre e informada, desde que respeitada a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho.

“É importante que os moradores das comunidades estejam livres de qualquer tipo de pressão, controle e pressa, para que, de fato, eles tenham um espaço livre para se pronunciar e manifestar suas percepções sobre o que está sendo colocado no estudo”, comenta a advogada, no Informativo OBR-319.

O que diz a OIT

A Convenção n.º 169 da OIT é um tratado internacional adotado em Genebra, em 27 de junho de 1989, e trata sobre os direitos dos povos indígenas dos países-membros. No Brasil, a medida entrou em vigor em 2003 e promulgada em 19 de abril de 2004.

O tratado define que devem ser reconhecidos e protegidos os valores e práticas sociais, culturais religiosos e espirituais próprios dos povos mencionados no documento, além de estabelecer que os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação das populações interessadas, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade.

Em um dos artigos da Convenção n.º 169, o texto estabelece que os governos deverão consultar os povos interessados cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. O documento também determina que os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que afetem as suas vidas, crenças, bem-estar e as terras em que ocupam.

“Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam”, diz o parágrafo 4º, artigo 7º, da Convenção Nº 169 da OIT.

Sem retorno

A REVISTA CENARIUM entrou em contato com a assessoria de comunicação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) solicitando um posicionamento sobre o estudo. A reportagem questionou porque a pasta do governo federal não incluiu os indígenas na elaboração da pesquisa de impactos ambientais. Até a publicação desta matéria, não obteve retorno.

Veja, na íntegra, o Informativo OBR-319:

Veja, na íntegra, a nota de repúdio do Opipam:

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