‘Estudos para vacina contra Covid-19 no Brasil só terminam em 2021 ou meados de 2022’, diz cientista

Karina Lima, aluna de doutorado, manipulando células de pacientes de Covid-19, no Lab de Imunoterapia da UFCSPA (Divulgação/ Cristina Bonorino)

Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

MANAUS — Embora a Rússia tenha anunciado que vai vacinar em massa sua população até o fim do ano, no Brasil, a solução para uma vacina que possa frear a pandemia de Covid-19 só poderá ser conhecida em 2021 ou meados de 2022. Para antecipar isso, algumas etapas foram aceleradas em boa parte das mais de 160 pesquisas registradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ainda assim, o prazo estabelecido pelos russos parece precoce demais e levantou uma série de questionamento mundo afora. 

Com base nisso, a REVISTA CENARIUM ouviu alguns especialistas da área para explicar melhor o assunto e saber o prazo mais realista de quando uma vacina entrará em circulação no País. De acordo com a professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e imunologista membro do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI Imuno), Cristina Bonorino, o prazo estabelecido por alguns países precisa ser cauteloso.

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“O último paciente da vacina da Sinovac Biotech a ser avaliado na fase três do estudo clínico, é no final de 2021. E, o último paciente da vacina da Oxford é em meados de 2022. Tem muita gente dizendo que vai ter uma vacina daqui a três meses. Isso não é verdade. As vacinas só estarão disponíveis quando terminar os estudos clínicos da fase três. Sendo bem realista, se os estudos clínicos forem cumpridos como desenhados, uma vacina contra Covid-19 no Brasil só sairia no fim de 2021 ou meados de 2022”, afirma a especialista.

A imunologista explica ainda que mesmo que as pessoas estejam ansiosas por uma vacina, os estudos precisam ser conduzidos de acordo com o protocolo. “Não existe evidencia definitiva de que a imunidade dada pela doença, protege. É preciso também ter certeza que as vacinas desenvolvidas para o Sars-coV-2 sejam seguras para quem já teve a doença e criou anticorpos. Nas vacinas aprovadas, mesmo pessoas que contraíram a doença podem se vacinar sem que isso cause problemas”.

Gabriel Hilário, aluno de doutorado, no Lab de Imunoterapia da UFCSPA (Divulgação/ Cristina Bonorino)

Sobre possíveis reinfecções da doença, a cientista ressalta. “Estão aparecendo casos de reinfecção. O primeiro documentado foi em Hong Kong, publicado na revista científica Clinical Section Disease, onde o paciente testou positivo para Covid-19 no exame PCR, criou anticorpos e depois de um tempo, foi comprovada a infecção por um vírus com sequencia diferente da do primeiro, mostrando que ele havia pego o vírus de outro lugar”.

Para o pediatra e presidente da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm), Juarez Cunha, a comunidade científica ainda está aprendendo sobre a doença. Segundo ele, para saber a eficácia e a segurança de uma vacina para combater o Sars-CoV-2 é preciso ter a fase três do estudo finalizado com cautela. 

“Ainda temos mais dúvida do que certeza, em relação à vacinação. Muito se especula se ela será semelhante à vacina da gripe, onde é preciso modificar a composição anualmente. No entanto, é muito precoce para afirmar que teremos uma vacina ainda este ano. Precisamos saber a conclusão dos estudos da fase três e, se a vacina é segura e eficaz”, frisa Juarez.  

Parceria com Ministério da Saúde

Outro ponto relevante, apontado por Cristina Bonorino, é que não se sabe quanto tempo dura a imunidade decorrente da doença. “Até agora sabemos que tem pessoas com anticorpos positivos por mais de três meses. Estamos estudando esse vírus apenas há seis meses. Pode ser que até que saia a vacina, todo mundo que teve a doença precise se vacinar”.

Inclusive, essa etapa de avaliação de resposta imune desses pacientes que apresentaram anticorpos positivos faz parte de um estudo que a imunologista e sua equipe do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, estão realizando para o Ministério da Saúde.

A proposta é acompanhar, o que eles chamam de longitudinalmente, esses pacientes para saber quanto tempo durou a resposta deles sobre esses anticorpos positivos. O objetivo do estudo é preparar esse cenário para o Brasil ou seja, poder informar com precisão a potência da imunidade promovida pelos pacientes que pegaram Covid-19, quanto tempo duram esses anticorpos, para saber se essa pessoa precise se vacinar de novo. 

Outro ponto relevante é quando saber se a vacina é segura. Para isso, a imunologista esclarece. “A fase três da vacina é testada em um grande número de pessoas. Umas tomam placebo [substância inativa] e outras tomam vacina e quando se compara no final, se vê a eficácia e a segurança. Em princípio, não existe nenhum problema. O importante é ter uma vacina que gere resposta e seja segura e isso, só vamos saber ao final dos estudos clínicos”, assinala Bonorino.

Priscila Oliveira, aluna de pós-doutorado, no Lab de Imunoterapia da UFCSPA (Divulgação/ Cristina Bonorino)

Sobre as vacinas existentes

A imunologista informa que, ao todo, são 168 vacinas sendo testadas em todo o mundo. Contudo, cada vacina tem uma formulação diferente e é possível que uma promova uma imunidade melhor do que a de uma infecção natural. Ou seja, não há como prever qual será a melhor e mais eficaz. Só pesquisas futuras responderão isso.

“Estamos acompanhando e vendo que a maioria das vacinas é semelhante. Não tem nenhuma que seja muito diferente. Apenas a Novavax, de uma companhia norte-americana, apresentou anticorpos muito bons. Mas ainda é precoce ter uma resposta precisa sobre o vírus. Estamos nos guiando pelo que já conhecemos de outras linhagens do Coronavírus e até agora tudo se apresentou da forma na qual conhecemos”, assinala a cientista.

Vacina da Dengue 

A imunologista também faz parte do grupo de estudo clínico para uma vacina da dengue em parceria com o Instituto Butantan que vem sendo testada, foi desenvolvida nos Estados Unidos e será em dose única.

A dengue é completamente diferente do Coronavírus, alerta a imunologista, uma vez que é transmitida por um mosquito e de todos os vírus pesquisados por sua equipe, apenas a dengue tem essa situação. Não tem esse tipo de relato com infecção natural do Coronavírus.

Quem contraiu Coronavírus pode tomar ou se beneficiar com a eventual vacina? 

Essa é a pergunta feita por milhares de pessoas ao redor do mundo. O difícil é responder se, quando a vacina para o Coronavírus estiver disponível, os milhões de brasileiros que tiveram a doença deverão tomar a vacina. 

A imunologista explica ainda que a vacina desenvolvida para o Sars-CoV-2, não tem evidência de que pode fazer mal para quem já teve a doença e criou anticorpos. Segundo Cristina, o que os cientistas podem afirmar é por exemplo, em relação à vacina da gripe, que tem pessoas que tiveram gripe ao longo da sua vida, se vacinam, porém, não apresentam nenhum problema. “Não temos nenhum dado que indique que a vacina poderia ser perigosa”, alertou.

O sistema imune do ser humano está acostumado a lidar com várias infecções ao mesmo tempo. Somos tipo um condomínio de vírus, bactérias e fungos, então isso não é um problema. Da mesma forma, por exemplo, tem vacinas com múltiplas doses. A Poli, por exemplo, se toma várias doses quando é criança, destaca a imunologista. 

Para Juavez Cunha, da SBIm, mesmo ainda não existindo uma resposta exata para esta pergunta, tudo indica que sim. Segundo ele, possivelmente, os chamados ‘imunizados’ pela Covid-19 podem beneficiar-se da vacina, porém, se estiverem dentro do público-alvo de uma campanha de vacinação. De acordo com Juarez Cunha, existem muitas enfermidades que ainda não têm uma imunidade definitiva, um exemplo disso é a gripe, e a Covid-19. 

Ou seja, o corpo até ficaria um tempo protegido, mas ao longo do tempo, suas defesas se perderiam, o que justificaria a vacinação. Já no contexto do Sars-CoV-2, não se sabe por quanto tempo a imunidade decorrente da infecção duraria, nem qual a validade do efeito de uma vacina nesses pacientes.

O imunologista alerta também que o ideal seria uma vacina que proteja 100% para todas as pessoas independentemente do quadro. Mas a grande maioria das vacinas utilizadas no Brasil, atualmente, tem uma performance tão boa quanto a que está sendo desenvolvida para o Sars-CoV-2.

Em relação à vacina anunciada pela Rússia, Juarez ressalta. “Começar a usar uma vacina em massa sem ter passado por todas as etapas recomendadas pelos órgãos regulatórios e pela ética e pesquisa, em algum momento essas vacinas podem perder a credibilidade”, conclui.

Para o diretor-presidente da Fundação de Medicina Tropical doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), médico infectologista Marcus Guerra, os pacientes que conseguiram se recuperar de Covid-19 podem sim receber doses da vacina. Segundo ele, a vacina entraria como uma espécie de reforço. No entanto, ainda é cedo para saber quanto tempo a vacina aplicada vai demorar para desenvolver anticorpos da doença. 

“Acredito que uma vacina estará disponível somente no final de 2021 ou em meados de 2022. Enquanto não tivermos uma vacina eficaz as pessoas não devem se descuidar as recomendações orientadas pela OMS, sobre a lavagem das mãos, o uso de máscaras e álcool em gel. Esses são os cuidados que as pessoas precisam continuar tendo em respeito a saúde”. 

Marcus ressalta ainda que o Coronavírus será mais um a ser incluído no grupo de vírus sazonais respiratórios. Para o Amazonas, a sazonalidade ocorre entre as duas últimas semanas de novembro a maio. “Tecnicamente temos a informação de que 20% da população foi infectada e por se tratar de um vírus novo, o restante da população é suscetível à infecção. diferente dos outros tipos de vírus respiratórios que vêm, anualmente, parte da população mais imune para os outros vírus respiratórios”, finaliza.

Público alvo da vacina

Os estudos estão sendo realizados em adultos saudáveis entre 18 a 59 anos. Essa população em geral é mais resistente, em termos de respostas imune. Além de serem considerados população produtiva e que transita mais e sai de casa para trabalhar. Há estudos onde as crianças são incluídas. No entanto, para esse estudo do Brasil, elas não foram incluídas, assim como, os idosos por fazerem parte historicamente do grupo inativo.

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