Ex-chefe do Ibama sobre exploração de petróleo na Amazônia: ‘Colide com nossos compromissos climáticos’


Por: Dilcimeri Santos

18 de novembro de 2025
Ex-chefe do Ibama sobre exploração de petróleo na Amazônia: ‘Colide com nossos compromissos climáticos’
Suely Araújo e a Costa do Amapá, na Região Norte (Fotos: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil; Enrico Marone/Greenpeace | Composição: Klinton Gean/Cenarium)

SÃO PAULO (SP) – Na costa Norte do País, entre o verde que resiste e o mar que guarda mistérios, cresce uma nova promessa — um velho risco. Com a chegada da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), o avanço da exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas inquieta ribeirinhos, cientistas e ambientalistas.

No Amapá e no arquipélago do Marajó, o vento sopra rumores de desenvolvimento, mas o silêncio das águas e os olhares dos pescadores revelam incertezas. O Brasil, que está sediando um dos maiores encontros globais sobre o clima, enfrenta uma contradição: como liderar o debate ambiental enquanto abre novas fronteiras de perfuração?

Mapa da região da Foz do Rio Amazonas (Reprodução)

Para entender esse impasse, Suely Araújo, ex-presidente do Ibama (2016-2018) e, hoje, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, analisa os riscos ecológicos, sociais e econômicos da extração de petróleo na Amazônia — e explica o porquê o País pode estar mirando o passado enquanto o planeta pede futuro.

Dilcimeri Santos: O que representa, em termos ambientais, a possibilidade de exploração de petróleo na foz do Amazonas?

Suely Araújo: A licença concedida recentemente representa um marco que consagra a prioridade da bacia sedimentar da Foz do Amazonas como nova fronteira exploratória no processo de intensificação da exploração e da produção de petróleo no País. A abertura de uma porteira para várias outras licenças na região. Será muito difícil para o Ibama rejeitar licenças de perfuração na mesma bacia sedimentar, em condições similares às do bloco FZA-M-59. 

Em plena crise climática, o Brasil opta por aumentar e muito os investimentos em petróleo. Uma escolha com olhar para o passado, que evidencia negacionismo não sobre o aquecimento global e suas causas, mas sim com relação à gravidade da crise climática. É a principal contradição da política ambiental no Governo Lula.

DS: Quais os principais riscos ecológicos e sociais dessa atividade na região?

SA: A área possui alta biodiversidade, com o pouco estudado Sistema Recifal Amazônico, manguezais e fortes correntes marítimas que elevam o risco de acidentes. Socialmente, a exploração ameaça comunidades indígenas, quilombolas e pescadores que não foram consultados. Além disso, a expectativa de royalties futuros já provoca inchaço populacional em Oiapoque, embora esses ganhos só possam ocorrer, se houver petróleo, dentro de cerca de uma década.

DS: Como a Petrobras tem se posicionado em relação às exigências ambientais para esse tipo de operação?

SA: A Petrobras demorou a cumprir as demandas do Ibama, houve muitas complementações ao projeto inicial. Essa é a principal razão da demora desse processo de licenciamento. O Observatório do Clima e outras sete organizações protocolaram uma ação civil pública demandando a anulação da licença concedida, por três razões principais: ausência de consulta prévia, livre e informada com as populações tradicionais que vivem na região; problemas sérios na modelagem de dispersão do óleo em caso de acidentes; e desconsideração dos impactos climáticos do projeto.

Área na costa da Foz do Rio Amazonas, região que pode receber perfuração de posse de petróleo (Enrico Marone/Greenpeace)

DS: A exploração de petróleo na Amazônia é compatível com os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil?

SA: Essa questão vai muito além da licença para perfuração do bloco FZA-M-59. A intensificação da exploração na Margem Equatorial e em outras regiões, como a bacia de Pelotas, colide com nossos compromissos climáticos. O Brasil é o sétimo maior produtor de petróleo do mundo, o governo quer que passemos a estar na quarta ou quinta posição, em plena crise climática. Isso não pode ser aceito. A própria Agência Internacional de Energia vem afirmando já há alguns anos que, se o mundo pretende assegurar o cumprimento do Acordo de Paris, a expansão de produção tem de ser interrompida.

DS: Que alternativas energéticas o País poderia priorizar em vez de expandir a fronteira do petróleo?

SA: Deve ser dito que o Brasil não precisa da expansão da exploração e produção de petróleo para suprir sua demanda interna. Exportamos um pouco mais da metade do petróleo que produzimos. O Brasil deve priorizar as fontes renováveis de energia, assegurando salvaguardas socioambientais na sua implementação. Eólicas, solares, hidrogênio verde, biocombustíveis etc. A Petrobras deve se transformar numa empresa de energia, e ir muito além do foco praticamente exclusivo em petróleo. 

DS: O que mais te preocupa no cenário atual da política ambiental brasileira?

SA: Com certeza a decisão de intensificar a exploração e produção de petróleo em plena crise climática. Não existe petróleo sustentável, isso só existe em campanhas de publicidade falsas. Mais de 80% das emissões de gases de efeito estufa pelos combustíveis fósseis ocorrem na queima. Mesmo que o Brasil exporte esse petróleo e isso não entre nos cálculos de nossa NDC, esse óleo vai queimar em algum local e contribuir para a piora da crise climática. 

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