Exclusão silenciosa: como Prefeitura de Manaus e Câmara de Vereadores impõem a marginalização indígena nos concursos públicos


Por: Inory Kanamari

18 de novembro de 2025

Ka tücüna naina. Saudações, leitor(a). Como bem nos ensina a sabedoria Kanamari, essa simples frase carrega consigo uma verdade que, todos no Brasil deveriam ouvir. E, assim, com a mesma simplicidade, convido você a refletir sobre um dos maiores e mais urgentes desafios enfrentados por profissionais indígenas na capital Manaus.

O concurso público da Câmara Municipal de Manaus, ao excluir as populações indígenas e outras minorias, reflete e reforça uma realidade alarmante no Amazonas: o Estado mais racista, xenofóbico e preconceituoso do Brasil. Não vemos pessoas negras, indígenas ou LGBTQIAPN+ em cargos de poder, comando ou visibilidade. Pelo contrário, os governos locais trabalham ativamente para manter essas populações invisíveis, marginalizadas e excluídas da sociedade manauara.

O prefeito de Manaus e a maioria dos vereadores adota uma postura hipócrita, especialmente durante os períodos eleitorais, ao afirmarem que “amam” o povo da capital. No entanto, esse “amor” não se reflete em suas ações: não vemos indígenas, negros ou outras minorias em posições de destaque em suas administrações. Ao contrário, os concursos públicos realizados na cidade mostram claramente a falta de diversidade e pluralidade no serviço público, mantendo um espaço fechado e excludente.

A política local é dominada por famílias que herdam tanto o legislativo quanto o executivo, e essas mesmas famílias, de forma explícita ou velada, excluem grupos minorizados e negam a presença e a importância dos povos indígenas na composição da sociedade. Mesmo com a maior parte da população de Manaus sendo indígena, muitos políticos, incluindo o atual prefeito, negam ou ignoram essa realidade. Manaus é, sim, a capital mais indígena do Amazonas, mas os indígenas, que garantiram votos para a eleição desses políticos, continuam marginalizados e silenciados.

É vergonhoso perceber a total ausência de pluralidade e diversidade no executivo e no legislativo municipal. A exclusão de indígenas e negros é tão evidente que chega a ser inacreditável: sequer vemos pessoas negras ou indígenas trabalhando em funções básicas nas instituições da cidade, como na limpeza da prefeitura ou da Câmara Municipal.

E essa exclusão não é um caso isolado. Os concursos públicos em Manaus, como tantos outros, seguem a regra da discriminação e da falta de representatividade. A cidade, que se orgulha de sua população indígena, usa a causa indígena de forma oportunista, mas, na prática, realiza um processo de exclusão silenciosa, porém eficiente. As minorias são consideradas “pessoas” apenas durante as eleições, quando suas necessidades são ignoradas ao longo de todo o mandato.

É urgente que questionemos esse sistema. Até quando continuaremos a eleger representantes que jamais nos representaram de fato, permitindo que continuem a nos excluir e destruir de forma sistemática? Onde estão os assessores indígenas na Câmara Municipal de Manaus? Onde estão os secretários indígenas na Prefeitura de Manaus? Está na hora de confrontar a elite branca e racista, que se disfarça de “parda” para fins eleitorais, e exigir uma representação verdadeira e inclusiva para todos.

 Bapo ikoni. Até a próxima pauta.

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(*)Inory Kanamari é a primeira advogada indígena do povo Kanamari e uma das vozes mais relevantes na defesa dos direitos dos povos originários. Palestrante com mais de 50 apresentações no Brasil e no exterior, já integrou comissões da OAB-AM e do Conselho Federal da OAB, e atualmente é membra consultora da OAB-RJ (2025-2027). Atuou como consultora no projeto do CNJ que traduziu a Constituição Federal para a língua Nheengatu e foi professora convidada da Escola de Verão da Universidade Metropolitana de Toronto, no Canadá, em parceria com a Participedia.

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