Exploração sem salvaguardas ameaça bioma costeiro, diz ABC
Por: Cenarium*
07 de agosto de 2025
MANAUS (AM) – A Academia Brasileira de Ciências (ABC) pede mais estudos técnicos e propõe a adoção de medidas para mitigar emissões e proteger manguezais para a liberação da exploração de petróleo na margem equatorial, hoje alvo de um conturbado processo de licenciamento ambiental.
A entidade diz que, para além do risco de impactos locais, a decisão de abrir uma nova fronteira exploratória de petróleo e gás não pode ser tomada isoladamente, “dissociada da ampla agenda global de enfrentamento das mudanças climáticas”.
Com apoio do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sob protestos de organizações ambientalistas, a Petrobras negocia com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a licença ambiental para o primeiro poço em águas profundas na bacia da Foz do Amazonas.
A bacia é considerada a mais promissora da margem equatorial, região que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá, após descobertas gigantes de petróleo na Guiana. A exploração no local é defendida pelo governo e pelo setor como fundamental para repor as reservas brasileiras de petróleo.
Segundo a ABC, a preservação de ecossistemas da região é importante tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico. A porção norte da margem, próxima à da foz do rio Amazonas, por exemplo, envolve ambientes sensíveis, como os recifes da margem amazônica, sistemas ricos em biodiversidade e em recursos pesqueiros.
“A pesca do pargo, por exemplo, registrou em 2022 exportações de 4,65 mil toneladas, sendo a segunda maior receita do setor pesqueiro, atrás apenas da lagosta, também amplamente explorada na região“, diz o documento.
Além disso, abriga uma das maiores extensões contínuas de manguezais do planeta. Esses ecossistemas funcionam como berçários da biodiversidade e garantem segurança alimentar para populações tradicionais.
“A exploração offshore de petróleo e gás natural na região apresenta risco de impactos diretos sobre esses ecossistemas e modos de vida, exigindo avaliação rigorosa e medidas de proteção compatíveis com sua alta relevância ecológica e sociocultural”, diz a associação.
O estudo ressalta ainda que manguezais desempenham papel importante também no sequestro de gases de efeito estufa. Embora representem apenas cerca de 1% da área florestal global, diz o texto, são responsáveis por aproximadamente 3% do carbono sequestrado por florestas tropicais
A conversão de áreas de manguezal em estruturas de apoio à indústria petrolífera, continua, “pode acelerar a liberação de CO₂ por meio da oxidação da matéria orgânica estocada, ampliando a já elevada pegada de carbono associada à atividade”.
“A exploração nessas áreas biologicamente ricas e sensíveis exige uma avaliação rigorosa, com base em estudos detalhados de impactos socioambientais e análise cuidadosa dos riscos envolvidos“, propõe a associação.
A realização de estudos mais aprofundados sobre os impactos é defendida por técnicos da área ambiental do governo. A proposta de uma AAAS (avaliação ambiental de área sedimentar) chegou a ser citada pela Ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva.
A ABC propõe, além de estudos, medidas mitigatórias caso a exploração seja autorizada. Entre elas, a criação de um fundo para investir em programas de mitigação de emissões e proteção dos ecossistemas.
“À luz de uma transição energética justa e necessária, a busca por novas reservas que contribuam para a segurança energética da próxima década pode ser considerada legítima, desde que amparada por mecanismos de transparência e diálogo com a sociedade, bem como pelas salvaguardas ambientais e socioeconômicas cabíveis”, afirma o estudo.
Como instrumentos de mitigação, o trabalho propõe projetos de reflorestamento de áreas degradadas, sistemas de proteção dos manguezais, fomento a mobilidade urbana de baixo carbono, investimento em tecnologias de captura de carbono e apoio direto a comunidades locais.
“Trata-se de uma região ambientalmente sensível e estratégica para o país. Ampliar as pesquisas, fortalecer o monitoramento e garantir planos eficazes de mitigação são passos indispensáveis para proteger os ecossistemas e as populações locais”, afirmou, em nota, a presidente da ABC, Helena Nader.