Exposição negativa nas redes sociais expõe descaso na saúde mental brasileira

Segundo especialista, os internautas estão cada vez menos praticando o sentimento de empatia, que é o respeito pela dor do outro (Reprodução)

Carolina Givoni – Da Revista Cenarium

MANAUS – Um vídeo divulgado nas redes sociais no último fim de semana, expôs a triste realidade das crises causadas pela esquizofrenia, um distúrbio psiquiátrico que acomete cerca de dois milhões de brasileiros e 23 milhões de pessoas ao redor do mundo, segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde. Na capital amazonense, um homem de 35 anos durante um colapso, exumou e transportou o corpo da avó para fora do cemitério, uma das figuras afetivas mais ligadas a ele, e falecida há 2 anos.

A Policia Militar do Amazonas (PM-AM) foi acionada após populares amarrarem o homem identificado como André Januário da Silva, em um poste. Por conta da dissociação da realidade, André chegou a abraçar e dançar com o corpo, antes de ser autuado pela PM.

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Conforme apurou o G1, André Januário da Silva foi criado pela avó desde que nasceu e possuía ligação materna com a idosa, que faleceu de câncer ainda em 2018, aos 82 anos. Segundo a mãe de André, Damiana Januário da Silva, por conta do distúrbio, o filho não compreendia a partida da avó.

Precariedade x exposição

A doutora Alessandra Pereira, especialista em psiquiatria explica que o caso de André explicita o descaso com a saúde mental, não só de pacientes esquizofrênicos como também de outras patologias. “Ele [André] é um paciente de esquizofrenia que estava sem tratamento adequado e independente da patologia, o paciente vai apresentar alterações no comportamento. Ele tinha uma crença delirante, de que poderia trazer a avó à vida. Essa crença é um reflexo da desassistência que nós temos em saúde mental”, explica.

A especialista ainda explica que as pessoas estão cada vez menos praticando o sentimento de empatia, que é o respeito pela dor do outro. “Esse caso de exposição nas redes sociais mostra que a população tem passado dos limites. Isso pode ter relação com a inclusão digital, e como cada indivíduo tem usado da liberdade de expressão. Todos podem expressar opiniões mas que estas nem sempre incluem o respeito que se deve ter pelo outro”, defende.

Alessandra enfatiza que a exposição negativa não afeta apenas os pacientes, mas também a família, e que essa abordagem gera ainda mais preconceito sobre o debate da saúde mental. “Hoje é muito mais importante ‘bombar’ nas redes sociais com uma notícia sensacionalista. Quando na verdade estou expondo algo negativo, que não trará benefícios para ninguém. Quando eu exponho alguém nesta condição, exponho o ser humano e a família, que fica intimidada e envergonhada”, completa.

Atenção à saúde mental no Brasil

A psiquiatra que já compôs o quadro da Associação Amazonense de Psiquiatria (AAP), afirma que antes mesmo da pandemia, o tratamento de saúde mental no Estado já era precário, com baixa cobertura da população e longas esperas para quem busca atendimento.

“Ele [André], assim como outras pessoas, está restrito a tratamento adequado de saúde mental no nosso Estado. Isso ocorria até mesmo antes da pandemia. Essa desassistência é latente. Apesar disso, nós temos os Caps, os atendimentos de psiquiatria geral nas policlínicas, mas não temos unidades de saúde suficiente para atender a população geral. Se você procura um atendimento para saúde mental, você vai conseguir agenda para 4 ou 5 meses”, lamenta Alessandra.

Uma rede de assistência psicossocial atua na distribuição dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) pelas regiões do País, de acordo com a recente reorganização da assistência em saúde mental.

Com a implantação da Reforma Psiquiátrica, que completa 19 anos em 2020, se pretendia trazer uma nova perspectiva de tratamento baseada na valorização do ser humano e no entendimento de que o transtorno mental pode não ser apenas uma doença, mas também um problema social.

Os dados mais atualizados do Ministério da Saúde até o fechamento desta matéria mostram que o Pará, por exemplo, tem 63 Caps. O vizinho, Amazonas, conta com 19 centros.

Pesquisas

Segundo recente pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) problemas de saúde mental têm alta incidência. Algumas cidades brasileiras têm taxas acima de 50%. Os pesquisadores concluíram: é preciso discutirmos melhor o atendimento médico oferecido às pessoas que têm essas doenças. E políticas públicas precisam ser planejadas nesse sentido.

As doenças e transtornos mentais afetam mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com o órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), entre 75% e 85% das pessoas que sofrem desses males não têm acesso a tratamento adequado. No Brasil, a estimativa é de que 23 milhões de pessoas passem por tais problemas, sendo ao menos 5 milhões em níveis de moderado a grave.

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