Extrativistas da Amazônia enfrentam barreiras para acessar recursos de fundos
Por: Ana Cláudia Leocádio
18 de novembro de 2025
BELÉM (PA) – Extrativistas que tiram seu sustento dos produtos das florestas na Amazônia enfrentam o desafio de acessar linhas de financiamento criadas para o combate à crise climática, com vistas a reduzir o desmatamento e manter o bioma preservado, sem que as populações abandonem seus territórios. Estudo apresentado na abertura do pavilhão do Banco da Amazônia, na Zona Verde da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no último dia 10, mapeou as dificuldades enfrentadas tanto pela bioeconomia quanto pela sociobioeconomia na região amazônica, onde apenas 13% dos valores disponibilizados exclusivamente à bioeconomia, por exemplo, são destinados às populações que vivem na região.
Desenvolvida pela rede “Uma Concertação pela Amazônia”, em parceria com a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e a Frankfurt School of Finance and Management, com apoio da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), a pesquisa mapeou 159 mecanismos de financiamento com atuação na Amazônia Legal dos diferentes tipos: exclusivos para bioeconomia; disponíveis à sociobioeconomia; do mercado de capitais (como crédito público, capital empreendedor, filantropia), entre outros.

Ainda segundo os dados divulgados, 23% dos mecanismos pesquisados são direcionados para a bioeconomia, enquanto os 77% têm aplicação mais abrangente, para vários setores de diferentes segmentos econômicos. No que se refere à sociobioeconomia, que não envolve somente a produção econômica, mas tem foco nas pessoas que habitam os territórios amazônicos, 28% dos mecanismos são abertos às comunidades locais, conforme o estudo.
Entre os entraves, estão os obstáculos burocráticos, a falta de assistência técnica, os critérios de aprovação de projetos e os desafios logísticos e estruturais da região. A presidente da Associação dos Produtores e Beneficiadores Agroextrativistas de Beruri, no Amazonas (Assoab), Sandra Amud, acrescenta mais um elemento à lista e reclama de que recursos como do Fundo Amazônia, por exemplo, não chegam à base sem intermediários.
“Na Amazônia, quem geralmente consegue acessar esses recursos são as ONGs, enquanto as associações acabam ficando de fora. Elas não conseguem ter acesso a esses benefícios e fundos que deveriam fortalecer as comunidades, pois o processo é muito burocrático. Essa dificuldade impede que associações e cooperativas de base, que fazem esse trabalho de território, consigam acessar os recursos. Até hoje não conseguimos esse acesso”, afirmou Amud, que se tornou a primeira mulher a liderar a cooperativa que existe desde 1994 na cidade amazonense, dedicada ao beneficiamento da castanha-da-Amazônia, também conhecida como castanha-do-Pará ou castanha-do-Brasil.

Atualmente, a Assoab produz de 20 a 30 toneladas de amêndoas processadas e toda a produção vai para a empresa Natura. A associação, porém, já começou a buscar as certificações necessárias para começar a exportar a castanha desidratada. “A gente trabalha com florestas nativas, com a preservação da floresta. Antes de a associação atuar com os territórios da castanha, havia um grande desmatamento das castanheiras. Hoje, com o trabalho que realizamos, contribuímos para preservar as florestas, gerar emprego e renda para as comunidades”, ressaltou a dirigente.
Sandra Amud diz que, se pudesse conversar com o presidente do Bando Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), Aloizio Mercadante, responsável pela gestão do Fundo Amazônia, pediria mais recursos para o fortalecimento das comunidades, para incentivar o jovem a não abandonar seus territórios em busca de melhoria de vida fora.
“Hoje elas [as comunidades] enfrentam grande vulnerabilidade de acesso e burocracia, e não têm acesso às políticas públicas. As comunidades precisam de apoio financeiro para melhorar a produção, a infraestrutura, inovar com novas tecnologias e inspirar os jovens a permanecerem na comunidade. Atualmente, muitos jovens querem sair em busca de novas oportunidades, porque a comunidade não oferece condições para mantê-los. E manter os saberes, tradições e a cultura é fundamental, pois tudo isso está se perdendo muito”, avaliou Amud.
Além disso, a falta de assistência técnica apresenta-se com um gargalo para quem quer trabalhar com os ativos oferecidos pela floresta amazônica. “No Amazonas, por exemplo, não existe assistência técnica adequada. Para acessar orientação técnica, hoje você tem que pagar, porque não há profissionais fazendo trabalho de campo, fortalecendo e orientando as comunidades. Esse trabalho simplesmente não existe. O governo está ausente e as instituições e fundos que deveriam aplicar recursos nas organizações que representam essas comunidades não fazem esse papel”, reclamou.
O que diz Mercadante
Questionado sobre as dificuldades enfrentadas pelas comunidades amazônidas para acessar os recursos e como o BNDES pode melhorar a política de acesso ao Fundo Amazônia, Aloizio Mercadante disse que, tanto o banco que ele preside quanto o Banco da Amazônia (Basa), oferecem linhas de crédito direto para as pessoas. Ocorre que o Fundo Amazônia é diferente, porque se trata de doações internacionais de nove países, que priorizam projetos de redução do desmatamento.
Conforme Mercadante, 655 organizações beneficiadas nos 139 projetos apoiados pelo fundo, que somente no primeiro semestre de 2025 aprovou mais de R$ 1 bilhão em projetos. “Agora, você precisa ter prestação de conta, porque o dinheiro não é reembolsável, é como se fosse uma doação. Mas é um dinheiro público, então tem que ter prestação de conta, transparência, tem que ter uma estrutura de gestão”, justificou.

Segundo o gestor, não se pode pulverizar os recursos e depois não prestar conta. “O BNDES hoje, entre oito mil empresas públicas, somos a mais transparente do Estado brasileiro. Então, tudo que a gente vai instalar, onde foi, quem recebe, como é que entra, como é que vai. E do outro lado, nós estamos fazendo crédito”, afirmou. O crédito a que ele se refere é voltado a políticas de reflorestamento, que já tem R$ 7 milhões destinados à plantação de 180 milhões de árvores em toda a Amazônia.
“E muitas vezes são grandes empresas que estão vindo, e é muito bom que eles venham ajudar a restaurar a Amazônia, a transformar o arco de desmatamento no arco de restauração. Aí é crédito, é um dinheiro reembolsável, é uma taxa de juros subsidiada, mas aí a gente consegue operar com a empresa”, explicou.
Governo lança programa na COP30
O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, lançou o programa Coopera + Amazônia, nesta segunda-feira, 17, última semana da COP30, em Belém. No total serão disponibilizados R$ 107,1 milhões para impulsionar cadeias produtivas do açaí, castanha-do-Brasil, babaçu e cupuaçu, e que contemplará os Estados do Amazonas, Pará, Rondônia, Maranhão e Acre.
Segundo informações do governo federal, o programa deve atender a 50 cooperativas e beneficiar 3.350 famílias extrativistas. Dos 107,1 milhões, R$ 103,5 milhões serão financiados pelo BNDES via Fundo Amazônia e, R$ 3,7 milhões, pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A iniciativa deve ser executada em quatro anos, divididos em dois ciclos, com 25 cooperativas em cada ciclo. Os recursos são destinados à aquisição máquinas e equipamentos, assistência técnica e extensão rural, consultorias de gestão, acesso a crédito e apoio para abertura de novos mercados.
Experiência no Amapá
Em Laranjal do Jari, no Estado do Amapá, o presidente da Cooperativa Mista dos Produtores e Extrativistas do Rio Iratapuru (Comaru), Ademir Pereira da Cunha, afirma que os atuais 38 produtores cooperados trabalham com a cadeia da castanha e breu branco, desde 2003, com receita anual entre R$ 2 a R$ 3 milhões. Cunha enfatiza a extrema dificuldade burocrática que as cooperativas enfrentam para acessar fundos de apoio como o Fundo Amazônia, e aponta que as agências financiadoras viagem aos locais da Amazônia, para entender as reais necessidades dos extrativistas.

Os recursos financeiros são necessários para que os extrativistas melhorem a infraestrutura para beneficiar seus produtos e preservar a qualidade até a entrega ao comprador. Cunha conta que, antes de estruturar a cadeia produtiva na cooperativa, cada um vendia seus produtos em troca de alimentos a preços definidos pelos comerciantes, geralmente muito baixos.
“Hoje conseguimos vender com melhor preço e melhorar as condições dos produtos que chegam à nossa agroindústria. Isso vem favorecendo cada vez mais o crescimento da nossa comunidade”, relatou. Por ano, a Comaru produz em torno de 35 toneladas de óleo de castanha com uma geração de renda de até R$ 3 milhões por ano.
Depois de muitas dificuldades, o dirigente conta que conseguiram acessar financiamentos por meio da Natura e do Fundo Brasileiro da Biodiversidade (Funbio), um mecanismo sem fins lucrativos, que destinou R$ 400 mil para a reforma da agroindústria da Comaru. Para Cunha, a maior dificuldade enfrentada pelos extrativistas, atualmente, é a falta de uma instituição que sinalize crédito exclusivo para organizações como a dele ou para os moradores diretamente afetados, que nos discursos oficiais são chamados de guardiões da floresta.

“Para sermos guardiões também precisamos de apoio financeiro para melhorar as condições de vida da comunidade. Falta mais apoio do governo. Existe muita burocracia e exigências de regularização, como o título da terra. Para uma cooperativa acessar R$ 1 ou R$ 2 milhões, por exemplo, é muito burocrático. É preciso reduzir essa burocracia para que os projetos cheguem às comunidades”, reiterou.
Pesa ainda o fato da desconfiança, porque os extrativistas se queixam de que os mecanismos de financiamento precisam sempre que algum intermediário chancele seus projetos para viabilizar a aprovação e não se dispõem a visitar os locais para saber como eles operam o trabalho. Aldemir Cunha apela para que os operadores dos programas de financiamento conheçam melhor a realidade dos projetos dos extrativistas para ampliar a proteção das florestas e, assim, poder viabilizar os recursos necessários.

“Vá até a minha comunidade conhecer nossa realidade e tente sistematizar formas mais acessíveis nos editais para cooperativas e associações, reduzindo burocracias. Quem vive o dia a dia sabe a dinâmica da produção e das necessidades da comunidade”, disse.
Agrofloresta dá resultados em RO
No Distrito de Nova Califórnia, em Porto Velho, no Estado de Rondônia, o projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca), conseguiu por meio de sistemas agroflorestais encontrar o caminho de geração de renda com alta concentração na cadeia do cupuaçu, principalmente, que além da polpa, também extrai o óleo das sementes e agora começa um novo projeto para a produção do cupulate (um chocolate da semente do cupuaçu).
O gerente comercial da Reca, Gicarlos Souza de Lima, viajou a Belém para participar da programação da empresa Natura na AgriZone, um espaço paralelo à COP30, onde é possível conhecer as experiências não apenas dos grandes representantes do agronegócio, mas dos extrativistas, da agricultura familiar que também realizam um trabalho substancial na produção de alimentos de forma sustentável.

Fundado por pequenos produtores na década de 1980, o Reca mudou de rota para se concentrar no sistema agroflorestal e hoje tem foco nas culturas de cupuaçu, açaí e castanha, após perceber que as monoculturas tradicionais não eram adequadas para a Amazônia. A cooperativa processa, comercializa e distribui produtos como polpa, manteiga e óleos vegetais, tendo a Natura como um cliente para os óleos e os mercados do Sudeste para os derivados do cupuaçu, principalmente a polpa. Em 2025 foram 600 toneladas de polpa e aproximadamente 50 toneladas de manteiga e o faturamento deve chegar a R$ 17 milhões, em 2025.
“Agora também iniciamos um processo com amêndoas orgânicas para produzir o cupulate. Sobre os óleos vegetais, nosso principal cliente é a Natura, mas temos outros clientes. No caso das polpas, trabalhamos no atacado e vendemos para a região Sudeste. O Reca é um dos maiores produtores de cupuaçu do Brasil”, reiterou.
Gicarlos detalha que a experiência desde a década de 80 deu à cooperativa os conhecimentos necessários para acessar mecanismos de financiamento para que pudessem estruturar toda a agroindústria, para melhor aproveitar os insumos da floresta. A reclamação fica por conta da falta de assistência técnica do setor público, porque na Reca esse trabalho precisa ser contratado e demanda muitos recursos financeiros, o que reduz a rentabilidade dos cooperados. Outro problema é a mudança do clima, que vem alterando o período das safras o que traz prejuízos na organização da cadeia da cooperativa.

“Temos sentido os efeitos. A mudança no período da safra tem sido um grande desafio. Na nossa região, o cupuaçu, que é nosso carro-chefe, costuma começar a produzir em dezembro, quando há um bom período de chuvas no segundo semestre. Este ano, embora a safra tenha sido recorde, ela se concentrou praticamente entre maio e junho. Isso gerou uma produção muito grande em um período muito curto, o que nos trouxe prejuízos por perdas de fruto”, explicou Gicarlos, que também teve prejuízos com a baixa produção de açaí em 2025, pois da média de 200 toneladas, este ano, caiu para 20 toneladas do produto.
Tucumã traz renda no Pará
Maria Fernanda de Oliveira Lima é gestora de projetos da Cooperativa Agropecuária dos Agricultores Familiares Irituenses (D’Irituia), no Nordeste do Pará. A cooperativa foca na agricultura familiar e no extrativismo, especialmente nas cadeias do tucumã e do murumuru, que atualmente são fornecidos para a empresa Natura. A cooperativa também começa a iniciar o projeto de Sistema Agroflorestal (SAF) da macaúba. Os produtos da agricultura familiar são vendidos principalmente para o programa federal de aquisição da merenda pelas próprias escolas.
Segundo Maria Fernanda, a produção hoje depende muito das safras. Há anos em que eles conseguem extrair de 200 toneladas a 500 toneladas dos produtos, mas varia de acordo com as condições climáticas. “O tucumã, por exemplo, depende de muita chuva para ter uma boa florada. Ele é um fruto do inverno, mas ainda assim necessita de água e de sol. Por isso, alguns anos não alcançamos o volume esperado”, afirmou.

Na avaliação da cooperada, uma das dificuldades enfrentadas para acessar os mecanismos de financiamento está na falta de regularização fundiária, principalmente para quem não trabalha diretamente em reservas extrativistas e precisa acessar o recurso.
“Acredito que, o que ainda dificulta nosso acesso a novos investimentos, são as questões de regularização fundiária e ambiental. Na cooperativa, alguns cooperados possuem o título definitivo da terra, mas não todos, e isso acaba influenciando na avaliação de investidores e fundos”, explicou. A D’Irituia tem 42 cooperados diretos, alcança 200 famílias de forma direta e tem toda a sua diretoria formada por mulheres, segundo destacou Maria Fernanda.
Os extrativistas informam que contam, principalmente com os programas de apoio técnico de financiamento da Natura, que tem possibilidade acesso direto a recursos financeiros, o que acaba promovendo a melhoria da infraestrutura e melhor aproveitamento das cadeias produtivas dos insumos florestais.