Facções criminosas ‘impõem regras’ em campanhas eleitorais no Pará
Por: Fabyo Cruz
21 de outubro de 2024
BELÉM (PA) – O Pará testemunhou uma escalada da influência do crime organizado no primeiro turno das eleições municipais de 2024, com relatos de extorsão e violência dirigidos a candidatos em diversas localidades do Estado. A chamada “taxa do crime”, cobrada por facções criminosas, se tornou um mecanismo de controle político nas áreas periféricas e em municípios distantes da capital, Belém.
A Rede de Observatórios da Segurança (ROS) registrou nove casos de extorsão no Pará durante a primeira etapa das eleições. Entre os episódios mais emblemáticos está o ataque à sede do comitê eleitoral de Dr. Chiquinho (PDT), candidato a vereador em Belém.
Na madrugada de 29 de outubro, o comitê, localizado no bairro da Cabanagem, foi alvo de uma ação criminosa. Segundo o candidato, ele vinha recebendo ameaças de integrantes do crime organizado, que exigiam pagamento para permitir a realização de sua campanha na comunidade, onde já havia sido eleito vereador por dois mandatos.

Outro caso notável ocorreu no bairro do Bengui, onde o candidato Léo do Bengui relatou, em nota publicada nas redes sociais, que desde setembro vinha recebendo exigências de pagamento por parte de membros do Comando Vermelho (CV). No dia 16 de novembro, dois homens, apontados pelo postulante como membros da facção, foram detidos após tentarem fechar, à força, o comitê do candidato.
A violência não se limitou a ameaças e extorsões. No dia 17 de agosto, Franklin Tavernard Sales Costa (PP), também candidato a vereador, teve sua casa atacada por um grupo armado em Barcarena, na Região Metropolitana de Belém (RMB).
O atentado, que envolveu disparos de arma de fogo, foi atribuído ao Comando Vermelho, que havia exigido pagamentos para que Franklin pudesse fazer campanha no bairro de Itupanema. O não pagamento teria motivado o ataque.

Domínio nas periferias
À CENARIUM, Lucas Moraes, pesquisador da ROS no Pará, destacou que a presença das facções não só afeta diretamente as campanhas políticas, mas também compromete o relacionamento entre o Estado e a sociedade.
“As campanhas eleitorais são uma forma da população entender as propostas dos candidatos e se aproximar dos governantes, mas com o avanço do Comando Vermelho nos últimos anos, esse processo tem sido interrompido. O Estado perde controle sobre determinados territórios, o que afeta profundamente a relação entre sociedade e governo, pois o crime organizado dita quem pode ou não acessar essas áreas”, explica.

O pesquisador também observa que a ausência de políticas públicas em regiões periféricas contribuiu para o fortalecimento do narcotráfico. “O narcotráfico se apropria de áreas precárias onde o Estado não chega, estruturando uma economia paralela. Nessas comunidades, as pessoas vivem à margem do Estado, sofrendo com a falta de educação, saúde, saneamento e moradia. Isso cria o cenário perfeito para que as facções assumam o controle,” afirma.
Nas áreas controladas por facções, o crime organizado atua como uma espécie de “autoridade local”. De acordo com Moraes, nas áreas em que o Estado falha, as facções preenchem o vácuo de poder, impondo as próprias regras.
Essa dinâmica impacta não apenas as campanhas eleitorais, mas também o cotidiano dos moradores, que vivem sob constante pressão e medo. “O crime organizado oferece uma alternativa para jovens sem oportunidades, que acabam sendo cooptados pelas facções. Esse ciclo de exclusão alimenta o poder das organizações criminosas”, ressalta Moraes.
Influência na política
Além disso, Lucas Moraes alerta para os riscos a longo prazo. “A presença do narcotráfico nas campanhas altera profundamente a dinâmica social e econômica das regiões afetadas, comprometendo a governança local. As facções buscam influenciar as políticas públicas ao eleger candidatos que atendam a seus interesses. Isso fragmenta a sociedade e corrompe os valores cívicos”.
Perguntado sobre o que pode ser feito para mitigar a influência do crime organizado nas próximas eleições, o pesquisador sugere que o Estado deve fortalecer sua presença em territórios periféricos, não apenas com ações de segurança, mas também com políticas sociais.
“O Estado precisa consolidar sua presença, fortalecendo suas bases, tanto sociais quanto políticas, nas áreas mais vulneráveis. A segurança deve ser garantida não apenas para os candidatos, mas para toda a sociedade. O crime organizado pode eleger políticos alinhados com seus interesses, então é essencial fiscalizar e monitorar essas bases para evitar que o poder do tráfico continue a crescer”, analisa Moraes.
Para o pesquisador da ROS no Pará, a interferência do narcotráfico nas eleições de 2024 no Pará é um reflexo do controle que as facções criminosas vêm exercendo sobre territórios e comunidades, um desafio que exige uma resposta firme do Estado para restabelecer a segurança e a democracia em áreas vulneráveis.