‘Falar de grilagem é falar de assassinatos’, diz líder indígena Kokama

O crime de grilagem tem sido muito falado nos últimos meses após a criação da MP 910. (arte: REVISTA CENARIUM)

Thiago Fernando – Da Revista Cenarium

MANAUS – O último relatório apresentado pelo Global Forest Watch, organização que mantém uma plataforma online de monitoramento global de florestas, aponta que o Brasil foi responsável por um terço do desmatamento mundial de terras virgens, em 2019. Apesar da triste realidade, a situação pode piorar, caso o Projeto de Lei 2.333/20, o ‘PL da Grilagem’, seja aprovado pelo Congresso Nacional.

O assunto chamou a atenção de ambientalistas, ativistas e indígenas que se veem ameaçados diante da medida e intensificam manifestos por respeito e preservação da flora e da fauna na Semana do Meio Ambiente.

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“Falar de grilagem é falar de assassinatos”

Os povos indígenas são os que mais sofrem e lamentam o avanço dos grileiros. De acordo com a diretora da Federação Indígena do Povo Kokama, Milena Kokama, o descompromisso do Governo Federal com a preservação das florestas e dos povos indígenas só confirma a sua incapacidade de gerir a nação.

“Falar de grilagem é falar de assassinato. É falar de vidas que não tiveram chance e viver. Tudo isso tem sido um ataque direto aos povos indígenas. E isso não acontece apenas com os grileiros, mas também com quem invade para explorar a mineração. Eles envenenam nossos rios e nossos alimentos. Tudo isso acontecendo por cauda desse tal progresso que é tanto pregado por esse governo fascista que nos assassina e não tem compromisso com o seu povo”, reclamou Milena.

Para a representante da tribo Kokama, instalados na região de Tabatinga (1.100 km em linha reta de Manaus), tende a aumentar o número de líderes indígenas mortos em confrontos com grileiros caso a PL seja aprovada.

“Todos os dias são noticiados os assassinados por causa da grilagem. Não estamos mais seguros nos nossos territórios. Eles (grileiros) vão invadir nossas terras e lagos. Por isso, vamos reagir e resistir. Vemos isso como uma forma de nos assassinar. Muitas lideranças tem sido mortas por causa do avanço dos grileiros. A situação dos povos indígenas fica muito pior, sendo que já está muito ruim”, disse.

Em 2019, grilheiros invadiram a aldeia Piranha, do povo Mura, no Careiro Castanho (Arquivo Mula)

Entenda o ‘PL da Grilagem’

Tendo como relator o Deputado Federal Marcelo Ramos (PL), o PL foi apresentado no último dia 19 de abril, após a Medida Provisória anterior não entrar em discussão, antes de atingir o prazo máximo de tramitação na Câmara Federal.

A nova ação revoltou ambientalistas e órgãos que buscam a preservação do meio ambiente por facilitar a atuação dos grileiros. Um dos itens discutidos é o artigo que permitiria que terras públicas desmatadas com até 2.500 hectares (o equivalente a 2.500 campos de futebol) se tornem propriedade de quem as ocupou irregularmente, desde que se cumpram alguns requisitos.

Para o ambientalista José Antônio Coutinho, apesar de ter como um dos principais argumentos evitar os conflitos fundiários, essa desburocratização do processo de legalização do espaço ambiental pode trazer resultados negativos.

“Podemos entender que a proposta traz uma modulação onde se propões define os critérios para regularização de terras públicas da União e do Incra. Essa proposta do ponto de vista de evitar os conflitos fundiários é extremamente importante. O que nos preocupa é que após essas regularizações, ocorra aumento nas apropriações indevidas das terras públicas. Por isso, tornar-se inviável a aceitação dessa PL, porque passa a interferir diretamente na preservação da floresta”, explicou Coutinho.

Entidades como Greenpeace, ISA e SOS Amazônia divulgaram uma nota oficial onde afirmaram que os deputados estariam cometendo uma ‘criminosa irresponsabilidade’ caso aprovassem a PL. Além disso, lançaram em suas redes sociais um movimento nomeado de #PL2633NÃO. A ação rapidamente recebeu o apoio de artistas brasileiros como: Anitta, Bela Gil, Bruno Gagliasso e Mateus Solano.

O WWF Brasil, organização que trabalho em mais de 100 países no combate do desmatamento, informou que somente no ano passado, o desmatamento da Amazônia foi equivalente à oito vezes o tamanho do Rio de Janeiro (RJ) e grande parte disso foi causado por grileiros.

O desmatamento ilegal cresce na Amazônia (Divulgação)

“O roubo de terras públicas, conhecida como grilagem, é uma das causas e afeta todo brasileiro. Os grileiros invadem e desmatam as terras públicas antes de venderem. Assim, ganham muito dinheiro em cima da propriedade federal. Fora isso, onde existe grilagem, existe violência e conflitos, principalmente com povos indígenas”, informou através da assessoria.

Desenvolvimento não pode ser a desculpa

De acordo com José Coutinho, o desenvolvimento do País e o crescimento econômico não podem ser utilizados como motivos para diminuírem as ações de proteção ambiental. Para o ambientalista, é necessário encontrar um meio de alinhar essa parte importante para a economia nacional com a preservação das nossas florestas.

“Acredito que precisamos avançar e evoluir nas questões ambientais. Independente dos apropriadores serem pequeno, médio ou grande produtores, se eles já estão operando nestas localidades, devemos regularizar e entrarem nos processos de controle ambiental. Não podemos deixar isso de lado”, concluiu.

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