Falta de equipamentos e retaliação popular ameaçam trabalho de fiscais do Ibama

Helicóptero do IBAMA foi atacado em Manaus na madrugada. Foto: Divulgação

Com informações do Infoglobo

RIO E BELÉM – Falta de equipamentos adequados para o trabalho, ameaças políticas, redução de equipes e até retaliação popular. A realidade nos bastidores das fiscalizações tem deixado agentes do Ibama se sentindo acuados e provocado medo de ações violentas como a do incêndio de um helicóptero usado pelo instituto num aeroclube em Manaus, em 24 de janeiro. Fiscais ouvidos pelo GLOBO revelam que incêndios criminosos contra equipamentos do Ibama são mais comuns do que se imagina. Um levantamento da Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema) aponta que, de 2017 até hoje, foram ao menos 15 casos graves em que os profissionais ou o patrimônio do instituto estiveram sob risco. Deste total, 10 foram ataques com fogo.

Sob anonimato para evitar represálias dentro e fora do órgão, os fiscais contaram já terem sido alvo até de disparos de armas de fogo, sobretudo em áreas mais ameaçadas e disputadas por madeireiros e garimpeiros, como a Amazônia. Procurado para comentar as queixas dos fiscais, o Ibama não se pronunciou.

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“Um servidor levou garrafada na cara e colegas foram alvejados. O fiscal tem família, esposa, filhos. A gente quer voltar para casa após o fim do expediente, mas não vemos amparo na atual gestão do meio ambiente”, conta um servidor que, dias antes do incêndio no aeroclube, voou no helicóptero destruído pelo fogo.

O atentado em Manaus levou à prisão pela Polícia Federal em Goiânia do empresário Aparecido Naves Júnior, apontado como o mentor intelectual do ataque, em que outro aparelho sofreu avarias mais leves. Naves Júnior é acusado de operar voos para os garimpos.

Piora desde setembro

O servidor acredita que a situação foi ficando mais grave a partir de setembro. Naquele mês, lembra, bandidos já haviam ateado fogo a uma caminhonete no pátio do Ibama em Boa Vista. Na época, era feita uma investigação para desestruturar a logística usada nas áreas exploradas ilegalmente pelo garimpo e bloquear cerca de 270 pistas de pouso clandestinas. A ação resultou na destruição de seis helicópteros e 15 aviões, além de caminhonetes, equipamentos de rádio e alojamentos serem inutilizados. “Essas retaliações acontecem de maneira espalhada e envolvem também grupos de facções criminosas que se aliaram aos garimpeiros”, diz o fiscal.

Uma retaliação era esperada desde que, em novembro, uma operação que reuniu o Ibama, a Polícia Federal, a Marinha e a Força Nacional dispersou e destruiu balsas de garimpo que haviam formado uma cidade flutuante no Rio Madeira, no município amazonense de Autazes, para retirada ilegal de ouro. Após a ação, um ato em frente à sede do Ibama em Boa Vista foi convocado pela Associação dos Garimpeiros Independentes de Roraima, que conclamou o “apoio da população e de empresários a unir forças com a nação garimpeira”. A Força Nacional foi acionada para fazer a segurança do local.

Equipamentos roubados

Antes dessa convocação pública contra a instituição, servidores que atuam na defesa do meio ambiente e das terras indígenas já tinham de enfrentar o vandalismo e agressões no estado. Em maio, por exemplo, garimpeiros invadiram a Estação Ecológica de Maracá, uma das sedes do ICMBio em Roraima, fizeram três brigadistas reféns, roubaram todos os materiais apreendidos em uma fiscalização realizada duas semanas antes, e levaram cinco quadriciclos e oito motores de popa.

A agressão veio na esteira de uma percepção entre os fiscais de que, nos últimos três anos, essa agressividade se tornou mais comum e ganhou maior apoio político.

“Apesar de esse tipo de ataque não ser uma novidade, o que se percebe é que, de 2019 para cá, ele tem se tornado muito mais presente e forte, principalmente devido aos discursos políticos que apoiam a extração ilegal de minérios”, relatou um fiscal que participou da operação de desmobilização do garimpo no Rio Madeira.

Em 2019, no Parque Nacional dos Pacaás Novos, em Rondônia, os fiscais Carlos Rangel da Silva e João Ribeiro sofreram retaliações da população ao apreender toras de madeira ilegal e prenderem o responsável pela derrubada da mata da reserva florestal. Populares pegaram a mercadoria de volta, quebraram a câmera de Rangel — que, na época, tinha 70 anos — e soltaram o homem detido.

Situação pior aconteceu na cidade de Placas, no interior do Pará, em julho do mesmo ano. Dois fiscais do Ibama escaparam de morrer incendiados na caminhonete em que estavam, ao tentarem interceptar um caminhão que transportava toras de madeira ilegal. Ao irem prestar queixa na Polícia Civil, os dois foram retidos por um protesto de moradores de Placas defendendo o madeireiro responsável pela retirada da madeira. O homem, na ocasião, chegou a gravar vídeos derrubando uma tora de madeira e áudios ameaçando a vida dos fiscais. Ambos só conseguiram deixar a delegacia depois de uma negociação com os manifestantes.

Ao mesmo tempo que a criminalidade tenta pôr um freio na fiscalização, o Ibama perde recursos e capacidade de enfrentar os criminosos. No ano passado, o órgão tinha à sua disposição R$ 219 milhões destinados à fiscalização, mas só liquidou 41% disso, o equivalente a R$ 88 milhões. Boa parte da verba deveria ser investida em melhorias de condições de trabalhos dos fiscais e contratação de novos profissionais, mas foi gasta em compras de equipamentos e afins.

Colete vencido

Apesar disso, os fiscais ouvidos pelo GLOBO dizem que, nos últimos dois anos, tornou-se comum servidores da fiscalização atuarem com coletes de proteção vencidos, sem usar spray de pimenta — equipamento considerado de menor potencial ofensivo para revidar ataques moderados — e dispondo apenas de dois tipos de armamento: pistola de calibre 40 ou espingarda calibre 12. No entanto, segundo um agente do Ibama, apenas cerca de 20 fiscais têm habilitação para utilizar esse tipo de espingarda.

“Esse preparo precisa partir do Ibama. Não se podem entregar armas nas mãos de quem não tem conhecimento de como devem ser usadas, por risco da própria vida e da vida de outros. Hoje não temos equipamentos de baixo impacto, e é injusto rebater uma pedrada com um tiro”, diz um fiscal.

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