Falta de isenção no IPTU a templos de matriz africana em Manaus vira alvo do MPF
Por: Lucas Thiago
21 de junho de 2025
MANAUS (AM) – O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas instaurou, na última terça-feira, 17, inquérito civil para apurar suspeitas de discriminação contra povos de terreiro da capital, em razão da falta de isenção no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) para templos de religiões de matriz africana. A Portaria 11 foi publicada no Diário Oficial do órgão.
“[O MPF] resolve instaurar inquérito civil para apurar a existência de discriminação indireta contra povos de terreiro, que são comunidades tradicionais, nos requisitos exigidos pelo município de Manaus para a concessão de imunidade tributária a templos de matriz africana”, diz um trecho da publicação.
A procuradora da República Janaina Gomes Castro e Mascarenhas, autora do procedimento, levou em consideração que a Constituição Federal, em seu Artigo 150, Inciso VI, Letra “b”, e Parágrafo 4º, veda a cobrança de qualquer imposto sobre patrimônio, renda e serviços dos templos de qualquer culto, bem como que esta imunidade representa a extensão do direito fundamental à liberdade de consciência e de crença (CF-88, art. 5º, incisos VI, VII e VIII).
Entre as providências a serem tomadas, Mascarenhas determina que a Secretaria de Fazenda de Manaus “adapte os requisitos documentais às comunidades de terreiro para obtenção da imunidade de templos, uma vez que são comunidades tradicionais.”

O inquérito civil público é um procedimento investigatório para descobrir se um direito coletivo foi violado. Para tanto, o membro do Ministério Público pode solicitar perícia, fazer inspeções, ouvir testemunhas e requisitar documentos para firmar seu convencimento.
Apuração anterior
O MPF realiza, desde 2014, reuniões sobre o assunto com representantes dos povos que cultuam religiões de matrizes afro-brasileiras. A última, de forma on-line, foi com a procuradora Janaína Mascarenhas e ocorreu antes do procedimento investigatório, no dia 5 de junho deste mês.
Naquele ano, o Ministério Público Federal (MPF) já havia recomendado à Prefeitura de Manaus a catalogação de espaços de matriz africana no município com o intuito de isentar do IPTU essas entidades. O inquérito civil foi instaurado por meio do procurador da República José Araújo.
Ele solicitou, na época, que a Prefeitura de Manaus e a Secretaria Municipal de Finanças (Semef) reconhecessem a imunidade do imposto predial, deixando de efetuar qualquer tributo mediante o processo de cadastramento de autorreconhecimento desses povos. Mesmo com a solicitação, os gestores que passaram pela Prefeitura de Manaus não atenderam ao pedido do MPF.
Ele solicitou, na época, que a Prefeitura de Manaus e a Secretaria Municipal de Finanças (Semef) reconhecessem a imunidade do imposto predial, deixando de efetuar qualquer tributo mediante o processo de cadastramento de autorreconhecimento desses povos. Mesmo com a solicitação, os gestores que passaram pela Prefeitura de Manaus não atenderam o pedido do MPF.

As ações foram encabeçadas pela Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana (Aratrama), junto a outras organizações que, juntas, reforçam o direito religioso amparado na Constituição Federal.
O pai de santo e coordenador-geral da Aratrama, Alberto Jorge, destacou à CENARIUM as dificuldades enfrentadas pelos templos de religiões de matriz africana em Manaus para obter os mesmos direitos de outros grupos.
‘‘É um descaso, quando vamos na Secretaria de Finanças (Semef), nos passam uma cartilha de exigências sem nenhuma orientação ou qualquer atendimento verbal. A prefeitura passou todos os templos religiosos cadastrados com isenção do IPTU para o MPF, que fez a solicitação para comprovar que não existia nenhuma casa de matriz africana entre os isentos do imposto. No documento, é possível comprovar que a preferência é para as igrejas evangélicas de Manaus”, declarou Alberto Jorge.
Veja a lista de entidades religiosas isentas de IPTU em Manaus
Alberto Jorge ainda declara que prefeitos de gestões anteriores pelo menos “dialogavam” com os representantes de matriz africana, mas que o atual prefeito de Manaus, David Almeida, “nunca ligou” para o assunto.
‘‘Espero que o prefeito coloque a mão na consciência, que ele consiga perceber que está cerceando o direito dos povos de matriz africana. O que o Ministério Público Federal levanta é a evidência de favoritismo a outras religiões, principalmente com apoio a eventos gospel”, destacou.
A CENARIUM solicitou esclarecimentos da Secretaria Municipal de Finanças (Semef) sobre o recebimento do inquérito do MPF e se a Prefeitura de Manaus vai cumprir com a recomendação da procuradora da República. De acordo com a pasta, devido ao ponto facultativo dessa sexta-feira, 20, o órgão precisa de um parecer técnico de um gestor, que será dado a partir da segunda-feira, 23.