Familiares de ciclista morta lamentam arquivamento de caso: ‘Convivemos com uma história cheia de parcialidade’

Familiares e ciclistas indignados, organizaram uma manifestação em frente do motorista responsável pelo acidente ocorrido. (Reprodução/Arquivo Pessoal)

João Paulo Guimarães – Da Revista Cenarium

BELÉM – “Minha filha, eu vou morrer! Ele me viu e fez de propósito”. A frase é da ciclista de 54 anos, Janice Dias da Silva, morta em caso de atropelamento, que nesta sexta-feira, 11, foi arquivado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA). Familiares e ciclistas indignados, organizaram uma manifestação em frente ao condomínio de Mariano de Oliveira Lages, motorista responsável pelo acidente ocorrido 26 de agosto deste ano, na avenida Senador Lemos, uma importante via da capital paraense.

Na decisão, o juiz da 4ª Vara Criminal de Belém, Altemar da Silva Paes, acatou o pedido do Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA) e da Polícia Civil do Estado, alegando que não havia “indícios de qualquer delito praticado pelo investigado”.

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“Minha filha, eu vou morrer! Ele me viu e fez de propósito”, o trecho do depoimento da testemunha afirma que a vitima expressou revolta enquanto era socorrida debaixo do carro que a esmagou várias vezes. (Reprodução/Internet)

Revolta e tristeza

A filha da Chef de cozinha, Jaqueline Martins, dá detalhes sobre o acidente. “A gente tem um laudo das câmeras, onde se vê claramente que os cálculos de velocidade (básicos) não condizem com a realidade. Um texto onde a maior mensagem que vejo é de que ‘ela estava na contramão’, declara revoltada.

“Arrancaram um pedaço grande de mim, ela era minha companheira, uma mãe parceira, alegre e verdadeira”, diz Elizabeth Martins, uma das filhas da ciclista. (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“A pessoa referência da minha vida partiu e agora convivemos com uma história cheia de parcialidade”. O laudo citado por Jacqueline é do Centro de Perícias Cientificas Renato Chaves, em que o processo aponta para culpabilidade da ciclista. Ainda segundo a filha, testemunha viram algo que não consta no vídeo. “É como se todas as evidências e testemunhas que apontam para o crime tivessem sido ignoradas”, detalha Martins.

Uma das filhas de Janice, Elizabeth Martins, ainda tentou entrar em contato com a família de Mariano para diálogo, mas foi bloqueada nas redes sociais. “Sobre a morte inexplicável da minha mãe, posso dizer que nunca senti uma dor maior. Arrancaram um pedaço grande de mim, ela era minha companheira, uma mãe parceira, alegre e verdadeira”, afirma Elizabeth.

“A gente tem um laudo das câmeras, onde se vê claramente que os cálculos de velocidade (básicos) não condizem com a realidade”, critica Jacqueline, filha de Janice sobre o laudo pericial do acidente. (Reprodução/Internet)

“Ela era ‘durona’, mas tinha com coração cheio de amor. Ela como avó, posso dizer que tinha um amor puro, ela voltava a ser criança com os netos. Era a única referência de avó na rotina deles, ela preenchia tudo”, finaliza Jaqueline Martins, desolada e revoltada com a partida da mãe.

Constitucionalidade

O Supremo Tribunal Federal (STF) confirma constitucionalidade da pena a motorista que foge de local de acidente. Na jurisprudência, o STF assegura que o direito ao silêncio e a garantia de não autoincriminação não conferem o direito à fuga do local do acidente pelo motorista que nele se envolveu.

Janice foi atropelada enquanto pedalava na avenida Senador Lemos (Reprodução/Internet)

No artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), pune com detenção de seis meses a um ano, o condutor do veículo que se afasta do local do acidente “para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”.

Assim como o artigo 135 do CTB, “deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”, que determina pena de um a seis meses ou multa.

O artigo declara que a pena pode ser aumentada pela metade, se a omissão resultar lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resultar em morte.

Entenda o caso

Janice Dias Silva foi esmagada enquanto estava parada, à espera de espaço no trânsito na avenida Senador Lemos. E ao ver o carro em movimento, recuou a bicicleta para trás. Janice era Chef de cozinha e gostava de pedalar pela cidade, um dos hobbies que escolheu para manter a vida saudável.

Era mãe de Jaqueline Silva Martins e morreu debaixo de um carro blindado, dirigido por um motorista que falava ao celular de acordo com testemunhas. Janice teve fratura da bacia e disfunção múltipla de órgãos.

Mariano de Oliveira Lages, 67 anos, nascido no Maranhão, é o homem que abandonou o local 13 minutos depois da colisão na saída da garagem do condomínio onde vive. Testemunhas afirmam que Lages saiu caminhando calmamente e falando ao celular, deixou Janice debaixo do seu carro sob o cuidado de populares.

Mariano é proprietário da Pará Ferro, empresa que vende ferro e aço há 24 anos. A companhia tem uma das sedes na avenida onde o acidente ocorreu. Segundo analistas jurídicos, caso Mariano tivesse prestado socorro à chef de cozinha, não haveria uma cena de crime e sim um acidente de trânsito.

No entanto, Lages fugiu do local e a legislação brasileira é categórica: Mariano cometeu um crime. E apesar de constarem vídeo e testemunhas, afirmando positivamente à evasão do local e a não prestação de socorro à vítima, o empresário foi inocentado. A alegação principal para o arquivamento do caso seria de que Janice, a vítima do acidente, estaria “colocando em risco sua vida ao trafegar no sentido contrário da avenida”.

Veja o laudo do acidente

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