Famílias mudam hábitos e vão até a Justiça para salvar filhos da crise do clima

Crianças dão novo senso de urgência à situação; é preciso acolher seus medos (Zo Guimarães/Folhapress)

Com informações da Folhapress

SÃO PAULO — Pensar em inundações, temperaturas extremas e aumento de doenças respiratórias, entre outros cenários alarmantes da atual crise climática, não traz tranquilidade a ninguém. Muito menos a quem acabou de dar à luz um filho e precisa garantir que o mundo continue a ser um lugar minimamente habitável. Diante das evidências cada vez mais contundentes da emergência dos problemas ambientais, famílias com crianças e adolescentes têm tomado medidas diversas para reagir à situação. Elas vão de ações individuais a coletivas.

Durante a COP26, a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas realizada em novembro, pais e mães de 44 países, incluindo o Brasil, assinaram uma carta pedindo urgência ao fim do financiamento de todas as novas explorações de combustíveis fósseis. “Ao abraçarmos nossos filhos com força, tememos por sua saúde e bem-estar e, agora também pelo futuro que enfrentarão”, diz trecho do documento. “As crianças são o futuro, e elas merecem ter um.”

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Quem representou o Brasil na iniciativa foi o grupo ‘Famílias pelo Clima’, que surgiu em 2019 e hoje reúne cerca de 40 pais e mães. Também na semana passada eles entraram com ação contra o Governo de São Paulo para barrar medida do Programa IncentivAuto, que oferece subsídios ao setor automotivo.

Ações como essas são importantes para os pais mostrarem aos filhos que, embora a crise climática seja grave, há o que fazer para enfrentá-la, diz JP Amaral, coordenador do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana. Ele ressalta que muitas crianças têm demonstrado muita apreensão e ansiedade diante das informações sobre a situação e que é preciso acolhê-las com conversas e ações.

“Pais são eleitores e tomam diariamente decisões sobre consumo, e ao fazerem isso de forma consciente, eles mostram que há uma saída”, afirma.

É o que pensa a produtora Clara Ramos, 42, integrante e uma das fundadoras do ‘Famílias pelo Clima’. “A crise traz uma angústia muito grande. Colocar-se de forma ativa te tira de um lugar paralisante”, diz. A postura ativa pode se dar tanto com a militância ambiental quanto com ações cotidianas.

Sob chuva, manifestantes e população protesta contra a crise climática, durante a COP26, em Glasgow (Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress)

Elas estão presentes em cada cômodo da casa da arquiteta Débora Diniz, 36, em Niterói (RJ). Ela sempre foi atenta ao tema, por inspiração da mãe, mas a preocupação aumentou depois de ter uma bebê, hoje com um ano e sete meses. A lembrancinha que Débora elaborou para o chá de fralda, uma sacola reutilizável, já trazia a mensagem de incentivo para que os adultos pudessem entregar um mundo melhor às crianças.

O móbile foi feito com cipó, e a primeira água dos banhos da recém-nascida era sempre reutilizada na máquina de lavar. Quando a menina fez um ano, ganhou corpo um incômodo que Débora sentia com todas aquelas fraldas descartáveis. Trocou por reutilizáveis.

A medida se junta a uma série de adaptações que a arquiteta fez na casa para reduzir o desperdício: composteira, garrafa na caixa da descarga para reduzir o uso de água, balde no chuveiro para coletar a água do banho.

“Quando a gente tem filho, aumenta a preocupação [com o meio ambiente] porque a gente quer ser sempre um exemplo do melhor”, diz. “Poder melhorar todo dia em razão de alguém que chegou é uma baita oportunidade.”

Há quem veja de outra forma, é claro. Em todo o mundo, a crise do clima tem levado pessoas a desistir de ter filhos. Pesquisa feita com jovens de dez países mostrou que os brasileiros entre 16 e 25 anos são os que mais hesitam em ter filhos por causa das mudanças climáticas -a proporção corresponde a 48% dos entrevistados.

Para Amaral, do Instituto Alana, é uma decisão individual que deve ser respeitada, mas ele avalia que seria uma pena um mundo sem crianças, muitas delas hoje protagonistas da luta pelo combate às mudanças climáticas -basta lembrar da sueca Greta Thumberg, símbolo do ativismo ambiental.

E se ter filhos aumenta a apreensão de muitos pais em relação ao futuro do planeta, foi o que trouxe maior tranquilidade à empresária Alice Satin, 39. Ela era advogada e morava na capital paulista quando engravidou do primeiro filho, em 2014, e começou a se preparar para o parto.

Alice conta que foi uma certa surpresa para ela, que trabalhava rodeada de planilhas, entender que seu corpo já sabia parir e, depois, nutrir o filho com a amamentação. Era mais simples do que a vida que levava até então fazia parecer.

“Lembro de pensar: sei elaborar todo tipo de contrato, mas se precisar fazer minha roupa ou minha comida eu não vou conseguir.”

A sueca Greta Thumberg é uma das ativistas ambientais mais conhecidas na atualidade (Divulgação)

Uma semana depois de Francisco nascer, ela e o marido se mudaram para o interior, onde começaram a cultivar plantas medicinais em uma propriedade rural da família. Em sociedade com outra mãe, ela abriu a empresa Soovack, que faz cosméticos naturais.

Ela diz que sua maior proximidade da natureza lhe deu mais tranquilidade para enfrentar a situação. “É possível que meus filhos não possam viajar para a Europa porque o combustível não vai ser tão acessível, é possível que tenham acesso a menos bens de consumo e que passem por uma crise hídrica”, reconhece.

“Mas hoje tenho menos medo porque sei limpar um rio, sei fazer um ecossistema mínimo para ter uma cultura de subsistência. A maternidade te abre um processo de autoconhecimento enorme. Se você estiver disponível, é potencializador.”

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