FAS quer expandir projetos para territórios quilombolas e indígenas, diz superintendente

A superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades, Valcléia Solidade (Paulo Dutra/CENARIUM)
Jadson Lima – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Valcléia Solidade, afirmou que a organização tem planos de expandir a atuação para os territórios indígenas e quilombolas, em entrevista concedida à REVISTA CENARIUM. Atualmente, a instituição atua em comunidades localizadas em áreas de conservação no Amazonas.

A FAS, que conta com mais de 300 parceiros e apoiadores, também atua nos Estados do Pará e Mato Grosso, fazendo a gestão de recursos do banco alemão KFW. As verbas são aplicadas em projetos locais, por meio de parcerias com as secretarias estaduais de Meio Ambiente.

Natural de Santarém (PA), Solidade nasceu em uma comunidade quilombola localizada na zona rural do município, denominada Murumuru. Aos 10 anos, ela saiu da casa da família para estudar na cidade. À CENARIUM, a gestora de políticas públicas contou a trajetória até assumir postos de comando em sua carreira profissional.

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Identificada com as causas sociais e ambientais, Solidade possui graduação em Gestão de Políticas Públicas, com especialização em Inovação e Tecnologia Social. O primeiro contato profissional dela nas comunidades foi por meio de um estágio na associação Saúde e Alegria, que atuava em processos de desenvolvimento comunitário integrado e sustentável.

Valcléia Solidade, superintendente da FAS, em entrevista ao repórter da Cenarium Jadson Lima (Paulo Dutra/CENARIUM)

Até ser convidada para atuar na FAS, Solidade coordenou programas como a Gestão e Infraestrutura Comunitária, realizado em comunidades localizadas entre os municípios amazonenses de Coari e Iranduba, durante a construção do Gasoduto Coari-Manaus.

Leia a entrevista com a superintendente:

REVISTA CENARIUM: Você é graduada em Gestão de Políticas Públicas e também tem especialização em Inovação e Tecnologia Social. Poderia comentar sobre a sua trajetória?

VALCLÉIA SOLIDADE: Eu cursei Gestão de Políticas Públicas porque eu fazia a gestão do programa Bolsa Floresta (atualmente, Guardiões da Floresta). E eu acredito que, para fazer um trabalho com excelência, é importante que você aprimore o seu conhecimento, que se habilite cada vez mais para desenvolver melhor e gerar melhores resultados. A partir daí, surgiu a necessidade de eu estudar gestão de políticas públicas para desenvolver melhor o meu trabalho na comunidade, onde é importante juntar a gestão de uma política pública e pensar também em tecnologia e inovação para levar o conhecimento e melhorar as ações que a gente desenvolve.

RC: Qual foi o primeiro contato que você teve com as comunidades?

VS: A comunidade está na minha ancestralidade. Eu sou de uma comunidade quilombola chamada Murumuru, localizada no interior de Santarém (PA). Então, nasce em mim essa essência de viver em um ambiente coletivo, no território onde as questões sociais são muito fortes. Eu sempre internalizei essa questão da vida comunitária, de ter crescido muito livre, com liberdade no sentido de me sentir segura no lugar onde eu estava.

O meu primeiro contato com a comunidade como uma pessoa que atua nessas questões se deu por meio de um estágio numa organização chamada Saúde e Alegria, em Santarém. Em seguida, eles me contrataram e eu passei a atuar efetivamente nessas localidades, dando continuidade a minha história de fazer pelas pessoas aquilo que não foi possível fazer para mim e para os meus.

Mãe empreendedora beneficiada por projetos da FAS (Bruna Martins/FAS)

RC: Um de seus trabalhos se deu na coordenação do Programa de Gestão e Infraestrutura Comunitária, durante a construção do Gasoduto Coari-Manaus entre os anos de 2004 e 2007. Como foi a sua atuação nessa jornada?

VS: Fomos convidados para fazer um trabalho de empoderamento comunitário. Desenvolvemos um regimento interno de uso de bem comunitário, que foi uma cartilha que escrevemos na época para deixar nesses locais. O documento é um passo a passo de como tratar as questões das infraestruturas e fazer com que elas fossem perenes e que pudessem, de fato, continuar atendendo às necessidades daquela localidade. A partir de um mapeamento nesses lugares, conseguimos identificar as principais demandas, que foram desde a construção de escolas até o sistema de captação e distribuição de água. Nesse período, percorremos toda a extensão territorial entre Coari e Manaus, visitando 132 comunidades.

RC: Você também foi a responsável, já na FAS, pelo projeto de gestão e implementação do programa Guardiões da Floresta (ex-Bolsa Floresta), que atualmente atende 582 comunidades e mais de 40 mil pessoas. Como foi participar desse projeto tão importante?

VS: O programa Bolsa Floresta foi uma estratégia de política pública desde a época em que se desenhou a Zona Franca Verde, com o objetivo de fortalecer as comunidades e pensar numa nova economia. A partir daí surge a ideia do pagamento por serviços ambientais, entrando na questão de que a floresta em pé vale mais que derrubada. Em 2008, a FAS assumiu a implementação do projeto com atuação em 16 territórios no Amazonas. Para atingir o objetivo do programa, precisávamos levar ações e projetos para que os cidadãos que moram naquelas comunidades se sentissem beneficiados. A abordagem se dava em torno do pagamento de serviços ambientais para a mulher líder da família, até como forma de dar visibilidade a esse grupo. Recentemente, o programa Guardiões da Floresta foi reassumido pelo Estado, e nós passamos de 16 para 28 territórios. Essa é uma parceria que está sendo finalizada e já atende cerca de 52 mil pessoas.

Crianças do projeto Guardiões da Floresta (Rodolfo Pongelupe/FAS)

RC: Quais são os planos futuros que a equipe coordenada por você tem para a Fundação Amazônia Sustentável?

VS: A FAS é uma organização muito robusta e respeitada a nível nacional pela sua trajetória. Até aqui, atuamos em unidades de conservação estadual e agora estamos incluindo em nossas agendas o desenvolvimento de projetos em territórios quilombolas e territórios indígenas, uma vez que a nossa atuação abrange apenas comunidades indígenas. Serão ações voltadas para o empoderamento, geração de renda e valorização da cultura. Os nossos planejamentos estratégicos estão sendo revisitados para que, de fato, possamos priorizar nossas atividades e qualificar cada vez mais aquilo que já fizemos. Hoje, por exemplo, já atuamos em outros Estados. Somos gestores de um recurso do KFW, que é um banco alemão que apoia projetos das secretarias de Estado de Meio Ambiente, tanto do Amazonas quanto do Pará. Da mesma forma, também vamos fazer a gestão de um recurso no Mato Grosso, por exemplo.

RC: Atualmente, a instituição conta com quais parceiros?

VS: Temos mais de 300 parceiros apoiadores, que são aqueles que financiam os projetos. São diversas organizações e empresas que nos apoiam financeiramente, além dos parceiros operacionais. Somado a isso, nós temos parceiros apoiadores como universidades, secretarias de educação municipais e estaduais. Hoje, por exemplo, existe uma parceria com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) onde estão sendo formados, no município de Carauari (AM), os alunos da primeira turma de professores ribeirinhos, que recebem aulas presenciais dentro de uma unidade de conservação. São pessoas que já conhecem a realidade, que já vivenciam a realidade da comunidade e acreditamos que vão fazer um excelente trabalho.

Também temos parcerias na questão da energia na Amazônia. Essa é uma questão muito sensível porque os dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente apontam que são quase um milhão de amazônidas atingidos com a falta de eletricidade. Quando pegamos os dados do Amazonas são 160 mil cidadãos sem energia. E quando entramos em território da FAS, das 582 comunidades, 313 recebem energia elétrica durante quatro horas por dia.  

Valcléia Solidade é quilombola da comunidade Murumuru (Paulo Dutra/CENARIUM)

RC: O Amazonas registrou uma seca histórica e já há projeções para uma estiagem ainda mais severa em 2024, existe algum plano de ação da FAS nesse sentido?

VS: A principal demanda das comunidades foi sobre a falta água. Hoje, cinco dessas localidades já foram atendidas: em quatro nós colocamos poços artesianos e em uma nós fizemos o sistema de captação de água do rio com tratamento, tendo em vista que essa é uma comunidade flutuante. Além dos locais já atendidos, temos mais nove comunidades para ser atendida até o final do ano, ou seja, encerraremos 2024 com 14 comunidades sendo beneficiadas com essa estratégia que a gente chama de ações estruturantes: água, energia e internet.

Leia mais: Mulheres na Floresta: seminário debate protagonismo feminino na Amazônia
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona
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