Favelização desafia Belém em questões históricas e direito à cidade
Por: Fabyo Cruz
28 de novembro de 2024
Bairro da Terra Firme, na periferia de Belém do Pará (Arquivo pessoal/Zeca da TF)
BELÉM (PA) – O fenômeno da favelização, que reflete o crescimento desordenado e a precariedade das habitações urbanas, atinge números extremos em Belém do Pará, cidade que sediará no próximo ano a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30). Dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 55,5% dos domicílios belenenses estão situados em favelas, tornando Belém a capital brasileira com a maior proporção de moradias nessas condições.
Essa realidade é resultado de séculos de exclusão e desigualdade. Desde o final do século XIX, com a abolição da escravidão, populações ex-escravizadas, marginalizadas pela falta de renda e discriminação, se viram obrigadas a ocupar áreas afastadas e a construir habitações precárias. O êxodo rural e a urbanização desordenada agravaram o cenário, especialmente a partir do século XX, criando bolsões de pobreza com infraestrutura insuficiente e baixa oferta de serviços básicos.
Na periferia de Belém, o bairro da Terra Firme é símbolo da luta popular por direitos. Francisco Batista, de 45 anos, conhecido como “Zeca da TF”, é uma das vozes ativas dessa comunidade. Integrante do coletivo Tela Firmee do Chalé da Paz, ele descreve o bairro como uma “periferia imediata” próxima ao centro, porém historicamente negligenciada.
Viela no bairro da Terra Firme, em Belém (Arquivo pessoal/Zeca da TF)
“A Terra Firme sofre com saneamento precário, falta de espaços de lazer e de um teatro, apesar da relevância da expressão artística para o território. Além disso, enfrentamos ações violentas de alguns agentes de segurança pública e o desemprego, que gera uma série de outros problemas em cadeia”, afirma Zeca.
Francisco Batista, conhecido como “Zeca da TF”, integrante do coletivo Tela Firme e do Chalé da Paz (Arquivo pessoal/Zeca da TF)
Ele diz também que o movimento no bairro busca enfrentar a violência que afeta a juventude periférica. Recentemente, o ato “Luzes Pela Paz” reuniu familiares de vítimas para exigir justiça, reforçando a pauta contra o extermínio da juventude: “Reunimos familiares de vítimas para gritar por justiça. É um movimento pela dignidade e pelo direito à cidade”.
Vila da Barca
Outro lugar que exemplifica os desafios da favelização é a Vila da Barca, comunidade localizada no bairro do Telégrafo, em Belém. Com casas erguidas sobre palafitas em área alagadiça, a comunidade enfrenta condições de saneamento críticas e espera há mais de 20 anos pela conclusão de um projeto de habitação iniciado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2003.
Vila da Barca e suas casas sobre palafitas (Gerson Bruno)
“Ainda estamos em palafitas e sem acesso regular à água potável. Para termos água, dependemos de bombas que puxam o recurso de uma caixa d’água central, mas as tubulações frequentemente quebram. A promessa de entrega de 198 casas até o fim do ano é apenas uma fração do que precisamos”, relata a educadora popular da biblioteca comunitária Barca Literária, Suane Barreirinhas, de 37 anos.
Suane Barreirinhas, educadora popular da biblioteca comunitária Barca Literária (Reprodução/Instagram @suanebarreirinhas)
Para Suane, mudanças reais demandam um “projeto macro de habitação que mantenha os moradores na comunidade”, além de ações emergenciais, como mutirões de limpeza e melhorias na infraestrutura básica. “Precisamos de um projeto habitacional que respeite a comunidade e evite o remanejamento para outros bairros. Além disso, é fundamental a titulação da terra, que garante o direito dos moradores de permanecer em seu local de origem”, diz a educadora.
Desafios
A favelização impacta tanto os moradores dessas comunidades quanto o ambiente urbano como um todo. A ausência de saneamento básico e a ocupação de áreas de risco, como encostas e margens de rios, levam a deslizamentos, alagamentos e poluição de mananciais. Além disso, a exclusão socioespacial alimenta a marginalização e a discriminação contra populações periféricas.
Em Belém, a proximidade das favelas com centros institucionais, como universidades e empresas públicas, contrasta com a exclusão de seus moradores. Na Terra Firme, por exemplo, apesar de estar em um corredor com universidades e centros de pesquisa, o desenvolvimento local é mínimo.
Tanto Zeca quanto Suane defendem que as soluções passam por políticas públicas articuladas com organizações locais e participação popular. A titulação de terras, investimentos em saneamento básico, habitação e o fortalecimento das iniciativas comunitárias são apontados como caminhos essenciais para garantir o direito à cidade, frequentemente negado aos moradores de favelas.
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