Feminicídio e o machismo institucional no Judiciário brasileiro

Eu continuo falando sobre feminicídio. Já perdi as contas de quantos artigos escrevi sobre esse assunto. Não posso deixar essa prática macabra ficar normalizada em nosso País. O que me  resta para protestar é apenas a escrita, então é nela que me agarro.

Sei que são tempos sombrios e apocalípticos. Estamos atravessando a maior crise sanitária dos últimos cem anos, todo dia morre milhares de pessoas de uma doença que já tem vacina, tenho consciência do quanto nosso País está literalmente na lama, mas no meio disso tudo os casos de feminicídios aumentaram, no meio de tanto obscurantismo, mulheres continuam sendo mortas de forma violenta.

Segundo a BBC o Brasil concentra um terço das mortes diárias por covid no mundo, mesmo com 3% da população mundial.

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Além disso, morreu mais gente em março no Brasil do que na pandemia inteira em 109 países, que soma 1,6 bilhão de habitantes. E pensar que o Brasil já foi exemplo de saúde pública e vacinação a ser seguido pelo mundo.

Tenho consciência do momento tenebroso que atravessamos com esse governo negacionista, e lamento muito todos os dias.

Mas eu ainda preciso falar que no meio disso tudo mulheres continuam sendo mortas por causa de seu gênero, por serem mulheres.

Durante a pandemia os casos de feminicídios aumentaram muito. Por causa do isolamento mulheres foram obrigadas a ficarem confinadas com seus agressores por mais tempo. Não vi nenhuma política pública vindo do governo para amenizar esse quadro. A Ministra das Mulheres, a senhora Damares, não se pronuncia sobre o assunto. Ela vive num mundo paralelo, uma pessoa que não tem capacidade técnica para ocupar esse cargo.

É uma vergonha. Somos o quinto País no mundo em taxa de feminicídio, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada, mais de 500 mulheres são agredidas a cada hora em nosso País. São dados alarmantes. Os números estão aí, as estatísticas sempre estiveram na nossa cara e nos noticiáros, mas simplesmente nada é feito, nada. Ter a senhora Damares como Ministra das Mulheres não é apenas um escárnio, é um projeto desse governo, é a prova do quanto temos um presidente misógino e sexista que nos odeia de todas as formas.

Feminicídio é uma palavra nova para uma prática antiga.

Só recentemente o STF tornou inválida a Tese da Legítima Defesa da Honra, inclusive meu artigo anterior trtata disso. É surreal saber que essa prática ainda era legal em nosso ordenamento jurídico. Essa Tese justificava o feminicídio, era um aval do Estado para homens assassinarem suas mulheres em nome de sua honra, se caso se sentissem traídos ou coisa parecida.

Isso é apenas uma amostra do quanto nosso País é misógino e machista, do quanto isso é reproduzido em todas as esferas da sociedade e isso inclui o judiciário.

Eu costumo sempre falar que o mundo existe para os homens, foi feito por eles, para eles. E isso inclui as nossas Leis. Quem decide sobre nossas pautas são os homens, são eles que estão no Senado e no judiciário criando leis que pautarão sobre nossas vidas e escolhas.

O patriarcado é um sistema que moe as mulheres e suga suas almas. Durante séculos esse sistema nos obrigou a ficar em casa, cuidando dos afazeres domésticos com a justicativa que isso fazia parte do nosso instinto feminino, enquanto isso os homens estudavam e ocupavam espaços de poder. Infelizmente ainda hoje, pouca coisa mudou, não a toa aqui estou eu escrevendo sobre o assunto.

O Brasil é campeão em crime de gênero, é um dos países que mais mata mulheres de forma violenta, é o quinto em feminicídio no mundo e nem temos um Alcorão sobre a mesa.

Nosso País é um dos quatro piores lugares para as mulheres viverem na América Latina. O Brasil é pior lugar da América do Sul para se criar uma menina.

A ONU e até o Papa Francisco já demonstraram preocupacão com tamanha violência que nos assola. São estatísticas assustadoras, mas para o nosso governo está tudo bem.

Recentemente ocorreu o juri do feminicida Luís Felipe, professor de biologia, que matou sua namorada a advogadaTatiane Spitzner, ele a jogou da sacada de um apartamento em 2018.

Câmeras de segurança flagraram o professor agredindo por 15 minutos a sua companheira. São cenas fortes, ela corre dele na garagem, no elevador ele a agride e a enforca e depois eles somem das imagens. Mesmo com tudo gravado, mesmo com toda a repercusão do caso ele foi condenado pelo júri por 4×3.

Vale ressaltar que todos os sete jurados do caso eram homens, sim todos homens. Sete homens decidiram através de suas perpectivas hétero masculinas sobre um feminicídio. Então não me causou surpresa que 3 homens desse juri acharem que o professor era inocente.

Até quando vão culpar as mulheres até pelos seus assassinatos?

Lembrei agora também que no ano passado a Ministra da Mulher fez uma live fazendo bolos, para comemorar alguma pauta sobre violência doméstica que não me recordo bem. Um bolo gente. Ela fez uma live fazendo um bolo falando um monte asneiras num País como o Brasil, onde mulheres não são tratadas nem como gente.

O feminismo ainda luta por direitos civis básicos, ainda lutamos para que sejamos tratadas como seres humanos, como cidadãs, ainda gritamos e fazemos barulho para que as leis sejam apenas cumpridas, ainda lutamos pelo direito de existir como pessoas, ainda fazemos protesto para que nossos direitos sejam resguardados.

Ainda lutamos para que nossos agressores sejam julagos, pois a maioria nem a julgamento vai.

Ainda lutamos pelo básico. Ser mulher nesse País é ter um alvo nas costas.

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(*)Regiane Pimentel é bacharel em direito, ativista social e feminista amazônida.

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