Fernández diz que brasileiros vieram da selva e argentinos chegaram de barco da Europa

Presidente da Argentina deu declaração durante visita de Pedro Sánchez, premiê da Espanha, a Buenos Aires (Juan Mabromata/AFP)
Com informações da Folha São Paulo

BUENOS AIRES – Em encontro na manhã desta quarta, 9, com o premier da Espanha, em Buenos Aires, o presidente argentino, Alberto Fernández, disse que “os mexicanos vieram dos indígenas, os brasileiros, da selva, e nós, chegamos em barcos”. “Eram barcos que vinham da Europa”, afirmou, apontando para Pedro Sánchez. Depois, referendou: “O meu [sobrenome] Fernández é uma prova disso”.

O líder argentino acreditava fazer menção a uma frase incorretamente atribuída ao escritor mexicano Octavio Paz (1914-1998), Nobel de literatura em 1990, em que ele teria discorrido sobre a raiz asteca dos mexicanos e a origem inca dos peruanos. Fernández, porém, confundiu-se, e a frase é na verdade parte de uma canção do compositor Litto Nebbia.

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Figuras públicas e políticas argentinas com frequência cometem o que a imprensa local costuma chamar de “gafe”. A frase racista, no entanto, revela um traço cultural profundo que minimiza ou mesmo nega a raiz mestiça da população argentina, pensamento presente desde o século 19 entre intelectuais e governantes importantes.

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O ex-presidente Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), autor de “Conflicto y Armonías de Las Razas en América” (conflito e harmonia das raças na América), por exemplo, falava da necessidade de “embranquecer a Argentina” para o desenvolvimento do País. Em seu mandato, estimulou a imigração de europeus com essa finalidade.

A teoria de Sarmiento influenciou seu sucessor na Presidência, Julio Argentino Roca (1843-1914), responsável por iniciar a Campanha do Deserto, em que, sob a justificativa de “levar civilização aos rincões do País”, o Exército argentino assassinou comunidades inteiras de índios ranqueles e araucanos, entre outros. Não há consenso quanto ao número de mortes provocadas pela campanha, mas historiadores renomados falam em genocídio ou em “impulso genocida”.

Essas etnias, porém, não foram totalmente exterminadas, tanto que a população do interior da Argentina guarda traços desses povos, e há pequenos grupos que mantêm os idiomas originários. Declarações do tipo também já foram feitas por membros de diferentes partidos e classes sociais e intelectuais. O escritor argentino Jorge Luis Borges, por exemplo, dizia que “os argentinos são europeus nascidos no exterior”.

No Fórum Econômico de Davos, em 2018, o ex-presidente Mauricio Macri afirmou na abertura de seu discurso, como forma de cumprimentar a plateia, que “somos todos descendentes da Europa”. Já o peronista Carlos Menem, também ex-presidente, negou em um discurso na Universidade de Maastricht, na Holanda, em 1993, que o País tivesse negros.

No mesmo evento, ao ser questionado sobre a escravidão na Argentina, disse que, em 1813, ano da abolição, os poucos negros já haviam morrido, e que, então, aquilo era “um problema brasileiro”. Agora foi a vez de Fernández, que se apresenta como um nome de centro-esquerda e tem vínculos com organizações que defendem as minorias e os indígenas.

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