Fidelix Baniwa lança pré-candidatura e luta por mais representatividade indígena no interior do Amazonas

Ex-ator da Rede Globo e natural do interior do Amazonas, Fidelix Baniwa busca mudança da realidade de seu povo (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Luís de Jesus Fidelix, ou Fidelix Baniwa como é conhecido no meio artístico, nasceu na comunidade indígena Ingaíwa, pertencente à etnia Baniwa, na zona rural de Santa Isabel do Rio Negro (a 630 quilômetros de Manaus). Conheceu o País por meio do teatro, chegando a atuar no cinema e em novelas da emissora nacional Rede Globo, como em Med Maria (2005), onde interpretou o personagem Joe Caripuna. Hoje, ao lado de sua mulher também indígena, Rose Baré, se lançou pré-candidato à prefeitura na busca por mais representatividade e pela mudança da realidade de seu povo, na cidade cuja população é maioria indígena.

Rose Baré ao lado de Fidelix (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Defensor de sua cultura, Fidelix é militante indígena e também já atuou em diversas entidades. Segundo a mulher, que é da etnia Baré, a população indígena da região, principalmente as mulheres, vivem em meio à dificuldade, na busca por educação de qualidade, desenvolvimento e renda. “Elas procuram desenvolvimento para os filhos, sonham com algo melhor”, diz Rose.

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A pré-candidatura de Fidelix foi lançada, oficialmente, na última quarta-feira, 19, durante uma live no Facebook, junto ao financiamento coletivo para arrecadar fundos para sua campanha. Em entrevista exclusiva à REVISTA CENARIUM, ele afirma que traz consigo o apelo ambiental, de sustentabilidade, da valorização da cultura indígena, da economia e do turismo na região, além da educação aos povos esquecidos pela sociedade.

Confira a entrevista na íntegra:

REVISTA CENARIUM – O que o Fidelix Baniwa, indígena amazônico que conheceu todo o Brasil, está em busca?

Fidelix Baniwa – A valorização da cultura indígena. Levanto essa bandeira, pelo fato de eu ser indígena e ter nascido no interior, em uma barraca, na comunidade Baniwa. Trago esse apelo indígena, de luta, que começou a ser organizado no formato que se encontra hoje do movimento, na década de 1970, na época da Ditadura [Militar] ainda, até culminar na Constituição [Federal] de 1988. Trago o apelo ao meio ambiente, pelo fato de a gente morar no Amazonas. Sempre é dito que o Amazonas fala pela Amazônia. Muitas vezes, porém, a Amazônia não fala pelo Amazonas, pela quantidade de biodiversidade que a gente tem aqui, do número de população indígena também.

REVISTA CENARIUM – Ter um prefeito indígena em Santa Isabel do Rio Negro significa ter mais representatividade e visibilidade para a causa?

Fidelix Baniwa – Vou falar por Santa Isabel do Rio Negro. Desde 1988, o município não tem um prefeito indígena, apesar de a maioria da população ser indígena. De acordo com dados oficiais, temos uma população estimada entre 23 a 25 mil. Desses, 90% são indígenas. De lá para cá, houve algumas tentativas de candidaturas indígenas, mas nenhuma conseguiu emplacar de fato e chegar à prefeitura. Eu avalio da seguinte forma, o que está acontecendo hoje é produto da luta do movimento indígena organizado, apesar de hoje eu não estar representando, pois não foi uma discussão nas comunidades de que eu seria o candidato representante pela associação (dos indígenas da cidade).

Fidelix Baniwa busca ser prefeito para dar mais visibilidade às questões indígenas (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Na época em que eu estudei lá [em Santa Isabel do Rio Negro], na década de 1990, se identificar como indígena era muito difícil, por conta do processo de colonização e do preconceito. Muitas vezes a gente se sentia diminuído diante de outras identidades e o movimento trouxe essa ‘pegada’ de valorizar a identidade indígena. As políticas públicas que foram conquistadas para a população indígena também ajudaram nessa identificação. E, hoje, a minha pré-candidatura é reflexo disso. Eu vi a necessidade de ter um prefeito que tivesse a preocupação com as comunidades e que falasse minimamente a língua local, que é o Nheengatu.

REVISTA CENARIUM – Como é voltar para Santa Isabel do Rio Negro?

Fidelix Baniwa – Volto para Santa Isabel sem ‘salto alto’, sem me achar melhor que meus parentes. Pelo fato de você ter um estudo, um conhecimento, isso não é motivo de você se afastar da comunidade.

REVISTA CENARIUM – Qual a sua avaliação para o turismo na região, que movimenta a economia da cidade em torno de R$ 500 mil por temporada de pesca-esportiva?

Fidelix Baniwa – A pesca-esportiva é o potencial máximo que temos no município, mas ainda assim o turismo é subexplorado. A gente tem uma temporada de pesca, mas ainda é muito mal administrada. O município tem divisões das terras indígenas hoje demarcadas, tem as comunidades, o Pico da Neblina, onde em tese não tem atuação direta. Alguns acordos são feitos por meio do Governo Federal, mas, muitas vezes, o prefeito não tem a capacidade de diálogo, de negociação. Hoje, se você for em Santa Isabel, você não tem um centro de referência da cultura indígena. Não podemos entender o turista somente como o gringo que chega à cidade, o turista pode ser aquele de outro município. É preciso trabalhar melhor essa concepção também.

REVISTA CENARIUM – O município ainda está atrasado em relação à educação?

Fidelix Baniwa – A educação no município é precária. Temos uma luta lá que é a implantação de uma escola diferenciada. Tudo que se conseguiu agora foi colocar somente o prédio, mas o projeto pedagógico não segue o que a gente gostaria, de um estudo regional. Acho que falta essa complementação do material didático, conhecer e estudar sobre o município, resgatar a cultura e o conhecimento local.

REVISTA CENARIUM – A educação é passada de geração em geração. Para o senhor, ela continua sendo transformadora?

Fidelix Baniwa – Prego muito a educação com essa possibilidade de transformação. Para mim é um dos pilares que temos para desenvolver o município, desenvolver como pessoa e garantir a nossa identidade. E quando falo de identidade é porque Santa Isabel do Rio Negro precisa assumir isso para si. É preciso professores bilíngues que possam passar esse conhecimento tradicional também nas escolas.

REVISTA CENARIUM – Que fator pesou na sua decisão de se lançar como pré-candidato?

Fidelix Baniwa – Tenho duas questões: uma é a minha vida artística, porque o Fidelix Baniwa é conhecido pelo envolvimento com a arte, o segundo é a causa indígena. Desde a década de 90 venho trabalhando na companha Vitória-Régia, e isso me levou a trabalhos no cinema, como o filme Tainá 3 – A Origem (2011), gravei também Med Maria na Globo, tinha me permitido um cenário artístico de ponta. Mas, por entendimento pessoal, entendi que não queria mais morar fora do Amazonas, no Rio de Janeiro, e voltei para Manaus, pois estava mais perto de ir para casa. Queria muito que isso acontecesse. E agora criei um desafio de morar em Santa Isabel do Rio Negro, na minha terra de origem. Chega o momento que você precisa se colocar à disposição para ajudar as pessoas.

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