Fim do auxílio emergencial deixa rastro de desalento nas periferias de Rio, Salvador e Distrito Federal

Ester Bacelar dos Santos é mãe de seis filhos, está desempregada e seu marido vive de biscates. (Raphael Muller/Folha)

Com informações da Folha de São Paulo

MANAUS – Os milheiros de blocos e a areia já não estão mais nas portas das casas. O bate-estaca das pequenas obras que se espalharam pela periferia de Salvador com o auxílio emergencial deu lugar ao silêncio.

O fim do benefício, que chegou a alcançar 32% da população de Salvador e injetar R$ 23 bilhões na economia da Bahia, deixou a maior parte dessas famílias em situação de desalento, sem emprego formal nem perspectiva de conseguir um trabalho.

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No bairro do Plataforma, um dos mais vulneráveis do Subúrbio Ferroviário de Salvador, o fim do auxílio emergencial representou um baque em efeito cascata, reduzindo a renda desde as famílias mais pobres aos donos de pequenos negócios.

Renda

Com a filha mais nova no colo, Ester Bacelar Santos, 35, percorre vielas e equilibra-se nas escadarias até chegar a sua casa de quatro cômodos, onde vive com mais sete pessoas.

Das seis parcelas do auxílio emergencial recebido durante a pandemia, restou apenas uma nova porta de alumínio, a janela de vidro, esquadrias em metal e os azulejos que cobriram o reboco de apenas duas das paredes da sala.

O restante foi gasto com a comida e gás de cozinha para garantir a alimentação dela, do marido e dos seis filhos do casal. A única renda fixa da casa são R$ 300 que recebem do Bolsa-Família.

Ester está desempregada, assim como seu marido, que vive de biscates. Com o fim do auxílio emergencial, a família teve que apertar os cintos. Na panela, repousada sob o fogão no qual apenas uma das quatro bocas funcionam, pedaços de frango misturados com farinha eram o cardápio do dia.

Na rua ao lado, Isabel Nogueira, 66, trabalhava como ajudante de cozinha, mas também está desempregada, assim como o seu filho. Com o fim do pagamento do auxílio e sem receber qualquer outro benefício, eles dependem da ajuda de amigos e familiares para colocar comida na mesa.

“Um dia, um consegue um quilo de arroz, no outro dia, um quilo de feijão, e a gente vai levando”, diz Isabel, que costuma descer da encosta até as praias do subúrbio para catar mariscos para consumo da família.

Sem perspectiva de conseguir um novo emprego, diz torcer pela volta do auxílio emergencial: “Se não voltar, é capaz de a gente morrer de fome”. Como um efeito dominó, o fim do auxílio também deixou impactos nos donos de pequenos negócios e trabalhadores informais.

Sirleide Souza, 46, que montava uma barraca para vender doces e salgadinhos na frente da sua casa em Plataforma, guardou todo o estoque desde o fim do ano passado. Os vizinhos estão sem dinheiro e deixaram de comprar.

Dona de um pequeno bar no bairro, Maria Sabino dos Santos, 55, diz que o movimento já vinha fraco e deve piorar ainda mais a partir do toque de recolher entre 22h e 5h decretado pelo governo do Estado.

“Aqui não tem movimento durante o dia. Ele começa durante a noite, quando o pessoal volta do trabalho. Se eu tenho que fechar cedo, vou vender a quem?”, desabafa.

Ela chegou a receber o benefício no início da pandemia, mas diz que, mais do que estender auxílio, o governo federal deveria trabalhar para segurar os aumentos de preço dos alimentos. Outros pequenos negócios do bairro também viram cair o movimento.

É o caso do barbeiro Kennedy Nascimento, 24, viu a sua clientela reduzir pela metade nos fins de semana. Há seis meses, chegava a cortar o cabelo de 25 clientes em um sábado. Hoje, se muito, consegue 15 em um dia bom.

Os ambulantes também enfrentam dias difíceis com o recrudescimento da pandemia. Jocivaldo França, 40 que vende panos de prato e panos de chão pelos bairros do Subúrbio de Salvador.

Ele usou o dinheiro que recebeu do auxílio emergencial para comprar fardos com panos em grande quantidade diretamente do fabricante, sem ter que passar por atravessadores. Agora, tenta desencalhar o estoque.

Das obras que há seis meses tomaram as ruas do bairro, raras permanecem. Também morador de Plataforma, o pedreiro Rinaldo Lima, 49, diz que não conseguiu nenhum serviço desde o início do ano.

Com o material de construção que comprou com o seu auxílio emergencial, tenta avançar na construção do segundo pavimento da sua casa, obra que, por falta de dinheiro, se arrasta há dois anos. “Pelo jeito que as coisas estão, ainda vai demorar um pouco para terminar”, afirma.

No Rio de Janeiro, o impacto do fim do auxílio também afetou as comunidades. Uma delas é a Ladeiras dos Tabajaras, entre os bairros de Copacabana e Botafogo, na zona sul carioca. Parte da população local teve que recorrer ao auxílio emergencial para sobreviver.

Caso de Simone Oliveira da Boa Morte, 47.Ela, que não tinha carteira assinada há cinco anos e vivia de vendas de roupas e faxinas, viu sua principal fonte de renda secar na pandemia por conta do isolamento social promovido para conter o avanço da Covid-19. Para completar, seu marido, Marcos Paulo Pinto, 47, foi demitido do emprego que tinha no setor de laticínios de um mercado.

Assim, o casal só sobreviveu graças à ajuda do auxílio emergencial pago a Simone no ano passado. Ela se inscreveu em março e passou a receber o benefício em maio. Em dezembro, sacou a última parcela e, desde então, enfrenta dificuldades. “As contas não param, e gente precisa comer”, afirmou Simone.

O casal está com o aluguel atrasado na Ladeira dos Tabajaras há quatro meses. Recentemente, Simone conseguiu duas faxinas semanas para fazer, e aproveita o trabalho para comer na casa da patroa, segundo ela. O marido também começou a catar latinhas na rua para juntar um dinheiro que os ajudem, mas a situação é complicada.

“O auxílio deveria ser emergencial, mas de emergencial não tem nada. Deveriam ter mais agilidade. É muito triste abrir a geladeira e não ter nada para comer”, lamentou Simone.

Ela aponta que a volta do benefício seria importante para comprar o gás, pagar as contas de luz e colocar alimentos na mesa. “Ajudaria a gente demais mesmo”. Em dificuldades, o casal recebeu cestas básicas fornecidas pela Associação de Moradores Ladeira dos Tabajaras e Morro dos Cabritos. A vice-presidente da instituição, Vania Ribeiro, 45, apontou que contou com a ajuda de doações para poder auxiliar a comunidade em meio à pandemia.

“Pedimos ajuda aos amigos durante a pandemia, porque os governantes não se importaram com as comunidades”, disse Vania. A associação conseguiu doar mais de 5 mil cestas básicas no ano passado, priorizando famílias com crianças e pais desempregados.

Segundo o último censo do IBGE, de 2010, o Rio de Janeiro possui 763 favelas, onde estão 22% dos cariocas, ou 1,4 milhão de pessoas. O cenário é o mesmo em baixo periféricos em Brasília, onde os políticos no Congresso e técnicos do governo debatem riscos fiscais e valores para a volta do auxílio, sem uma definição ainda clara de como e quando o benefício vai voltar.

Na Estrutural, região mais pobre do Distrito Federal, localizada a 17 quilômetros do Palácio do Planalto, Luciana Gomes, 33, vive com a mãe e quatro filhos — os gêmeos Heitor e Guilherme, de um ano e três meses, além de Emily, 12, e Enzo,8, com quem passou a revezar a criação com o pai na pandemia.

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