Fogo na Amazônia, se incluído na conta do CO², dobraria emissões da região, diz cientista

Mesmo sendo provocado por ação humana, esse fogo emite um volume de gás CO² que não está sendo contabilizado como responsabilidade do Brasil perante a ONU (Reprodução/ Antonio Scorza)

Com informações do InfoGlobo

SÃO PAULO (SP) – Os incêndios na Amazônia brasileira, diferentemente daqueles que ocorrem em florestas temperadas, não fazem parte da natureza do regime de seca desse ecossistema. Mesmo sendo provocado por ação humana, esse fogo emite um volume de gás CO² que não está sendo contabilizado como responsabilidade do Brasil perante a ONU. Se o fosse, seria capaz de duplicar a conta de emissões do País, diz a geógrafa Ane Alencar.

A pesquisadora, que coordena o recém-lançado sistema MapBiomas Fogo de registro histórico de áreas queimadas no País, diz que os dados do programa estão sendo usados num estudo que vai indicar com mais precisão o tamanho dessa disparidade.

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A  cientista, diretora científica do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), mostra o impacto que o uso do fogo na região (praticado principalmente por pecuaristas) adiciona à conta das emissões do desmatamento com corte raso, que já faz uso do fogo para eliminar as toras das árvores removidas.

“A gente está, de certa forma, “escondendo” o que seria o dobro das emissões”, diz a cientista. — Uma coisa é a parte da floresta está sendo derrubada e queimada, que é contabilizada. Mas tem outra parte: o fogo que escapa do desmate e das áreas de pastagem e está entrando na floresta.

Segundo a pesquisadora, se não fosse pela pecuária e por outras atividades ligadas ao desmatamento, os incêndios não seriam tão frequentes na região, que teve 16,4% de sua área de solo queimada ao menos uma vez nos últimos 36 anos, segundo mostram os dados novos do MapBiomas. O projeto afirma que vai permitir medir com mais precisão o papel do fogo nas emissões do País, porque mede a extensão das ‘cicatrizes’ da queima no solo e complementa estimativas que só existiam desde 2001 com dados mais antigos, a partir de 1985.

“O MapBiomas vem suprir uma lacuna de dados históricos de longo prazo”, afirma Alencar. Esses dados anteriores a 2001 não estavam disponíveis antes, e agora vamos ganhar 15 ou 16 anos na série temporal. A gente sabe que o histórico de fogo é fundamental para entender incêndios presentes e futuros.

O boi e o carbono

O novo projeto mostra como a pecuária, notória fonte do CO² do desmatamento para abertura de pastagens e do metano exalado pelo gado, também gera gases-estufa pelo manejo do solo, explica a pesquisadora, pelo uso do fogo para limpeza de terreno.

“Muitas áreas de pastagem na Amazônia estão sendo queimadas seguidas vezes, o que significa que esse pasto não está sendo bem manejado. Está sendo manejado com fogo. Isso é ruim para a paisagem como um todo e ruim para os pecuaristas”, afirma Alencar. Um pecuarista que quer investir numa rotação de pastagem e fazer o manejo adequado para o gado, comprar cerca elétrica etc. pode ter todo seu investimento transformado em cinzas se o fazendeiro vizinho maneja o pasto com fogo.

Incêndios florestais no mundo inteiro, por razões históricas, não estão sendo contabilizados como emissões no contexto da UNFCCC (convenção do clima da ONU), que baliza os parâmetros para o acordo do clima para redução dos gases de efeito estufa. Países como a Austrália e os EUA, com florestas de zonas temperadas, também não contabilizam isso. Incêndios em bosques de clima seco, porém, são considerados eventos naturais periódicos, ainda que tenham aumentado em frequência por conta da própria mudança climática.

Como na Amazônia os incêndios não têm nada de natural, tornou-se anacrônico o critério que exime da conta de emissões um fenômeno que claramente representa interferência humana, explica Alencar.

Na COP26, a cúpula do clima que será realizada em novembro na Escócia, o Brasil já está em posição fragilizada de negociação, fruto dos altos índices de desmatamento após ter passado sete anos (2005 a 2012) reduzindo a taxa de corte raso. Com 11 mil km de área devastada em um ano entre 2019 e 2020, o país é o sexto maior emissor de gases-estufa do mundo.

“Se colocarmos em cima disso a quantidade de emissões por conta da queima de floresta e mortalidade a longo prazo das árvores decorrente dessa queima, a gente vai subir mais de posto no ranking”, explica a pesquisadora. “Estamos preparando um trabalho para chamar a atenção para isso na COP.”

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