Funai cobra ampliação de consulta a indígenas em licenciamento da BR-319


Por: Lucas Ferrante**

14 de janeiro de 2025
Funai cobra ampliação de consulta a indígenas em licenciamento da BR-319
Trecho da BR-319 (Ana Jaguatirica/CENARIUM)

No dia 26 de junho do ano passado, durante uma reunião realizada no Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), em Brasília, e com a participação de membros da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), apresentei a necessidade de ampliar o número de comunidades consultadas no processo de licenciamento da rodovia BR-319. Na ocasião, foram apresentados resultados de diversos estudos científicos que evidenciavam os danos socioambientais associados à rodovia BR-319. Entre eles, destacou-se um estudo publicado no periódico Land Use Policy, o qual demonstrou a necessidade de consulta para 63 terras indígenas oficialmente reconhecidas pelo governo, além de outras cinco comunidades não reconhecidas que também deveriam ser consultadas.

Em nova reunião, realizada nesta segunda-feira, 13 de janeiro, a diretora de Licenciamento Ambiental do IBAMA, Cláudia Jeanne Barros, confirmou que a FUNAI notificou o IBAMA e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) sobre a necessidade de novas consultas às comunidades indígenas que foram excluídas até o momento.

É imprescindível que os aspectos técnicos sejam considerados nesta etapa. O artigo científico que coordenei e foi publicado na Land Use Policy, com a participação do ex-presidente da FUNAI, Mércio Gomes, como coautor, e do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e Prêmio Nobel, Philip Fearnside, apresenta informações detalhadas sobre as comunidades que devem ser consultadas, incluindo sua localização, etnias e número de habitantes. Ignorar tais recomendações resultará apenas no reinício do processo de licenciamento, gerando atrasos e conflitos evitáveis.

Mapa de terras e comunidades indígenas impactadas pela BR-319, Figura extraída do artigo da Land Use Policy e traduzida para o português.

As terras indígenas localizadas dentro do perímetro de 40 km totalizam 13, enquanto aquelas situadas no raio de 150 km chegam a 64, além de 5 comunidades não demarcadas. No entanto, o plano inicial do governo previa a consulta a apenas cinco dessas terras. Ao todo, mais de 18 mil indígenas são impactados pelo empreendimento, segundo o estudo. Eles pertencem a 12 etnias: Mura, Diahui, Juma, Apurinã, Paumari, Tenharim, Torá, Tikuna, Munduruku, Karitiana, Karipuna e Pirahã. Além disso, foi registrada a presença de uma população de indígenas isolados na região de Tapauá.

Um segundo estudo, também publicado na Land Use Policy, demonstrou os danos que a rodovia BR-319 já tem causado em terras indígenas, incluindo a abertura de ramais ilegais que cortam esses territórios. Recentemente, aqui na Cenarium, foi exposto que grileiros de terras têm utilizado armas químicas para expulsar os indígenas de seus territórios, o que, inclusive, causou o envenenamento coletivo de uma comunidade no Lago do Capanã Grande, em Manicoré.

A consulta prévia, livre e informada é um direito fundamental dos povos tradicionais garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Esse instrumento internacional estabelece que os governos têm o dever de consultar os povos indígenas e comunidades tradicionais sempre que decisões administrativas ou legislativas possam impactar diretamente seus direitos, territórios ou modos de vida, como é o caso da rodovia BR-319. A consulta deve ser realizada de forma transparente, com participação efetiva e respeito às tradições e instituições próprias desses povos, garantindo que suas opiniões sejam levadas em consideração antes da implementação de projetos ou políticas. Essa medida visa assegurar o protagonismo dessas comunidades em decisões que afetam suas vidas, reforçando os princípios de autodeterminação e proteção cultural.

Leia mais: BR-319: Governo cometeu crime contra licenciamento ambiental
(*) Lucas Ferrante é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) e possui Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Ferrante é o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nas duas principais revistas científicas do mundo, Science e Nature. Atualmente, atua como pesquisador na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

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