Funai e entidades indígenas apontam ameaças no ‘PL da Devastação’
Por: Ana Cláudia Leocádio
28 de maio de 2025
BRASÍLIA (DF – A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifestaram preocupação com as consequências trazidas pelo Projeto de Lei 2.159/2021, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, com graves retrocessos na proteção dos direitos indígenas e preservação ambiental. Batizado pelos ambientalistas como “PL da Devastação”, a proposta foi aprovada na última quarta-feira, 21, pelo Senado por 54 votos, e agora aguarda análise da Câmara dos Deputados. A Fundação SOS Mata Atlântica também publicou nota denunciando as ameaças do novo texto.
Para a Funai, o texto também afronta a Constituição Federal e Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil e a obrigação do Estado brasileiro de promover o desenvolvimento sustentável com justiça socioambiental.

Entre os Tratados Internacionais que podem ser afetados pela nova legislação em debate no Congresso, está o cumprimento dos compromissos na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura a consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas.
A Funai manifesta preocupação com a retirada da atribuição dos conselhos de meio ambiente da definição dos parâmetros ambientais e a criação da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), pela proposta aprovada no Senado, modalidade que prevê a instalação de empreendimentos de médio porte apenas por autodeclaração do empreendedor, sem o prévio estudo de impacto.
Outros pontos destacados são “a dispensa de licenciamento para obras emergenciais, sem definição do que seja obra emergencial; a restrição da participação dos órgãos envolvimentos, incluindo a Funai que, somente será ouvida em casos de terras indígenas homologadas, item que representa um grande retrocesso às suas atribuições; e demais medidas que ameaçam os direitos dos povos indígenas”.
“Ao excluir a atuação da Funai em territórios indígenas não homologados e restringir a participação dos povos indígenas em decisões sobre empreendimentos com impacto socioambiental, o PL nº 2.159/2021 descumpre o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção nº 169 da OIT, bem como reafirmado pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA)”, ressalta a nota da autarquia.
Ao aprovarem com ampla maioria o projeto, os senadores favoráveis defendem que esse novo texto vai destravar os investimentos em infraestrutura no país, porque consideram a legislação de licenciamento ambiental um emaranhado de leis que só atrapalha o desenvolvimento do País. Proposto originalmente pela Câmara dos Deputados, onde passou 17 anos em tramitação, o PL do Licenciamento Ambiental chegou ao Senado em 2021 e teve sua discussão e votação concluída, na última quarta-feira, 21, aprovado com 54 votos a favor e 13 contra.
Cimi considera “golpe de morte”
Para o Cimi, o projeto foi piorado pelos senadores, tornando-se em “um novo golpe de morte” ao País, à Constituição Federal e aos povos indígenas e comunidades tradicionais, porque acaba, praticamente, com o licenciamento ambiental.
“Com emendas à proposição original, o Senado conseguiu piorar um projeto de lei que nasceu na Câmara dos Deputados e tinha a intenção de privilegiar interesses privados e passar a boiada definitivamente sobre as esperanças de futuro do conjunto da sociedade brasileira”, ressalta o Cimi.
Além dos pontos já criticados pela Funai, a organização indigenista da Igreja Católica também manifesta preocupação com a criação da Licença Especial para atividades ou empreendimentos que sejam definidos como estratégicos pelo Conselho de Governo, mesmo reconhecendo que estes projetos tenham efetivo ou potencial impacto de degradação ambiental.
“O PL 2159 deixa de considerar os impactos ambientais sobre territórios quilombolas e indígenas que ainda não estejam plenamente regularizados. Isso representa, no caso das terras indígenas, cerca de 65% do total dos territórios”, informa a nota.
Na avaliação do Cimi, o PL 2159 “facilita de forma definitiva o caminho para o avanço do agronegócio e da mineração, inclusive dentro de territórios até hoje protegidos”. “Permite acelerar projetos como a exploração de petróleo na foz do Amazonas, a Ferrogrão ou a exploração de potássio no rio Madeira (AM), dentre outras muitas obras e projetos apresentados arcaicamente como fatores de progresso e que inviabilizam a vida de povos e comunidades”, completa.
Conforme o Cimi, em vez de avançar na definição de políticas robustas para enfrentar o colapso ambiental, o Congresso resolve ir na contramão dessas necessidades urgentes. “Não é só negacionismo, é convicção em uma necropolítica que alimentou os governos passados e que permanece vigente no atual Legislativo”.
“Os povos indígenas e as comunidades tradicionais continuam marcando o caminho. A convivência e a democracia constroem-se a partir das relações cotidianas, do respeito à diversidade e da convicção no que é comum. Só uma sociedade civil consciente e organizada poderá vislumbrar outros caminhos possíveis, outro horizonte”, conclui o Cimi.
Lei da Mata Atlântica ameaçada
A Fundação SOS Mata Atlântica também lançou nota pública contra o projeto de licenciamento ambiental, pois este inseriu um “jabuti” que, na prática, desmonta a Lei da Mata Atlântica”.
“A medida revoga os parágrafos 1º e 2º do artigo 14 da legislação em vigor, permitindo que áreas de mata primária, secundária e em estágio médio de regeneração – justamente as porções mais maduras e estratégicas do bioma – possam ser suprimidas sem análise prévia dos órgãos ambientais estaduais ou federais”.
Na avaliação da organização, “a mudança abre brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, possa autorizar o desmatamento dessas áreas. A decisão retira garantias históricas de proteção e ameaça diretamente os 24% restantes da cobertura original da Mata Atlântica, especialmente os 12% restantes de florestas maduras”.
“O texto base do PL já representava grave ameaça ao meio ambiente, por flexibilizar ou até tirar a necessidade de licenciamento de obras e empreendimentos de potencial impacto, como a construção de barragens de rejeitos – as mesmas que estouraram em Mariana e Brumadinho, deixando um rastro de morte e destruição”, reitera a nota.