Garantido: um êxtase no coração da floresta
Por: Iraildes Caldas
23 de novembro de 2025O folclore na Amazônia brasileira é o ponto alto de manifestação da cultura popular ancestral dos povos ameríndios. Um mergulho nas narrativas primevas e ancestrais dos povos indígenas desta região pluriétnica e sociobiodiversa. O Boi Garantido adota uma perspectiva folclórica centrada na tradição de forma engajada e comprometida com a causa indígena, sem descurar da valorização da cultura afro-brasileira. Trata-se de uma imersão na cultura popular entranhada na alma do povo. A arte encenada no âmago da floresta emociona, causa delírio, fazendo abrolhar sentimentos que eclodem dos arcanos da ancestralidade.
O Boi Garantido adota a cor vermelha como elemento diacrítico e de resistência. Lembra o coração da floresta, mas especialmente o sangue derramado no genocídio indígena levado a cabo pelo projeto colonizador português desde o século XVI. O Vermelho dança e rodopia na arena, arrepiando a galera e chamando o povo para brincar de boi-bumbá. É um momento de o povo lembrar suas raízes, do lugar de onde veio, da pessoa simples de Lindolfo que fundou o boi, um pescador, homem que, junto com outros pescadores, agricultores e agricultoras da várzea amazônica, encenaram o folclore indígena no coração da floresta. Um ato cultural que faz o povo não esquecer que o seu boi abrolhou das ruas, da vida humilde de pobreza e vulnerabilidade social, enfrentou enchentes e vazantes dos rios na Baixa do São José.
Por isso ele é o Boi do Povo, o Boi do Povão, tema que o Vermelho trouxe para a arena neste ano de 2025. O embalo poético de vibrações avermelhadas no coração da floresta é um êxtase vivido em meio ao desejo, à excitação, fruição e amor ao povo. Os símbolos e as palavras deixam de ser meros transmissores para tornarem-se sentimentos estéticos, em meio à magia, choro, risos, num tempo contemporâneo de antropocena, uma lógica de regresso ao humanismo, um retorno ao ventre, aos sentidos, ao sensível.
Este é, pois, um tempo de parada, um tempo de si próprio, um mergulhar para dentro da alma, das emoções. É tempo de viver o delírio que faz pulsar o coração de forma acelerada numa emoção inaudita. É um contemporâneo que pulsa força e vigor, aquilo que lembra a representação da criança eterna, numa expressão popular de pertença e conexão de si com o boi, um entrelace de afeto entre o povo e os seus entes ancestrais.