General Heleno registrava em agenda etapas do plano de golpe


Por: Ana Cláudia Leocádio

20 de fevereiro de 2025
General Augusto Heleno (Composição: Lucas Oliveira/CENARIUM)
General Augusto Heleno (Composição: Lucas Oliveira/CENARIUM)

BRASÍLIA (DF) – Uma das figuras do núcleo crucial da organização denunciada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o general Augusto Heleno registrava em uma agenda as estratégias do grupo para colocar em prática o plano de desacreditar as urnas, assim como agir contra o resultado das eleições que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva. É o que consta na denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, ao Supremo, nessa terça-feira, 18, contra 34 pessoas.

Então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, Heleno desempenhou papel estratégico nos desdobramentos dos planos para manter Bolsonaro no poder, a despeito dos resultados das eleições.

Segundo a PGR, foi realizada uma reunião ministerial no dia 5 de julho de 2022 por iniciativa de Bolsonaro, com a participação de Heleno, do seu ajudante de ordens Mauro Cid, dos ministros de Estado Anderson Torres (Justiça), Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Defesa), Braga Netto (vice-presidente) e Mário Fernandes (subsecretário da Presidência), além dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.

Agenda de anotações de general Heleno (Reprodução)

O encontro foi gravado e mostra que Bolsonaro estava otimista com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, da chamada “PEC da Bondade”, que “iria lhe render 70% dos votos”. Um resultado adverso a esse, dizia o ex-presidente, seria prova de fraude no sistema eletrônico de votação.

De acordo com Gonet, o general Augusto Heleno também se manifestou e revelou que a estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) continuava sendo utilizada para fins ilícitos, com a instrução de infiltrar agentes nas campanhas eleitorais, mas foi interrompido por Bolsonaro.

“Ô general, eu peço que o senhor não… eu peço que o senhor não fale, por favor. Não, não prossiga mais na teu… na tua observação aqui. Eu peço o senhor que não prossiga na tua observação! Se a gente começar a falar ‘não vazar’ o senhor esquece. Pode vazar. Então a gente conversa em particular na nossa sala lá sobre esse assunto, o que, que porventura a Abin está fazendo, tá?”, disse o ex-presidente na ocasião.

A denúncia também destaca uma intervenção de Heleno durante a reunião no sentido de agir contra as instituições. “Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições”, disse o general, para em seguida completar: “Eu acho que as coisas têm que ser feitas antes das eleições. E vai chegar a um ponto que nós não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas. Isso pra mim é muito claro”, falou Heleno.

Cronologia dos atos

A denúncia de Gonet ao Supremo faz uma cronologia dos planos para contestar os resultados das eleições, caso o resultado não fosse a reeleição de Bolsonaro. O procurador-geral narra que, no dia 22 de março de 2021, dias depois de Lula ter superado a inelegibilidade tornando-se apto a disputar a presidência da República, o núcleo central de apoio a Bolsonaro “cogitou de o presidente abertamente passar a afrontar e a desobedecer a decisões do Supremo Tribunal Federal, chegando a criar plano de contingenciamento e fuga de Bolsonaro, se a ousadia não viesse a ser tolerada pelos militares”.

A ofensiva ganhou corpo após uma transmissão ao vivo pela internet, no dia 29 de julho de 2021, diretamente do Palácio do Planalto. Na ‘live’, Bolsonaro retomou as críticas, embora vencidas, ao sistema eletrônico de votação e exaltou a atuação das Forças Armadas.

Bolsonaro durante transmissão ao vivo (Reprodução/Redes Sociais)

“A partir de então, os pronunciamentos públicos passaram a progredir em agressividade, com ataques diretos aos poderes constituídos, a inculcar sentimento de indignação e revolta nos seus apoiadores e com o propósito de tornar aceitável e até esperável o recurso à força contra um resultado eleitoral em que o seu adversário político mais consistente triunfasse”, diz a denúncia de Gonet.

Em seguida, os ataques foram se intensificando, seja por meio de transmissões ao vivo na internet ou entrevistas aos meios de comunicação, no sentido de desacreditar o sistema eleitoral

O ápice ocorreu numa manifestação, em São Paulo, na Avenida Paulista, dia 7 de setembro de 2021, quando Bolsonaro utilizou o que Gonet chama de “palavras viperinas” dirigidas ao ministro do STF Alexandre de Moraes, afirmando que não mais se submeteria às decisões do Supremo, confiado no apoio que teria das Forças Armadas.

“As investigações da Polícia Federal revelaram que o pronunciamento não era mero arroubo impensado e inconsequente. Já então, o grupo ao redor do presidente houvera até mesmo traçado estratégia de atuação em prol do seu líder, incluindo plano de fuga do País, se porventura lhe faltasse o apoio armado com que contava”, sustenta a denúncia.

Conforme Gonet, na ocasião, Bolsonaro evidenciou seu receio de derrota nas urnas e apresentou de forma explícita a mensagem autoritária de permanência no poder: “Só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”, afirmara o presidente aos manifestantes na Paulista.

Reunião levou à inelegibilidade

Em 272 páginas, Gonet reconstitui toda a trama engendrada desde março de 2021, que se fortalece no ano eleitoral de 2022, quando ocorreu a reunião com os embaixadores, no Palácio do Planalto, justamente para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, acusando-o de fraudes sem apresentar provas. O ato foi decisivo para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgar a ação que tornou Bolsonaro inelegível.

Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por 50,9% no segundo turno, em outubro de 2022, Gonet afirma que começou uma campanha de estímulo à insurreição contra o resultado eleitoral, além de tentar impelir os militares do Alto Comando a aderirem ao plano que pedia intervenção militar no país, com milhares de pessoas acampadas em frente aos quartéis.

“Este foi o cenário armado para a execução da próxima etapa do projeto de sedição, em que seriam intensificadas as demandas por ações militares, elaborados os documentos necessários para a formalização do Golpe de Estado e praticadas outras mais medidas de força orientadas a viabilizar o seu êxito”, diz a denúncia.

A peça acusatória usa como base muitas informações extraídas do telefone do ex-ajudante de Ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que em delação premiada deu mais detalhes do plano à Justiça. O procurador-geral faz questão de apresentar a denúncia de forma cronológica, com os fatos concatenados e indicando a responsabilidade de cada membro no plano de Golpe de Estado.

Mauro Cid ao lado de Jair Bolsonaro (Reprodução/Presidência)

Destaca ainda os planos “Punhal Verde Amarelo”, elaborado para neutralizar o ministro Alexandre de Moraes e assassinar o presidente Lula envenenado, além do plano “Copa 2022”, que monitorava as autoridades. Todos os atos, segundo Gonet, formaram o ambiente ideal para as invasões dos prédios dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023, cujos presos estão sendo julgados pelo STF.

Em várias partes da denúncia, o PGR destaca que tudo o que foi engendrado por Bolsonaro e seus subordinados não prosperou porque os Comandantes do Exército e da Aeronáutica não concordaram e aderir ao projeto.

Uso da máquina pública

A denúncia também mostra como outro ministério foi utilizado, durante as eleições de 2022, que culminou em operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF), no segundo turnos das eleições, principalmente no Nordeste, para impedir que pretensos eleitores de Lula chegasse às urnas. A PRG era comandada por Silvinei Vasques, que também foi denunciado.

A PGR desvendou como tudo se desenrolou no Ministério da Justiça, com a ação da delegada da Polícia Federal, Marília Ferreira Alencar, então diretora de Inteligência da pasta. Após o primeiro turno, ela solicitou a elaboração de um projeto de Business Intelligence (BI) voltado aos resultados eleitorais.

“O objetivo era coletar informações sobre os locais onde Lula da Silva havia obtido uma votação expressiva e onde Bolsonaro havia sido derrotado, com foco especial nos municípios da Região Nordeste”, afirma Gonet.

O desvio de finalidade no ministério foi percebido, conforme a PGR, pelo analista de Inteligência encarregado da coleta dos dados, Clebson Ferreira de Paula, que em depoimento relatou tudo o que ocorreu durante o período. “Ele expressou perplexidade diante das solicitações de Marília, dado que o seu trabalho deveria se concentrar na segurança das eleições, e não na análise de resultados que poderiam orientar as ações da PRF”, destaca a denúncia.

As análises eram direcionadas para que as ações da PRF se concentrassem em locais onde Lula havia recebido mais de 75% dos votos. Além disso, foram identificadas mensagens trocadas por Marília diretamente com o então ministro da Justiça Anderson Torres, e sua chefe de gabinete, Maria das Neves Viana Couto, além do diretor de Operações à época do ministério, Fernando de Sousa de Oliveira. O histórico das conversas forneceu detalhes adicionais sobre as atividades ilícitas que agora integram a denúncia da PGR.

Cronologia, segundo a PGR
  • 22/03/2021: dias depois de superada a inelegibilidade de Lula, o núcleo central da organização e de apoio do então presidente da República cogitou de o presidente abertamente passar a afrontar e a desobedecer a decisões do Supremo Tribunal Federal, chegando a criar plano de contingenciamento e fuga de Bolsonaro, se a ousadia não viesse a ser tolerada pelos militares.
  • 29/7/2021: Jair Bolsonaro deu curso prático ao plano de insurreição por meio de transmissão ao vivo das dependências do Palácio do Planalto pela internet, retomando as críticas ao sistema eletrônico de votação e exaltou a atuação das Forças Armadas. A partir de então, os pronunciamentos públicos passaram a progredir em agressividade, com ataques diretos aos poderes constituídos, a inculcar sentimento de indignação e revolta nos seus apoiadores e com o propósito de tornar aceitável e até esperável o recurso à força contra um resultado eleitoral em que o seu adversário político mais consistente triunfasse.
  • 03/08/2021: Poucos dias após a live do dia 29.7.2021, Bolsonaro concedeu entrevista, amplamente replicada em diversos veículos de comunicação, e insinuou a tomada de medidas de força contra o Judiciário, evidentemente contra os seus tribunais de cúpula. Exclamou o que seria “um último recado para que eles entendam o que está acontecendo”.
  • 04/08/2021: Bolsonaro voltou a desacreditar o sistema eleitoral durante live transmitida pelo canal da Jovem Pan na plataforma YouTube – programa “Os Pingos nos Is”. Afirmou que o código-fonte das urnas eletrônicas, no período eleitoral de 2018, teria sido acessado por um hacker, que poderia ter interferido no resultado do pleito. Além disso, acusou o Tribunal Superior Eleitoral de destruir ou ocultar provas sobre os fatos e se dirigiu ao Ministro Luís Roberto Barroso, dizendo-o um mentiroso.
  • 10/08/2021: Congresso mantém o sistema eletrônico de votação por 229 votos favoráveis a 218 contrários.
  • 7/09/2021: durante os festejos cívicos de 7 de setembro de 2021, em difundida alocução pública na cidade de São Paulo, o presidente, após se servir de palavras viperinas dirigidas ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, deu a conhecer o seu propósito de não mais se submeter às deliberações provenientes da Suprema Corte, confiado no apoio que teria das Forças Armadas. Até o ano de 2022, intensificaram os ataques ao sistema eleitoral e ao Judiciário.
  • 05/07/2022: Identificou-se a gravação de uma reunião ministerial ocorrida, promovida por Bolsonaro, acompanhado do seu ajudante de Ordens Mauro Cesar Barbosa Cid, onde estavam presentes ministros de Estado e integrantes de cargos elevados no governo federal. Apurou-se que o presidente da República convocou reunião ministerial para concitar ataques às urnas e à difusão de notícias infundadas sobre o seu adversário no sufrágio que se aproximava. À altura, o concorrente já vinha sendo apontado como favorito. Na reunião, falou-se inequivocamente em “uso da força” como alternativa a ser implementada, se necessário.
  • 18/07/2022: reunião do presidente da República com embaixadores e representantes diplomáticos acreditados no País, conduzida para verbalizar as conhecidas e desmentidas acusações sobre fraudes, por meio de truques informáticos, em vias de serem cometidas no pleito vindouro. O que parecia, à época, um lance eleitoreiro, em si mesmo ilícito e causador de sanções eleitorais, mostrou-se, a partir da trama desvendada no inquérito policial, um passo a mais de execução do plano de solapar o resultado previsto e temido do sufrágio a acontecer logo adiante.
  • Segundo turno de 2022: Durante o segundo turno das eleições, a organização pôs de novo em prática o seu plano de prolongar a permanência do líder no Poder. No âmbito do Ministério da Justiça, foram ilicitamente mobilizados aparatos de órgãos de segurança para mapear lugares em que o candidato da oposição obtivera votação mais expressiva no primeiro turno. A Polícia Rodoviária Federal foi levada a realizar aí operações, visando a dificultar o acesso tempestivo dos eleitores cadastrados a essas zonas eleitorais. Três dos personagens envolvidos nessa tarefa tornaram ao proscênio do golpe em 8 de janeiro de 2023, quando atuavam na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e facilitaram o movimento insurrecionista violento que depredou as sedes dos três Poderes.
  • Novembro de 2022: oficiais do Exército, auxiliares de Comandantes de Regiões e de setores estratégicos, que tinham em comum vínculo com as Forças Especiais da Arma, reuniram-se para encontrar meio de fazer com que a alta cúpula do Exército aderisse ao golpe a que estavam dando curso (kids pretos).
  • 8 de janeiro: A última esperança da organização estava na manifestação deste dia. A organização incentivou a mobilização do grupo de pessoas em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, que pedia a intervenção militar na política. Os participantes daquela jornada desceram toda a avenida que liga o setor militar urbano ao Congresso Nacional, acompanhados e escoltados por policiais militares do Distrito Federal. Os denunciados programaram essa ação social violenta com o objetivo de forçar a intervenção das Forças Armadas e justificar um Estado de Exceção. A ação planejada resultou na destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União, incluindo bens tombados. Todos os denunciados, em unidade de desígnios e divisão de tarefas, contribuíram de maneira significativa para o projeto violento de poder da organização criminosa, especialmente para a manutenção do cenário de instabilidade social que culminou nos eventos nocivos.
Leia mais: Denúncia da PGR coloca Bolsonaro na trama do golpe desde 2021
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona

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