Governo Bolsonaro quer barrar reajuste de 33% no piso salarial de professores


24 de janeiro de 2022
Lei vincula o aumento do salário à variação do valor por aluno anual do Fundeb; impacto nas contas das prefeituras pode chegar a R$ 30 bi (Reprodução/Internet)
Lei vincula o aumento do salário à variação do valor por aluno anual do Fundeb; impacto nas contas das prefeituras pode chegar a R$ 30 bi (Reprodução/Internet)

Com informações da Folhapress

BRASÍLIA — O governo Jair Bolsonaro (PL) quer barrar o reajuste salarial dos professores da educação básica previsto pela Lei do Piso do magistério. A categoria já se mobiliza para judicializações e, dentro do governo, há planos para editar uma medida provisória e alterar as regras.

A lei atual vincula o reajuste dos ganhos mínimos dos professores à variação do valor por aluno anual do Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação básica.

Com base nesse critério, vigente desde 2008, o reajuste para 2022 fica em 33,2% — passando dos atuais R$ 2.886,24 para R$ 3.845,34.

Os dois milhões de docentes da educação básica pública estão ligados a Estados e prefeituras, que arcam com seus salários. O atendimento ao piso tem sido um desafio para os cofres de municípios e Estados.

O reajuste de 33,2% provocaria impacto de R$ 30 bilhões só nas finanças municipais, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

O último aumento do piso foi em 2020 (houve queda do valor referência em 2021). Ao chegar ao piso atual, o incremento foi de 12,84%. Caso o cálculo seguisse o INPC, seria de 4,6%.

“Destaca-se que o piso hoje não serve apenas como remuneração mínima, mas, como valor abaixo do qual não pode ser fixado o vencimento inicial, repercute em todos os vencimentos do plano de carreira dos professores”, diz nota da CNM.

​Gestores aguardam todos os anos sinalização do Ministério da Educação (MEC) sobre a variação do reajuste — o que a pasta tem se negado a fazer, além de expor publicamente a discordância.

Reajuste para policiais

Apesar de tentar barrar a valorização dos profissionais de educação, Bolsonaro tem defendido reajuste para policiais em 2022, base eleitoral do presidente. Outras categorias já demonstraram insatisfação.

Presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Educação, Milton Ribeiro, na sede do Bope, no Rio de Janeiro (Reprodução/Twitter)

As regras do Fundeb foram alteradas por emenda constitucional em 2020. Isso aumentou a participação da União no bolo de recursos e, por consequência, impacta o avanço do valor por aluno adotado como critério.

A emenda diz que “lei específica disporá sobre o piso salarial profissional” do magistério. Há consenso de que a lei precisa ser revista para se adequar ao novo Fundeb, mas o Congresso não apreciou novo projeto sobre o tema.

Alinhado com prefeituras e governos estaduais, o governo federal tem mantido entendimento de que, com o novo Fundeb, a lei atual do piso não pode e não precisa ser seguida.

Por outro lado, especialistas, congressistas e representações sindicais da categoria afirmam que, enquanto não houver nova lei, o texto de 2008 continua valendo e deve ser respeitado.

O MEC afirmou, em nota divulgada na sexta-feira, 14, que há um “entendimento jurídico” interno de que a lei não é mais condizente com a mudança do Fundeb.

A área econômica defende que o reajuste seja atrelado à inflação, o que não garantiria aumento real. Assim, o governo estuda a edição de uma MP para mudar o critério de reajuste e vinculá-lo ao INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), o que é defendido pela CNM.

Sem resposta

Questionado, o MEC não respondeu. O Ministério da Economia afirmou, em nota, que não comenta “medidas não anunciadas oficialmente”.

Em duas oportunidades o governo Bolsonaro já tentou derrubar as regras atuais de reajuste do piso. Uma proposta apareceu durante tramitação da regulamentação do Fundeb e outra, na negociação sobre alteração no Imposto de Renda, em que o governo patrocinou votação na Câmara de um recurso parado havia anos. Ambas foram derrotadas no ano passado.

As duas iniciativas previam o reajuste vinculado ao INPC, sem previsão de ganhos reais.

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, afirma que a entidade já orientou sindicatos da categoria a judicializar a questão caso não haja atendimento à lei atual.

“Há um movimento equivocado do MEC, orientado pela Economia e pressão da CNM, que não deseja aplicar o reajuste corretamente”, diz. “O ataque é no índice, e o INPC não atende as metas PNE [Plano Nacional de Educação]”, diz.

O PNE prevê equiparação salarial dos professores à média de profissionais com a mesma titulação até 2024. Na média, docentes da educação básica ganhavam, em 2012, o equivalente a 65% da média dos demais profissionais com nível superior.

Esse percentual chegou a 78%, em 2019, mas o próprio MEC, que fez o cálculo, diz que a alta se explica, em grande parte, pelo decréscimo de 13% do rendimento dos demais profissionais.

Em abril de 2019, oito Estados não cumpriam o piso, segundo a CNTE.

O reajuste de 33,2% provocaria impacto de R$ 30 bilhões só nas finanças municipais, segundo Confederação Nacional dos Municípios (Reprodução/Intenet)

A procuradora Elida Graziane, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), diz que, se não houve revogação expressa da lei de 2008, não pode ser presumida uma revogação tácita.

“Não pode pressupor a perda do lastro da lei exatamente porque a emenda quis fortalecer e ampliar a valorização não só dos professores, mas de todos os profissionais da educação”, diz ela, especialista em financiamento de direitos fundamentais e orçamento público.

Não há previsão legal que vincule o atendimento da lei a qualquer manifestação do MEC, embora gestores aguardem sinalização da pasta. Em geral, isso vem por entrevista do ministro ou por nota à imprensa.

Em 2020, o MEC chegou a fazer propaganda nas redes sociais com o aumento do piso como se fosse realização da gestão.

Segundo Graziane, mesmo sem respaldo legal, essa indicação da pasta sobre o piso consolida a questão nacionalmente e evita disputas interpretativas.

A eleição de outubro é fator de pressão sobre o tema, mas, segundo relatos, há interesse do governo e de prefeitos em postergar qualquer posicionamento.

“Adiar é uma forma de ajuste [fiscal]. Mas é muito cinismo fiscal desconstruir o piso dos professores e dar reajuste para forças de segurança”, diz Graziane.

Congressistas das Frentes de Educação e de Defesa da Escola Pública têm se articulado para pressionar o atendimento ao texto atual da lei.

Para deputados como Professora Dorinha (DEM-TO), Israel Batista (PV-DF) e Idilvan Alencar (PDT-CE), presentes em reunião na quarta-feira, 19, a justificativa de que há uma lacuna de legislação não se sustenta.

O que você achou deste conteúdo?

VOLTAR PARA O TOPO