Governo dos EUA monitorou Lula por mais de 50 anos, indicam documentos oficiais


18 de julho de 2024
Documentos mostram monitoramento entre 1966 e 2019 (Composição: Weslley Santos/Cenarium)
Documentos mostram monitoramento entre 1966 e 2019 (Composição: Weslley Santos/Cenarium)

Da Cenarium*

BRASÍLIA – Diferentes órgãos do Governo dos Estados Unidos monitoraram o presidente Lula (PT) com a produção de ao menos 819 documentos, que somam 3.300 páginas de registros. As informações foram fornecidas pelo governo americano ao jornalista e escritor Fernando Morais, biógrafo do presidente.

Os dados se referem ao período de 1966 a 2019, ano em que os pedidos foram protocolados. A maior parte foi produzida pela CIA, a agência de inteligência dos americanos. A CIA mantém 613 documentos sobre Lula, em um total de 2.000 páginas.

Os registros dão conta da relação de Lula com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), com autoridades do Oriente Médio e da China, além de planos militares brasileiros e a produção da Petrobras. Os requerimentos do escritor compreendem cinco décadas, desde a época da ditadura militar, quando o petista ascendeu no movimento sindical, até pouco após sua prisão, ocorrida em 2018.

O escritor ainda não teve acesso à íntegra dos documentos. Não há nesse acervo informações que teriam sido colhidas no atual mandato do presidente, iniciado em 2023.

Morais contou com a ajuda do escritório de advocacia Pogust Goodhead para requerer as informações a todas as agências dos EUA, por meio da Lei de Acesso à Informação americana (Freedom of Interaction Act). Os primeiros dados chegaram agora, por meio do Departamento de Defesa.

O presidente ainda estava preso quando consegui procurações para recolher em nome dele todos os registros existentes nas agências. Tem agência que, obviamente, não tinha nada, tipo a que cuida de entrada ilegal de alimento. Mas pedi de todas“, disse Morais.

O jornalista e escritor lançou em 2021 o primeiro volume da biografia de Lula. Trabalha agora no segundo volume da obra. Morais e seus advogados solicitaram relatórios, levantamentos, e-mails, cartas, minutas de reuniões, registros telefônicos e demais documentos produzidos pelos órgãos de inteligência americanos.

É preciso jogar luz na relação entre os dois maiores países do continente americano. Esse é um direito do nosso cliente Fernando Morais e de todos os brasileiros. Estamos confiantes de que as autoridades norte-americanas atenderão nosso pedido“, disse Tom Goodhead, sócio-administrador global do Pogust Goodhead.

A filial norte-americana auxilia Morais com os pedidos de informações. O escritório, que atua pro bono para o jornalista no caso, é o mesmo que representa os atingidos pelo rompimento da barragem em Mariana na Inglaterra e na Holanda.

Até o momento, foram encontrados 613 documentos da CIA, 111 do Departamento de Estado, 49 da Agência de Inteligência da Defesa, 27 do Departamento de Defesa, 8 do Exército Sul dos Estados Unidos, unidade de apoio da força armada americana, e 1 do Comando Cibernético do Exército, braço militar de operações e informação digital.

O grupo ainda aguarda retorno do FBI (a polícia federal dos EUA), do NSA (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos) e da Rede de Combate a Crimes Financeiros (Financial Crimes Enforcement Network – FinCEN). O prazo é de 20 dias úteis, prorrogáveis por mais 20, para informar se vão ou não fornecer os dados.

Morais, que já trabalhou com dados americanos para o livro “Olga”, que foi lançado em 1985 contando a história da judia e comunista Olga Benário Prestes, disse que o governo americano veta trechos que considera trazer riscos à segurança de Estado.

Sabemos que o governo norte-americano analisou de perto o cenário político brasileiro nas últimas décadas, e o Lula é um dos personagens mais marcantes e importantes da história da América Latina“, disse o escritor.

Quando o material estiver pronto, ele terá de buscar nos Estados Unidos a íntegra em formato físico. Procurado, o Palácio do Planalto não quis se manifestar sobre o tema.

Em 2013, o programa Fantástico, da TV Globo, noticiou que a então presidente Dilma foi alvo de espionagem da NSA. Documentos secretos que baseiam as denúncias foram obtidos pelo jornalista Gleen Greenwald com o ex-técnico da agência Edward Snowden.

Dois anos depois, o portal do WikiLeaks divulgou informações confidenciais da NSA, revelando nova espionagem contra Dilma, assessores e ministros.

Ao todo, 29 telefones de membros e ex-integrantes do governo foram grampeados –no início do primeiro mandato de Dilma– pela agência americana, como o do ex-chefe da Casa Civil Antonio Palocci o então secretário-executivo da Fazenda, Nelson Barbosa, o ex-chanceler Luiz Alberto Figueiredo Machado, e o ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general José Elito Carvalho Siqueira.

Os relatórios apontavam, à época, que até uma secretária e uma assistente de Dilma também tiveram telefones grampeados.

A expectativa de Morais com os pedidos aos Estados Unidos é de que possa usar as informações na segunda parte da biografia de Lula, ainda sem data de lançamento. “Enrolaram muito, e como pedi uma quantidade grande, se sentiram no direito de atrasar. Tanto que minha ideia é que o material entrasse no volume 1 do livro, mas não mandaram. Entrará no volume 2, então“, completou.

O primeiro volume, intitulado “Lula”, já foi traduzido para o chinês, o inglês e o espanhol. O recorte estabelecido para pedido de informações teve início em 1966 porque é quando Lula ingressa como torneiro mecânico em uma fábrica, no ABC Paulista, e tem início seu envolvimento com o sindicalismo, fato que marca seu ingresso na vida política brasileira.

Lula viria a se tornar presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema em 1975, posição em que liderou greves três anos depois. Neste período, Lula também ajudou a fundar o PT e tornou-se o primeiro presidente da sigla.

(*) Com informações da Folhapress

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