Governo federal deixa 58 mil pessoas sem medicamento para doenças autoimunes
01 de abril de 2021

Com informações da Folhapress
No Brasil, 57.957 pessoas que fazem tratamento para controle de doenças reumatológicas, dermatológicas e inflamatórias intestinais com adalimumabe, na apresentação de 40 mg/0,4ml, enfrentam desabastecimento no SUS desde o segundo semestre de 2020.
No Estado de São Paulo, o problema atinge 19.306 pacientes, de acordo com o Movimento Medicamento no Tempo Certo, da BioRed Brasil, ONG que reúne associações de pacientes de todo o País.
Também há problemas com a versão pediátrica, de 20 mg, utilizada por cerca de 600 crianças no País.
Neste caso, a farmacêutica global AbbVie, que é a responsável pela fabricação e distribuição do adalimumabe de referência (Humira), fez a doação de 2.000 frascos ao Ministério da Saúde.
O remédio é adquirido pelo governo federal e distribuído aos Estados, que fazem a dispensação por meio das farmácias de alto custo.
É importante ressaltar que as duas apresentações do medicamento estão com o registro ativo na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas outros fabricantes podem vender biossimilares no Brasil.
Priscila Torres, 40, tem artrite reumatoide. Ela coordena a BioRed Brasil. “A situação é desesperadora. É um medicamento que as pessoas não conseguem comprar. Para o Ministério da Saúde, ele custa R$ 11 mil por paciente por ano. Para o consumidor final, que precisa tomar mensalmente as duas injeções da caixa, o custo na farmácia é de R$ 9.200 por mês”, diz ela.
As sociedades brasileiras de Dermatologia e Reumatologia, e o Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil enviaram uma carta ao ministério, onde manifestam preocupação com a falta do medicamento.
“Sua descontinuidade pode gerar consequências irreparáveis para a saúde do paciente, como perda de visão, de um segmento intestinal e deformidades permanentes. Em muitos dos pacientes é a única droga capaz de controlar a doença, deixando a grande maioria dos usuários com a doença inativa. No caso da hidradenite, de alta carga inflamatória e morbidade, não há sequer substituto terapêutico com potencial capacidade de controle da doença”, afirma trecho do documento.
Indicado para artrite reumatoide e psoriásica, espondilite anquilosante, doença de Chron e retocolite ulcerativa, entre outras, o medicamento é injetável e pode ser aplicado pelo próprio paciente.
As irregularidades na entrega começaram em julho; no mês de outubro, a dispensação foi normal. Entre os meses de janeiro e março de 2021, o Movimento Medicamento no Tempo Certo recebeu 700 denúncias sobre falta do medicamento em todos os Estados brasileiros.
O Ministério da Saúde afirmou que enviou medicamento suficiente para atender os pacientes cadastrados nos últimos três meses de 2020 e nos primeiros 39 dias de 2021.
Para suprir a demanda do primeiro trimestre seriam necessárias 173.871 caixas, mas foram enviadas 87.795.
O ministério diz que aguarda a finalização do processo de compra via pregão eletrônico para dar continuidade ao abastecimento da rede – o edital para início do processo de pregão não havia sido publicado até esta segunda-feira (29).
Em nota, a farmacêutica AbbVie afirmou ter estoque para suprir as necessidades do medicamento, via Ministério da Saúde, para os pacientes que dele necessitam e têm prescrição para recebê-lo. O laboratório aguarda a publicação do edital para avaliar sua participação no processo.
Cronograma de entrega
Ainda segundo a AbbVie, desde 2007 a empresa cumpre rigorosamente os termos dos contratos e cronograma de entrega do medicamento ao Ministério da Saúde, bem como a todas demais instituições de saúde que assim o necessitem.
Ainda não há previsão para a normalização do fornecimento de adalimumabe, que é de uso contínuo. A sua interrupção reativa a doença e pode ocasionar a formação de anticorpo antidroga, ou seja, quando aplicado novamente, não fará mais efeito. A explicação é da Mariana Deboni, gastroenterologista pediátrica e coordenadora do Ambulatório de Doenças Inflamatórias Intestinais Pediátricas do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo.
A médica também integra o Gediib (Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil), que atende 150 pacientes com até 18 anos de idade e doença de Crohn ou retocolite ulcerativa, que são subtipos da doença inflamatória intestinal.
O problema na gastroenterologia pediátrica é que só há dois biológicos para utilizar em crianças: infliximabe e o adalimumabe. “Para o paciente que faz uso do adalimumabe é a última opção terapêutica. Quando temos a notícia da interrupção do fornecimento do medicamento, é uma tragédia. Se o paciente perder essa medicação, teremos que nos voltar a outros tratamentos, inclusive o uso de corticoide ou corticosteroide, com efeitos colaterais. Numa época de Covid-19, é uma medicação que está associada ao aumento do desfecho desfavorável da doença em pacientes com doença inflamatória intestinal”, explica Deboni.
“Fiquei impactada com a notícia por dois motivos: a gente soube que a interrupção no fornecimento foi por falta de compra do remédio e porque o governo está fazendo um pregão de licitação e oferecendo o biossimilar do adalimumabe, produzido por outros laboratórios. A grande problemática é que a gente teve uma interrupção abrupta do tratamento sem ter outra opção e o Ministério da Saúde já está impondo numa decisão verticalizada, que não é compartilhada com o médico ou paciente”, afirma. A participação de marcas diferentes no processo de licitação não é vista com bons olhos pelos médicos. “A substituição automática do medicamento não pode ser feita sem que haja conhecimento e autorização do médico responsável pelo paciente”, diz Deboni.