Governo Lula revoga medida de Bolsonaro e cria Prêmio Luiz Gama; ‘Reparação histórica’
06 de abril de 2023

Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium
MANAUS – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania (MDCH), Silvio Almeida, revogaram a “Ordem do Mérito Princesa Isabel”, criada pelo Governo Jair Bolsonaro, em 8 de dezembro de 2022, um mês antes dos atos terroristas promovidos pela extrema-direita, e instituíram o Prêmio Luiz Gama. A medida foi bastante comemorada pelo movimento negro, no Brasil, por reconhecer um homem negro abolicionista enquanto defensor dos direitos humanos.
O Prêmio Luiz Gama de Direitos Humanos será concedido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania a pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado, cujos trabalhos ou ações mereçam destaque especial nas áreas de promoção e defesa dos direitos humanos no País.
O historiador Juarez da Silva explicou que o livro ‘Guerra Cultural’ define o que foi instalado no Governo Bolsonaro. A ideia era destruir valores progressistas, democratizantes e afirmativos, os substituindo por narrativas opostas, odes ao retrocesso e reacionário.
“Com essas tentativas se visava estabelecer uma mobilização popular baseada, sobretudo, na desinformação, se aproveitando da falta de informação e atualização de grande parte da população, ao mesmo tempo, instalando um sentimento de pertencimento “nacionalista” pelo resgate de símbolos ‘chapa branca’ ainda arraigados na memória coletiva, produto de uma educação que, por décadas, endossou e fomentou uma noção histórica e social, na verdade, metarracista e alienante”, afirmou o historiador.
Para ele, o que o governo atual está fazendo com o ‘revogaço’ é devolver o País a um espírito mais condizente com a democracia e a justiça social e histórica, que já vinha ocorrendo desde os anos iniciais do século atual.
“Com a Lei 10.639/2003, tornou-se obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, depois acrescida da indígena, no ensino básico, além de uma série de ações afirmativas no sentido de maior respeito à diversidade e redução das desigualdades seculares. Decisão acertadíssima, portanto, a substituição, que siga firme no resgate das conquistas e avanços que estávamos perdendo no governo federal anterior”, destacou Juarez.

Reparação histórica
A advogada e pesquisadora Luciana Santos destacou ser uma reparação histórica. Para ela, é preciso acabar com o mito da princesa Isabel como redentora. A Lei Áurea é a menor lei brasileira e, consequentemente, não trouxe nenhuma política pública destinada aos ex-escravizados, os deixando à própria sorte.
“Então, não tem como um prêmio de direitos humanos levar o nome dessa senhora. Luiz Gama, ao contrário, tem uma história belíssima de luta pela liberdade. E graças a sua inteligência, dedicação e senso de coletivo, conseguiu a libertação de dezenas de escravizados. Sem falar na sua atuação como jornalista também. Foi um homem à frente de se seu tempo e que demorou muito para ter sua grandiosidade reconhecida. Inclusive, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”, enfatizou a advogada.
Reconhecimento
A secretária executiva do MDHC, Rita Oliveira, aponta o simbolismo da troca de homenagem pelo Poder Executivo. “Não se trata de afirmar que uma pessoa branca não possa integrar a luta antirracista, mas de reafirmar o símbolo vital que envolve essa substituição: o reconhecimento de um homem negro abolicionista enquanto defensor dos direitos humanos”, explicou.
De acordo com Rita, a premiação servirá de norte para que o Brasil supere a invisibilidade e alcance o conhecimento de iniciativas que promovam a justiça social. “No apagar das luzes do ano passado, desvirtuaram a compreensão do reconhecimento dos trabalhos pela emancipação humanitária: chegaram a premiar pessoas notavelmente propulsoras do discurso de ódio e envolvidas em atos antidemocráticos”, apontou a secretária executiva do MDHC, Rita Oliveira.
A cada dois anos, sempre em anos pares, o prêmio será concedido a pessoas físicas ou jurídicas que tenham notório trabalho na promoção e defesa dos direitos humanos no Brasil. O MDHC será responsável por conceder a premiação e primará pela cultura, educação e raízes do povo brasileiro na promoção e defesa dos direitos humanos.

Quem foi Luiz Gama
Nascido em 1830, no Estado da Bahia, Luiz Gama era filho de um português com Luiza Mahin, reconhecida mulher negra que participou de diversas insurreições de escravos. Apesar de ser livre, foi vendido pelo pai como escravo para pagar uma dívida de jogo. Aos 18 anos, fugiu e, em 1850, passou a ouvir as aulas do curso de direito da, hoje, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Passou, então, a atuar na defesa jurídica de negros escravizados.
Foi jornalista, escritor, poeta e líder abolicionista brasileiro. Conhecido pela oratória brilhante, foi responsável por libertar mais de 500 escravizados nos tribunais do Brasil. Faleceu em 24 de agosto de 1882. (Conheça o Instituto Luiz Gama)
Nos tribunais, usando de sua oratória impecável e seus conhecimentos jurídicos, conseguiu libertar mais de 500 escravos, algumas estimativas falam em mil escravos. As causas eram diversas, muitas envolviam negros que podiam pagar cartas de alforria, mas eram impedidos pelos seus senhores de serem libertos, ou que haviam entrado no território nacional após a proibição do tráfico negreiro em 1850. Luiz Gama também ganhou notoriedade por defender que, ao matar seu senhor, o escravo agia em legítima defesa.