Governos federal e do AM alinham medidas para liberar obras da BR-319


Por: Ana Cláudia Leocádio

17 de dezembro de 2024
Governos federal e do AM alinham medidas para liberar obras da BR-319
Reunião realizada entre governo federal e do Governo do Amazonas (Diego Peres/Secom-AM)

BRASÍLIA (DF) – Uma reunião intergovernamental, realizada no final da tarde desta terça-feira, 17, no Palácio do Planalto, deu um novo impulso para a apresentação da Licença de Instalação (LI) para a pavimentação do “Trecho do Meio” da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Segundo o governador do Amazonas, Wilson Lima (União), foi estabelecido um cronograma de reuniões técnicas para definir quais as responsabilidades de cada ente federado no cumprimento das condicionantes ambientais necessárias para conseguir a liberação das obras.

O governador foi convidado a participar da reunião com o ministro dos Transportes, Renan Filho, com a ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, e representante do ministro da Casa Civil, Rui Costa. O objetivo do encontro é alinhar de que forma cada instituição vai contribuir para o cumprimento das condições exigidas para a aprovação da licença ao empreendimento.

“A licença prévia já saiu. O Ministério da Infraestrutura deve pleitear essa licença de instalação. Para que a gente possa ter todas as condicionantes necessárias é necessário que se estabeleçam modelos de governança nessas áreas”, explicou o governador.

Ao centro, o governador do Amazonas, Wilson Lima, em reunião Palácio do Planalto (Diego Peres/Secom)

Os trabalhos debatidos envolvem a pavimentação de 405,7 quilômetros da rodovia federal, construída durante o governo militar, que conecta os Estados do Amazonas e Rondônia. Com obras iniciadas em 1968, foi inaugurada em 1972, e fechada definitivamente para o tráfego contínuo, em 1988. As partes trafegáveis estão localizadas nos extremos próximos a Manaus e Porto Velho. O trecho do meio tem sido, há décadas, motivo de demandas políticas e empresariais pela repavimentação.

Em julho de 2022, o trecho sem pavimento obteve a licença prévia (LP) do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, responsável pelo licenciamento de obras federais. A medida foi alvo de ação judicial na Justiça Federal, que a suspendeu, em outubro deste ano, mas teve a decisão derrubada na segunda instância.

Conforme Wilson Lima, foi a primeira vez que governo federal e do Estado sentaram-se à mesa de forma objetiva, agora para definir as responsabilidades de cada um no cumprimento das exigências ambientais do Ibama, para poder conceder o licenciamento.

Trecho da BR-319 afetado por incêndios florestais (Ana Jaguatirica/CENARIUM)

“Nós estamos nos antecipando para já avançar nessas questões, e começar a definir o que é de responsabilidade do Estado, o que é de responsabilidade do governo federal. Estamos montando um cronograma, nossas esquipes técnicas já começam a se reunir, na segunda quinzena de janeiro. Vamos ter a primeira reunião para estabelecer essas obrigações, para que cada um comece a fazer ali a sua parte e a gente consiga ter o êxito de ter essa Licença de Instalação”, ressaltou Lima.

O governador não quis adiantar prazos porque, segundo ele, todas essas reuniões irão definir ainda o tipo de governança que será adotado para a estrada, uma vez que ao governo federal cabe o cumprimento de 80% das condicionantes ambientais, cabendo ao Estado do Amazonas 20%. “Mas já adianto a você que a BR-319 é prioridade e a gente vai investir aquilo que for necessário para que nós apresentemos essas condicionantes ambientais”, disse.

De acordo com Lima, o Ministério dos Transportes vai começar a trabalhar em paralelo ao trabalho de cumprimento das exigências ambientais, o pedido da licença de instalação, para que não haja necessidade de serem feitos novos pedidos durante a tramitação do processo no Ibama. A reunião agendada com os técnicos federais e estaduais é que vai definir como se dará o trabalho de cada um.

Lima relatou, ainda, que falou à ministra Marina Silva de que não se pode ser contra a BR-319. “Ela disse assim: Olha governador, eu não sou contra e nem sou a favor da BR-319. Eu ajo de forma técnica. E estava lá com seus técnicos. Eu fiquei muito convencido desse posicionamento da ministra e acredito que o Ministério do Meio Ambiente vai agir dessa forma”, ressaltou.

Florestas protegidas

Segundo o governador Wilson Lima, o Estado do Amazonas tem responsabilidade sobre nove unidades de conservação ao longo da BR-319, incluindo as de desenvolvimento sustentável, onde já ocorrem algum tipo de atividade, como agricultura familiar, pesca e turismo de base comunitária.

O governo federal, informou Lima, tem responsabilidade sobre outras 11 unidades de conservação, a maioria no Amazonas e uma outra parte em Porto Velho. “Temos algumas outras glebas que pertencem ao Incra e temos algumas outras áreas não destinadas, só que numa menor quantidade, que a gente também precisa entender de quem é a responsabilidade”, afirmou.

O secretário de Estado do Meio Ambiente, Eduardo Costa Taveira, que acompanhou o governador na reunião, disse que a estratégia é antecipar o máximo possível as condicionantes, para que não haja um segundo trabalho após o pedido de licenciamento de implementar.

“Então o governo do Estado está comprometido em acelerar o máximo possível dessas condicionantes para que a gente não tenha nenhum problema na solicitação formal que o Dnit e governo federal têm que fazer para a LI dessa BR”, completou o secretário.

Segundo Taveira, parte importante desse processo depende do governo federal e o ministro Renan Filho pediu empenho a todos para que o pedido da licença de instalação possa ser feito o mais rápido possível. Para isso, a reunião de janeiro será fundamental.

Questionado sobre o papel do Instituto de Proteção Ambiental (Ipaam), órgão responsável pela fiscalização e licenciamento ambientais no Estado, e que nos últimos tempos tem enfrentado uma série de acusações de corrupção, com servidores presos, Taveira disse que os bons servidores garantirão a continuidade de um trabalho de responsabilidade.

“Eu acredito 100% que a continuidade do trabalho e o bom resultado dos últimos dois anos, que deve ser creditado ao bom trabalho dos fiscais e ao bom trabalho dos servidores daquele órgão, vão continuar e são fundamentais para que a gente consiga manter esse resultado”, disse.

Licença prévia

O Trecho do Meio teve a licença prévia emitida em julho de 2022 e, desde então, o Ibama aguarda a apresentação do Projeto das obras, Plano Básico Ambiental (PBA) e requerimento de Licença de Instalação (LI) pelo Ministério dos Transportes, atráves do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit). Somente após a apresentação dessa documentação é possível dar andamento ao processo de autorização das obras de pavimentação da área.

Além da licença prévia, a BR-319 recebeu uma licença de instalação, em 2016, que tem como objeto obras de manutenção e conservação, também no trecho do meio, que não autoriza, no entanto, novos serviços como alargamento de vias e obras de arte corrente ou especiais, restringindo-se a manutenção/conservação e substituição/melhorias das estruturas atualmente existentes.

A BR-319 tem, ao todo, 918 quilômetros de extensão e foi construída para conectar o Estado do Amazonas ao Estado de Rondônia, durante o regime militar. O Trecho do Meio fica entre os quilômetros 250 e 655.

Desde o fechamento contínuo da rodovia, em 1988, a estrada só começou a receber novas obras a partir de 2001, em alguns trechos. Em 2005, abriu-se uma nova discussão sobre a repavimentação e reconstrução de toda a extensão, que foi embargada pela Justiça Federal, com a exigência de Estudos de Impacto Ambiental para a continuidade das obras. E desde então, houve sucessivas tentativas de retomada dos trabalhos, em 2008, 2011 e em 2021, sem avanços concretos.

Após pressão política das bancadas parlamentares do Norte, o governo federal instituiu, em novembro de 2023, o Grupo de Trabalho da BR-319, que reuniu diversos órgãos para apresentar sugestões e soluções. O relatório de 64 páginas, divulgado pelo Ministério dos Transportes, em junho passado, concluiu pela viabilidade da repavimentação da rodovia e apontou algumas providências para atender às condicionantes socioambientais exigidas para a conceção das licenças.

Organizações e cientistas contestam

Em paralelo organizações ambientais e diversos estudos científicos publicados, inclusive em veículos internacionais, contestam a pavimentação da BR-319, porque isso além de significar um vetor de desmatamento na área mais preservada da Amazônia, também pode desencadear a proliferação de doenças.

Em entrevista à CENARIUM, em outubro deste ano, quando a Justiça Federal derrubou a decisão de primeira instância que suspendia os efeitos da licença prévia, o biólogo e ambientalista Marcelo Ferronato, vice-presidente da Ecoporé, falou das preocupações levantadas em relação à pavimentação da estrada.

“Há um grande receio de que as medidas mitigatórias e compensatórias necessárias para a pavimentação não sejam cumpridas. Isso é crucial para proteger o meio ambiente e as comunidades locais”, disse.

Marcelo lembrou, ainda, dos riscos à floresta e às populações indígenas. “A falta de cumprimento dessas medidas pode colocar em risco as florestas da região e as populações tradicionais, incluindo grupos indígenas, algumas das quais são isoladas. A preservação dessas comunidades e do ecossistema local é uma preocupação central”, destacou.

Em seu último artigo publicado na CENARIUM, o cientista Lucas Ferrante também destacou as diversas ameaças que a pavimentação da rodovia pode trazer tanto para o meio ambiente quanto para as comunidades tradicionais e os indígenas.

Ferrante recebeu relatos dos indígenas que vivem ao sul da Reserva Extrativista (Resex) do Lago do Capanã Grande, no entorno da BR-319, denunciando a “contaminação coletiva da comunidade devido ao uso excessivo de agentes químicos para desmatamento na região, os quais foram deliberadamente despejados nos igarapés que abastecem a comunidade”.

Leia mais: Lula promete retomar obras da BR-319, rodovia alvo de desmatamento
Editado por Adrisa De Góes

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